Dos oito países latino-americanos que terminarão 2018 com novos mandatários, o México é um dos que traz uma das situações mais complexas. A alta taxa de violência provocada pelos cartéis de drogas, a delinquência comum e os crimes de Estado juntos têm golpeado a qualidade de vida dos mexicanos é o cenário da atual disputa eleitoral.
Além disso, o crescente radicalismo político do seu vizinho do norte, com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, tem tido impacto direto na economia mexicana. A taxa de juros subiu, a economia desacelerou e a inflação vem subindo continuamente desde 2016. Tudo isso estará em jogo no dia 1º. de julho, quando os mexicanos irão às urnas definir quem será seu presidente pelos próximos seis anos.
O país está em campanha eleitoral desde o começo de abril e a disputa no México deverá ser decidida entre dois candidatos: o político, sociólogo e escritor de centro-esquerda Andrés Manuel López Obrador, da coalizão Juntos Faremos História, que lidera as pesquisas de intenção de voto com uma vantagem de dez pontos; e Ricardo Anaya, candidato da direita, do tradicional Partido de Ação Nacional (PAN).
Para entender melhor o contexto no qual acontecem essas eleições, o Brasil de Fato conversou com o jornalista e escritor mexicano Luis Hernández Navarro, coordenador da sessão de Opinião do jornal La Jornada. Entre os livros escritos por Navarro destacam-se: Chiapas: la guerra y la paz (1995), Sentido Contrario (2007), Crónicas de la resistencia magisterial (2009), Contra-reforma constitucional y desobediencia magisterial (2013 ) e seu último, Hermanos en Armas (2014).
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Quais são os principais candidatos à presidência dessas eleições?
Luis Hernández Navarro: São quatro candidatos, três homens e uma mulher. Quem lidera a corrida é Andrés Manuel López Obrador, candidato de uma coalizão em que está seu partido Movimento de Regeneração Nacional (Morena), além de uma legenda evangélica de extrema-direita, o Partido Encontro Social (PES), e uma organização de esquerda maoísta, que é o Partido do Trabalho (PT). O segundo bloco é também uma coalizão encabeçada pelo candidato Ricardo Anaya, do Partido Ação Nacional (PAN), de centro-direita, pelo Revolução Democrática, de centro-esquerda, e pelo Movimento Cidadão, que é de centro. O terceiro candidato é José Antonio Meade, um funcionário do governo que se apresenta como candidato sem partido, mas que conta com o apoio do Partido Revolucionário Institucional (PRI), do Partido Verde Ecologista Mexicano e do Partido Nova Aliança (Panal). Como candidata independente, está Maria Rita Zavala, esposa do ex-presidente Felipe Calderón, que é uma política que era ligada até pouco tempo atrás ao PAN.
O candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, lidera as pesquisas de intenção de votos. Qual é a origem política dele e como ele está localizado entre as diferentes frações da esquerda?
Andrés Manuel López Obrador é um personagem que surgiu nas fileiras do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Ele vem de Tabasco, um estado com intensa produção petroleira, localizado no sudeste do México. Protagonizou uma importante luta contra a sabotagem eleitoral e a devastação petroleira. Em 1996, foi nomeado dirigente do Partido Revolução Democrática. Também foi prefeito da Cidade do México, entre 2000 e 2005, e se candidatou à presidência da República em 2006, em 2012 e agora em 2018. Formalmente, é um político nacionalista, revolucionário, mas que se distanciou abertamente dos processos socialistas do século 21, como o chavismo venezuelano. Ele reivindica o retorno de um modelo econômico que o país viveu entre 1946 e 1970, conhecido como desenvolvimento estabilizador. Entre suas bandeiras também está a luta contra a corrupção. Ele sustenta que uma luta eficiente contra a corrupção daria ao país recursos suficientes para empreender um projeto de desenvolvimento independente.
Em outros anos, López Obrador liderou as pesquisas de intenção de voto durante as campanhas, mas não foi eleito. Você considera que ele tem chances reais de ganhar desta vez?
