O dia após a expedição do mandado de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado por indefinição e resistência. Lula optou por não se entregar às 17 horas desta sexta-feira (6) em Curitiba como o juiz Sergio Moro sugeriu em seu despacho e a expectativa é que o ex-presidente se dirija à Polícia Federal após a missa em homenagem ao aniversário de dona Marisa Letícia, que será celebrada amanhã de manhã em frente ao sindicato. Ela completaria 68 anos, se estivesse viva.
A presidenta do PT, Gleise Hoffmann, explicou que o ex-presidente não é considerado foragido da Justiça. “Não há nenhum descumprimento da sentença do [juiz Sérgio] Moro. Lula tinha a opção de ir até Curitiba. Não exerceu. Está aqui no sindicato, um lugar público. O mundo sabe que ele está aqui e aqui ele permanecerá. Importante deixar claro que ele não descumpriu, ele optou por não exercer essa opção”, afirmou a presidenta do PT em coletiva à imprensa por volta das 17h30 na sede do Sindicato dos Metalúrgicos.
A assessoria da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, na qual despacha Moro, informou aos jornalistas que o horário estipulado para apresentação foi um “prazo de oportunidade”. Portanto, não houve descumprimento judicial.
O ex-presidente também optou por não se pronunciar. Durante todo do dia, Lula recebeu amigos e militantes dentro do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, e por volta das 18h, saiu na janela para acenar às pessoas que se concentram desde ontem no local em apoio ao ex-presidente.
No carro de som em frente ao prédio do sindicato, diversas autoridades discursaram durante todo o dia. Gleise agradeceu a solidariedade do povo em nome de Lula. “Esse sindicato já enfrentou lutas muito grandes, e é nesse sindicato que o Lula escolheu ficar hoje, junto com a militância. Cá estamos, sobre o olhar do mundo, todos acompanham atentamente, essa situação esdruxula, que atenta contra a nossa democracia. Queria agradecer a solidariedade aqui junto com ele. Não espere que caminhemos como gado, de cabeça baixa. Nós sabemos que Lula vale a luta, e está nas nossas mãos encaminhá-la e defendermos a democracia”.
A pré-candidata à presidência pelo PCdoB, Manuela D'Ávila, que desde ontem acompanha Lula, também falou sobre resistir. “A nossa tarefa e responsabilidade é permanecer aqui em vigília. É resistência de um povo que luta pelo Brasil, pela liberdade de Lula. Não arredamos o pé. Nós estamos cumprindo a lei e a constituição brasileira. Nós precisamos ficar aqui gritando que Lula vale a luta”.
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) ressaltou ter a certeza de estar do lado certo da história. “Essa elite burra, essa elite míope, não está apenas aprisionando Lula, está aprisionando a história desse país. Temos a certeza absoluta de que vamos retomar esse país. Nós teremos a possibilidade de ter um futuro de novo que nós podemos acreditar. O que está em jogo é nossa democracia o nosso futuro. Nós resistiremos pela democracia. Queremos o lula livre", afirmou.
"É importante dizer isso: Lula teve seu direito de defesa violado, a sua presunção de inocência foi violada no STF e o seu decreto de prisão é ilegal. Se as fotos do Brasil lá fora queriam um homem cabisbaixo, saibam que a imagem que eles terão é essa aqui. Lula tem a serenidade e a consciência de sua inocência. Quem olhou no olho de Lula ontem e hoje, como eu que pude estar com ele, ele tem o brilho no olhar da indignação, mas não do ódio. É a serenidade da inocência e da consciência do líder que é”, concluiu Jandira.
O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, também reforçou a importância de manter a presença no sindicato. “Vamos manter vigília democrática. Eles apostam na nossa desmobilização, que vão nos vencer pelo cansaço. Mas daqui a gente não sai”.
Mobilizações
Desde as primeiras horas desta sexta-feira, mais de 50 pontos de rodovias foram bloqueados pelo Movimento Sem Terra (MST) em todo o território nacional, tanto nas capitais quanto nas mais distantes das zonas rurais do país, em protesto ao cumprimento do mandado de prisão emitido pelo juiz Moro. Foram mobilizados 18 estados e o Distrito Federal com cerca de 20 mil trabalhadores rurais Sem Terra que, além dos pontos de rodovias estaduais e federais, trancaram entradas de aeroportos, realizaram marchas e participaram de atos nas capitais brasileiras.
“Estamos em resistência contra a prisão do presidente Lula. A deliberação política das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo é essa. A mobilização no país todo foi vitoriosa. Temos disponibilidade de continuar a luta. O presidente está na casa dos trabalhadores, que é o sindicato”, afirmou João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST.
No Rio de Janeiro, a manifestação contra a prisão de Lula teve início na Candelária, no centro da cidade, e seguiu em caminhada até a Cinelândia, onde os manifestantes ocuparam escadarias da Câmara Municipal e do Theatro Municipal. De acordo com estimativas da Frente Brasil Popular, cerca de 30 mil pessoas participaram do ato.
Em Curitiba, os apoiadores do ex-presidente começaram a se concentrar na praça Santos Andrade, no centro da cidade. A manifestação pretendia se encaminhar para a Superintendência da Polícia Federal na capital paranaense, onde se esperava que Lula se entregasse às autoridades.
“Hoje, em Curitiba e no interior do Paraná, os trabalhadores estão se organizando e há várias rodovias bloqueadas em todas as regiões do estado. Também há indústrias que estão sendo paradas durante todo o dia. Os paranaenses, a região sul do país, está se organizando e mobilizando, e vamos fazer grandes mobilizações em defesa da democracia e contra essa ofensiva nazista, fascista do poder judiciário e da elite dominante desse país”, afirmou Roberto Baggio, militante do MST e membro da direção nacional da Via Campesina.
Próximos passos
Em depoimento exclusivo ao Brasil de Fato, o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, afirmou que diante da opção exercida por Lula, a Polícia Federal está "aguardando o momento próprio de fazer acatar a decisão do juiz Moro. Eu acredito que vão ter muito cuidado nisso, são pessoas experientes e não vão fazer nenhum ato impensado".
O ex-ministro acrescentou que o apoio popular recebido pelo ex-presidente "é um recado muito claro para o Judiciário". Para ele, o "ato de Moro foi à margem da legalidade. Sequer haviam sido comunicado oficialmente a decisão do Supremo Tribunal Federal. Nós estamos diante de uma atuação coordenada fora da lei de várias instâncias do Judiciário, que reflete a completa anulação da democracia e de um Judiciário que não presta contas a ninguém e faz sua politica por baixo das togas".
Aragão ainda lembra que o ministro do STF Marco Aurélio de Mello deverá colocar em discussão a questão da prisão após condenação em segunda instancia na próxima semana. "Se isso for votado pode haver uma modificação do cenário. Até lá, estamos nesse limbo jurídico e de toda a ilegalidade promovida pelo Sérgio Moro. Não há instância para recorrermos", completou.
Edição: Diego Sartorato