A viralização de notícias falsas, ou fake news, em inglês, é um dos grandes problemas dos últimos anos. A professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) e jornalista especializada em Comunicação Digital Pollyana Ferrari faz uma reflexão sobre os fenômenos das bolhas de informação e da rapidez com que informações falsas são compartilhadas sem checagem pelas redes sociais no livro "Como Sair das Bolhas", das editoras Educ e Armazém da Cultura, lançado na semana passada.
Para combater essa aceleração tecnológica, Pollyana propõe, em seu livro, uma relação diferente com o excesso de ruído e o silêncio como uma forma de existência. Ela recomenda o uso dos oito passos de Buda (compreensão, pensamento, fala, ação, esforço, atenção, concentração e modo de vida corretos) antes de compartilhar mensagens.
“Primeiramente, devemos reconhecer que as notícias falsas são, na verdade, uma variedade de desinformações que pode variar entre a correta utilização de dados manipulados, a utilização errada de dados verdadeiros, a incorreta utilização de dados falsos e outras combinações possíveis. A sociedade do fluxo informacional, a velocidade das redes sociais, dos aplicativos, tudo nos deixa inquietos, e a inquietude só causa prejuízos: compartilhamos o que não lemos, aceitamos a sedução como verdade, pois ela nos conforta no momento de angústia", diz trecho do livro.
Confira abaixo a entrevista com Pollyana Ferrari:
Brasil de Fato: Como sair das bolhas?
Polyanna Ferrari: Tendo uma postura de transitar, de perceber que o mundo é diferente, que as pessoas não são iguais. Eu falo no livro que a gente tem mais muros pichados e grafites do que varandas gourmets pasteurizadas, iguais. As pessoas se acostumaram nas redes sociais, se são de esquerda, não ter ninguém que pensa diferente, se são veganos, a mesma coisa. Foram limpando suas timelines e seus convívios nas redes e ficando só com quem pensa igual. E isso é muito ruim. O importante é cultivar democraticamente o debate público. Então, sair das bolhas é uma volta a você conseguir conviver.
Você acha que a tecnologia aumentou a propagação de fake news ou isso já existia antes?
É uma relação de escala. Sempre teve fake news. Eu relato no livro que Roma antiga tinha, mas não era nessa escala grande. Depois das redes sociais e todas essas plataformas do Google, muita gente ganhou voz. As pessoas com smartphone viraram mídia. Isso é muito bacana, mas ao mesmo tempo você tem muita gente propagando muita coisa e a checagem não fez parte dessa década. Não fomos treinados para checar. A eleição do [Donald] Trump [presidente dos Estados Unidos] mostrou para o jornalismo, para nós, um alerta de que era preciso checar as informações recebidas. As pessoas não foram educadas a checar, chega no Whatsapp e as pessoas acreditam. E não é só o jovem que propaga fake news. Então, na questão de escala, a tecnologia propaga muito mais do que antes dessas redes.
E como você acha que seria possível diminuir a propagação das fake news?
Não compartilhando e não curtindo. Primeiro, você checa, joga no Google, tenta ver a procedência do texto, qual a fonte, quando foi publicado, se é uma coisa velha, se a foto foi manipulada. E agora também temos vídeos fakes [falsos]. Então, a gente tem que aprender socialmente a checar. É fundamental ter as agências de checagem, bots e algoritmos de checagem, mas nunca vai ter fim. Vamos pensar em eleições, 140 milhões vão votar e temos três agências de checagem (Aos Fatos, Lupa e Pública), mesmo se tivesse 6.000 agências de checagem, não iam dar conta.
Como você avalia o trabalho dessas agências?
Eu comecei em 2016 essa minha pesquisa, comecei olhando os jornais primeiro e cheguei às agências. São iniciativas fora das grandes redações muito bem-vindas. Acho que avançamos muito com as agências, os códigos de ética, os grupos de checadores. Precisamos ter mais e vão surgir mais. Acho legal, mas sempre pensar na educação de quem dissemina, senão não vai ter fim. Quantas agências de checagem precisariam ter no mundo?
Tem uma discussão de tempo e silêncio no seu livro. Como aplicar isso nas redes?
Isso. Eu volto aos oito passos do Buda, técnica milenar, não numa ideia de doutrinar para religião, mas é sobre ser ético, respirar, pensar. Porque nessa velocidade que as pessoas compartilham, normalmente é porque não leem, tirando os que compartilham porque produziram e ganham dinheiro com isso. As pessoas leem só o título e passam pra frente. Os pensadores de psicologia cognitiva dizem que o cérebro precisa de três a cinco minutos, então se parar pra respirar e pensar e voltar à essa questão do silêncio, desligar o celular pra dormir. Parece dicas holísticas, mas faz todo sentido nessa pressa de compartilhar conteúdo que não está dando certo. Todo mundo virou colunista de tudo, todo mundo dá um palpite, o dedo está o tempo todo ali, as pessoas curtem até marca. A ideia do silêncio é isso, tanta evolução tecnológica e eticamente e moralmente estamos comprometidos. O Whatsapp é o maior propagador de mentiras e o grande perigo nessa eleição vai ser isso.
Sobre eleição, qual a análise que você faz desse cenário?
Fake news em ano de eleição é um perigo. Gostaria de dizer que, infelizmente, acho que vai ter muita barbárie. Até porque o brasileiro está falando sobre isso só agora em 2018. Teve a eleição do Trump, quando os grandes veículos como The Washington Post e BBC falaram disso, alertaram muito sobre esse perigo, mas acho que foi no caso da Marielle [Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em março] que a gente conseguiu ver a proporção, como é rápido o desserviço do MBL [Movimento Brasil Livre]. E vão continuar agindo. Então, como a gente faz? Primeiro, desconfie de tudo. Cheque, veja se o perfil existe, quem mandou, explica para seu tio, seu pai, mãe, que compartilha fake news, e respeite o outro. Tem que ser um eterno exercício, checagem de fatos tinha que estar na grade das escolas, os professores tinham que debater, aprender a checar é aprender a conviver e ouvir outras vozes, outras opiniões.
Edição: Diego Sartorato