Ele lidera as pesquisas com dez pontos de diferença acima do segundo colocado, o direitista Ricardo Anaya. De fato, não é a primeira vez que isso acontece. Em 2006, López Obrador também liderava, mas ao cabo de um processo eleitoral bastante controverso, triunfou o candidato do partido de centro-direita, Felipe Calderón. Hoje sabemos que houve fraude. Portanto, existe a possibilidade de que algo assim volte a acontecer? A resposta é sim. A diferença dessa vez é que Andrés Manuel López Obrador moderou seu discurso. Não fez nenhuma declaração explícita contra o neoliberalismo e estabeleceu uma série de compromissos com forças empresariais e políticas conservadoras. O caso mais notável é com o partido evangélico Encontro Social, mas também existem alianças pontuais, como a estabelecida com o ex-presidente Ernesto Zedillo e conexões com personalidades ligadas à televisão.
Como é possível um candidato de esquerda ter como aliado um partido conservador de extrema-direita? Em que contexto se deu essa aliança?
Trata-se de um matrimônio eleitoral por conveniência. A aliança com López Obrador garante ao Partido Encontro Social (PES) a possibilidade de sua sobrevivência política e crescimento. E, para López Obrador, isso representa um compromisso pragmático que lhe permite somar pontos para a sua candidatura.
Muitos artigos acadêmicos e reportagens investigativas apontam que quase todos os partidos do México estão de alguma forma envolvidos com os cartéis. Como você vê essa situação?
Nós temos um narcoestado no México: o país é o terceiro maior produtor mundial de papoula, produz enormes quantidades de maconha e drogas sintéticas, além de ser uma rota de passagem obrigatória da cocaína produzida em países sul-americanos em direção aos Estados Unidos. A cada ano, cerca de US$ 70 bilhões de dólares provenientes das atividades do narcotráfico entram no circuito da economia formal. Essa grande quantidade de dinheiro, para entrar na economia, precisa estabelecer uma série de relações com empresários, políticos, militares, policiais, juízes e promotores, de modo que o crime organizado permeia partes muito importantes do Estado mexicano. Dessa maneira, não há dúvidas de que o narcotráfico também intervém nas campanhas eleitorais, financiando e promovendo candidatos, assim como gerando violência. O curioso é que a maioria dos candidatos não se posicionou sobre esse assunto.
Como esse cenário de violência pode influenciar as eleições?
O México vive uma situação de violência extrema, provocada pelo crime organizado, pela delinquência comum e pela intervenção dos atores armados estatais no conjunto da política. Trata-se do país da América Latina com maior quantidade de jornalistas assassinados. Um enorme contingente de ativistas e defensores dos direitos humanos foi executado. A situação da violência contra as mulheres é terrível. Além disso, foram muitos os políticos e funcionários públicos assassinados nos últimos meses. Não há dúvida de que essas eleições serão permeadas pela violência. A violência não é algo fantasioso ou secundário.
Qual o papel que os EUA, que têm como presidente uma figura como Donald Trump, poderão desempenhar nestas eleições?
Os Estados Unidos sempre interviram nos processos eleitorais mexicanos, de maneira direta ou indireta. Seus investidores do mercado financeiro, por exemplo, podem influenciar o rumo das eleições com declarações sobre o humor dos mercados. Os grandes fundos de investimento e as agências de classificação de risco estão muito cautelosas com essa eleição. Não tenho dúvida de que há um conchavo político entre os principais candidatos para que os grandes investidores não se assustem.
Nesse momento existe um ascensão da direita na América Latina. Você acha que isso pode contaminar o ambiente eleitoral no México?
Da mesma forma que a onda dos governos de esquerda não chegou no México, agora também a direita não impactará a correlação de forças no país. Esse refluxo da esquerda e da transformação social no continente, como os golpes de Estado suaves, como o do Brasil, não nos influenciam.
O que diferencia esse processo das eleições anteriores?
O que essa campanha eleitoral está nos mostrando é que no México existe uma grave crise de representação política. O país real não cabe em seu sistema de partidos. Há uma grande quantidade de mexicanos que não se sentem representados. A eleição não resolverá essa crise de representação, nem tampouco irá criar as condições para isso. Há quem tenha a esperança de que uma possível vitória de López Obrador abra a porta para um processo de reorganização popular. Veremos. Infelizmente, entendo que a natureza dos compromissos estabelecidos por ele com forças claramente reacionárias torna muito difícil que de sua campanha saia algo frutífero para a reorganização dos movimentos populares.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira