Em 20 de maio, ocorrerão as eleições presidenciais na Venezuela. Isto parecia impensável, ou quase, há um ano, quando o país era uma sucessão de trincheiras, assaltos e chumbo, tendo por alvo o Palácio de Miraflores, sede do governo venezuelano. Era também impensável que o chavismo venceria três eleições – constituinte, municipais e governos estaduais –, e que o atual mandatário, Nicolás Maduro, teria diante de si como concorrente um pastor evangélico, Javier Bertucci, e um traidor recentemente derrotado nas urnas, Henry Falcón. A política não é matemática e a Venezuela não se encaixa em manuais.
A direita chega com uma superposição de derrotas, incapacidade estrutural e descrédito nas massas. Poucos creem em sua direção agrupada na Frente Ampla Venezuela Livre, na coalizão Sou Venezuela ou como peça solitária na campanha.
Os primeiros são o reagrupamento de pedaços rompidos da Mesa de Unidade Democrática (MUD), desde a Ação Democrática até o Primeiro Justiça e Vontade Popular, com a incorporação subordinada de partes do que foi denominado chavismo crítico, com a intenção de mostrar uma nova amplitude. Em público, sua plataforma é recuperar a democracia, realizar eleições justas. Em ambientes privados, apostam centralmente na estratégia golpista/intervencionista.
Os segundos, principalmente o partido denominado Vente, Venezuela (Bora, Venezuela!) e Antonio Ledezma, sustentam que não haverá solução possível através da via eleitoral. Esses dois agrupamentos não lançaram candidatos para as eleições de 20 de maio. Falcón decidiu aproveitar esse vazio para lançar-se como peça solitária – também ao vazio? – com sua proposta de dolarização da economia.
O quadro nacional e as misérias da oposição são importantes para entender por que o chavismo tem mais chances eleitorais. A direita não tem lideranças genuínas e alternativa de país, sua violência de 2017 voltou a pôr sobre a mesa quem de fato são.
O problema é que o centro de gravidade do conflito não reside na Venezuela. A análise dos caminhos da oposição permite entender uma parte menor do assunto. Suas decisões não são muitas vezes suas, em particular quando é financiada de maneira direta, como os 16 milhões de dólares que recentemente o governo norte-americano aprovou – esta é a parte que veio a público. O epicentro do conflito está na frente internacional, dirigida pelos Estados Unidos, com seus aliados da União Europeia, e os governos subordinados do continente. É aí que se planificam as táticas, a direção central dos ataques, a construção de seus cenários, atores, ângulos de tiro.
Assim como o enfrentamento extravasou o quadro nacional e tem centro de operações no exterior, também a lógica do conflito do inimigo abandonou o aspecto democrático – uma tendência em marcha no continente – e se encontra nos terrenos da guerra não convencional, buscando periodicamente desenlaces pela via que seja possível. As eleições presidenciais devem ser analisadas nesse quadro.
A aposta seguramente seria eleitoral caso houvesse com quê. Os Estados Unidos, ao lerem a debilidade da direita, optaram por esvaziar as eleições. Romperam a mesa de diálogo com o governo na República Dominicana no início do ano, apostaram em aumentar o bloqueio sobre a economia, de maneira articulada com seus aliados/subordinados, com a ameaça do embargo petroleiro, apostaram também em continuar o intento de isolamento diplomático, a demonização comunicacional mundial e em preparar novos assaltos em função de como evoluem as variáveis que impactam simultaneamente. Todas as possibilidades estão em desenvolvimento.
Retirar-se das eleições presidenciais não significa que não desenvolvam políticas para esse cenário. A estratégia do esvaziamento é a do não reconhecimento internacional dos resultados e o argumento da perda de legitimidade de origem do governo, já que estaria baseado em uma fraude. Isso abriria as portas a novas ações que seriam legais ao se caracterizar, agora sim, que estará à frente do governo uma ditadura. Esse posicionamento vem desenvolvendo-se desde o ano passado, com o ensaio fracassado do governo paralelo, do qual resta o ilegal Tribunal Supremo de Justiça – completamente desconhecido entre as pessoas na Venezuela – que, segundo a direita, seria o autêntico.
Não é uma casualidade que este tenha voltado a aparecer midiaticamente nestas semanas, de mãos dadas com a fugitiva ex-procuradora geral – que se fotografa com o ex-presidente colombiano direitista Álvaro Uribe – e a Assembleia Nacional em desacato, com a linha de julgamento do presidente para não reconhecê-lo – novamente – e, afirmam, destituí-lo. Trata-se de uma ação pensada para a frente externa: como pensam materializar isso no plano nacional?
Esta não é a única política perante as eleições: a outra é intentar atos de força para comover o país. O caso mais recente é a operação Gedeón II, onde foi desmantelada uma célula que preparava ações com explosivos sobre pontos nevrálgicos como o Conselho Nacional Eleitoral e o comando da Guarda Nacional Bolivariana, operação ligada com a trama de Oscar Pérez [ator e policial que morreu em janeiro após um suposto confronto com forças policiais] – apresentado como mártir pela mídia internacional – que em julho passado disparou sobre o Ministério das Relações Interiores, Justiça e Paz e lançou granadas sobre o Tribunal Supremo de Justiça. Não se trata somente de esvaziar, mas de chegar às eleições nas piores condições, impedi-las e, se realizadas, que sejam com a menor participação possível.
A pergunta é o que acontecerá depois de 20 de maio – com uma possível vitória de Maduro – além do recrudescimento das linhas de ataque em curso. Alguns indícios apareceram nestas semanas. Um deles é o intento de conspiração dentro da Força Armada Nacional Bolivariana, na qual foram presos seis tenentes-coronéis, um primeiro tenente e dois sargentos, pertencentes ao Movimento de Transição à Dignidade do Povo, com força no Batalhão Ayala, um dos principais do país, situado em Caracas. A aposta no formato clássico de golpe de Estado está presente, pois há quem o financie e quem o invoque – porta-vozes e meios de comunicação da direita.
Outra hipótese de resolução seria uma ação de força através das fronteiras, com a montagem de cenários de falsa bandeira, que abririam as portas a uma escalada, ou com o argumento da crise humanitária. O ex-prefeito de Caracas e membro da oposição, Antonio Ledezma, em linha com o deputado opositor Júlio Borges, implorava isto ao vice-presidente norte-americano em Lima, durante a Cúpula das Américas, neste mês, no mesmo dia dos bombardeios contra a Síria. Para saber a viabilidade disso é necessário indagar nos labirintos do poder colombiano, e avaliar até que ponto, junto aos Estados Unidos, estariam dispostos a desencadear um cenário com essas características, com desenlace incerto quanto ao tempo e aos resultados. Mas não há dúvida de que planificam também isto.
A pista mais forte parece estar no bloqueio econômico e nas consequências que este acarreta. O cerco aperta cada vez mais forte, nas sanções contra os que comerciam com a Venezuela, a ação central dos bancos, o contrabando massivo de cédulas de dinheiro – que recebeu um golpe recentemente com a operação Mãos de Papel –, os governos que se dobram à estratégia norte-americana.
O país tem uma matriz econômica dependente do comércio exterior, e dos cinco primeiros países dos quais importa, o primeiro são os Estados Unidos e três fazem parte do Grupo de Lima, quer dizer, o espaço de união dos governos de direita do continente contra a revolução diante dos fracassos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Um exemplo, os medicamentos: importam-se 34% dos Estados Unidos, 10% da Colômbia, 7% da Espanha, 5% da Itália, mais 5% do México, 3% do Brasil. O bloqueio impacta em cheio na população e este é o objetivo. As alianças com China, Rússia, o lançamento da criptomoeda Petro, são movimentos para romper o cerco.
O plano de colapso da economia – dito nesses termos pelos Estados Unidos – pode conduzir ao início da ação sob o guarda-chuvas da crise humanitária, ou desencadear reações populares violentas, espontâneas, de reflexo, como o de um afogado ante uma asfixia, que se sente por partes. Nenhuma das duas desembocaduras ocorreu até o momento, a segunda não é uma necessidade. A política, já se disse, não é matemática. A estratégia contra a Venezuela segue empacada no mesmo ponto: como conseguir o desenlace.
O que significa para o chavismo ganhar as eleições nesse contexto? Estabilizar-se no governo, ganhar tempo, não perder um poder político que seria utilizado como espaço desde o qual desencadear uma revanche histórica de portas abertas.
Enquanto isso, o cotidiano popular é de uma adversidade cada vez mais aguda: dificuldade para conseguir dinheiro vivo, deslocar-se, comprar os produtos que são vendidos a preços hiperinflacionários, conseguir medicamentos, viver sem comprar e revender algo de maneira especulativa ou conseguir dólares com algum familiar fora do país. No momento, parece que o país se detém pouco a pouco, por setores, sofre uma nova metamorfose nas subjetividades. É evidente que a tarefa central do governo, do chavismo como movimento, é a de estabilizar a economia. Como? Esta é a pergunta, a dificuldade, alimentada pela cumplicidade da corrupção que se instalou em áreas vitais como a indústria petroleira e nas importações, e que é combatida pela nova Procuradoria Geral.
O chavismo parece estar em condições de ganhar não somente pelas derrotas acumuladas da direita, mas porque chega de maneira unida, representa uma base de cerca de 30% da população, e é a força que, neste contexto, busca soluções – mesmo que paliativas – às dificuldades. A direita não está nos bairros populares, ali se encontra o chavismo, nas políticas de governo e/ou na organização popular nos conselhos comunitários, conselhos locais de abastecimento e produção, nos coletivos. O assunto foi e é de classe. O problema é que esse contexto material, somado a erros políticos de direções do chavismo próprios da velha política, não permitem pôr em movimento um espírito eleitoral no país: a campanha não emerge, não se sente nas ruas e falta um mês para a realização das eleições.
O aspecto central – salvo ação repentina de força – é, como muitas vezes ocorreu na Venezuela, o que virá depois das eleições, já que a guerra reorienta suas táticas segundo os resultados eleitorais, mas não se detém. Ali está não somente o centro de gravidade internacional mas também a forma como se abordarão os nós estratégicos econômicos e políticos. Sobre este ponto a revolução tem contradições expostas, como é o caso da terra, sua propriedade e produção, a pulsão entre avançar com a correção de erros ou restaurar. Um dilema que encerra debates estratégicos, não no plano abstrato, mas no das atuais circunstâncias de uma economia em guerra.
A Venezuela é uma necessidade continental. O que ocorre aqui impacta sobre o horizonte americano, seu retrocesso, estagnação ou avanço. Os Estados Unidos têm clareza disso. Votar em Maduro é uma lealdade necessária com nossa própria história, nossas possibilidades que estão por vir.
*Marco Teruggi é jornalista e poeta. Nasceu em Paris em 1984. Em 2003, chegou à Argentina, de onde é sua família. Formado em Sociologia em 2013. Desde o início de 2018 vive em Caracas.
Edição: La Tecl@ Eñe | Tradução: José Reinaldo Carvalho/Resistência