Era primeiro de abril de 1964. Não era exatamente o dia da mentira, embora muitas mentiras sobre esse dia tenham sido contadas. Os militares haviam deposto o presidente João Goulart na noite anterior. No primeiro de abril oficializavam o golpe impondo o terrorismo contra a população e as organizações de esquerda. Neste dia o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, foi deposto. Também neste dia a sede da UNE foi incendiada e o Centro Popular de Cultura do Rio de Janeiro destruído pela barbárie da classe dominante. Milhares de ativistas, professores, trabalhadores e quem mais pudesse representar vozes de descontentamento seria preso. O argumento para a deposição de João Goulart? Um suposto esquema de corrupção nunca comprovado. O motivo real? Jango havia se comprometido com as reformas de base, entre elas a reforma agrária.
O mês de abril inauguraria o período mais tenebroso da história brasileira. Sob comando dos militares, fundava-se um governo voltado para os interesses das grandes corporações nacionais e estrangeiras. Se antes o desenvolvimento poderia contar com o objetivo de alcançar direitos a toda a população, agora essa população era tutelada pelo braço armado do Estado, sem direito sequer a formular reivindicações sobre seu próprio país. Passaram-se décadas. Ainda não vencemos este período de nossa história.
O ano era 1996. Era abril novamente, mas a ditadura era considerada marca do nosso passado. Haviam eleições regulares, direito de ir e vir, liberdade de expressão e associação. Naquele mês, agricultores do Movimento Sem Terra faziam uma caminhada em direção à cidade de Belém para reivindicar acesso à terra e melhores condições de trabalho. No dia 17 foram bloqueados pela polícia em Eldorado dos Carajás. Mais de 150 policiais sem identificação, armados de fuzis com munição real, marcharam em direção aos trabalhadores desarmados. Dezenove trabalhadores foram mortos a queima roupa.
Não havia ditadura, mas reivindicar direitos ainda era crime. Pelo assassinato dos trabalhadores permanece a impunidade: mais de 20 anos depois apenas dois comandantes da operação foram condenados. A democracia que se consolidava era formal e para poucos. 50 depois do golpe militar, uma das militantes que lutaram contra a ditadura, que fora presa e torturada pelo regime, era eleita pela segunda vez Presidenta da República. Seus dois mandatos sucederam Lula, primeiro presidente operário, dirigente das greves do ABC paulista e da luta pelas Diretas Já. Dilma foi deposta por um novo golpe, agora articulado entre judiciário, monopólio da mídia e parlamento. O mesmo consórcio montado para a perseguição do líder operário. O argumento era, novamente, supostos processos de corrupção, sem comprovação.
Adentramos um novo abril. Os meses que o antecederam foram marcados por gigantes retrocessos nos direitos conquistados, pelo assassinato de lideranças populares e pela condenação sem provas do líder operário. Os donos do poder decidiram que ele precisa ser preso e que as vozes de descontentamento precisam ser novamente silenciadas. Isso porque Lula representa no imaginário popular o governo democrático onde mais se pôde conquistar direitos. É a principal contradição para os interesses que promoveram o golpe ontem e hoje: mesmo condenado segue liderando todas as pesquisas para a eleição presidencial. O povo, descontente com a enorme perda de direitos e desmonte do Estado, nunca contou com o judiciário e não confia em suas decisões como critério para decidir os rumos do país. Por isso não basta condenar sem provas, é necessário prender Lula, impedir que sua liderança dê corpo e objetivo ao descontentamento popular.
O novo abril não surge com menos violência contra os de baixo. O judiciário negou nesta última quarta (04) a liberdade à principal liderança popular do país. O fez sob ameaça das forças militares e da grande mídia. A democracia formal pode se manter, desde que excluída a maioria do povo, desde que tutelada pelo exército e constrangida pelo monopólio da mídia.
Contudo, se o mês de abril representa os fantasmas de um passado do qual não nos orgulhamos, representa também o que há de mais belo e forte no povo brasileiro. Afinal, depois de tantos golpes e de tanta violência da classe dominante, continuamos aqui, acreditando e lutando pelo sonho de um Brasil justo e soberano. Continuamos porque somos impulsionados pelos que lutaram antes de nós. A luta por democracia, para todos e para Lula, é o ponto de encontro com tantos meses de abril, encontro com gerações que derrotaram a ditadura, que marcharam em Eldorado, que conquistaram os direitos que ainda temos e tombaram para que pudéssemos continuar caminhando.
Edição: Monyse Ravenna