Militantes feministas realizaram atos políticos em São Paulo, Campinas (ambas em SP), Recife (PE) e Mossoró (RN) nesta terça-feira (24), em lembrança às vitimas do desabamento do prédio Rana Plaza, em Bangladesh, em 2013, e em denúncia à característica misógina do golpe de estado em curso no Brasil, que teve início com o impeachment da primeira mulher eleita presidenta no país, Dilma Rousseff. Os locais escolhidos para os protestos foram sedes da rede de lojas Riachuelo, cujo dono, Flavio Rocha, apoiou o golpe e é acusado de manter situações análogas à escravidão nas fábricas da marca, alem de precarizar o trabalho dos lojistas.
A ação faz parte das 24 horas de solidariedade feminista, organizada pelo movimento feminista popular Marcha Mundial das Mulheres. A ação acontece das 12h às 13h em todos os países onde a entidade está representada.
"Não tem como produzirmos o futuro do país a partir destas condições. Nós abolimos lá atrás a escravidão, mas agora figuras como o Flávio Rocha seguem mascarando este processo; eles colocam as pessoas pra trabalhar 20 horas por dia, pagam meio salário mínimo e acham que isso é modelo para o desenvolvimento econômico. Essa é a proposta do Flavio Rocha para o país. Por isso estamos aqui hoje denunciando este absurdo, dizendo que a terceirização do trabalho precariza as vidas e que este tipo de indústria da moda explora as mulheres", resumiu Fátima Sandalhel, da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo, durante ato realizado na avenida Paulista.
O desabamento do Rana Plaza, prédio onde mais de mil mulheres trabalhavam como tecelãs e costureiras de roupas, é considerado um dos piores acidente causado por falhas estruturais na história da engenharia moderna, deixando 1.134 vítimas (a maioria mulheres) e cerca de 2.500 feridos. No dia 12 de maio de 2013, os proprietários do prédio foram avisados que a estrutura do edifício apresentava rachaduras e não deveria seguir sendo utilizado para atividade fabril, mas coagiram as trabalhadoras a comparecer ao trabalho no dia seguinte.
Por volta das 9h do dia 13 de maio de 2013, o prédio colapsou sobre as cerca de 5 mil trabalhadoras que compunham o complexo, onde eram produzidas peças de roupas para lojas como Benetton, Bonmarché, the Children's Place, El Corte Inglés, Joe Fresh, Monsoon Accessorize, Mango, Matalan, Primark e Walmart.
A Riachuelo, de Flávio Rocha, é acusada de servir-se de sistema precarizado análogo ao utilizado em Bangladesh nas confecções da empresa, concentradas principalmente no Rio Grande do Norte. A Guararapes, empresa produtora de roupas cuja única cliente é a Riachuelo, subcontrata outras empresas têxtis que pagam salários menores e cobram jornadas maiores que a empresa, o que levou o Ministério do Trabalho a cobrar multa de R$ 37 milhões contra Guararapes e Riachuelo por tentar mascarar desrespeitos aos direitos trabalhistas.
A reação do empresário foi convocar ato contra a Justiça do Trabalho e a favor da reforma trabalhista proposta pelo governo de Michel Temer (MDB) com apoio do grupo reacionário Movimento Brasil Livre (MBL). Segundo reportagem do site Reporter Brasil, funcionárias da Riachuelo foram coagidas a comparecer aos atos, levadas em ônibus contratado pelos patrões. Após fazer ofensas contra a procuradora do trabalho responsável por seu caso no Twitter, Rocha também tornou-se réu em processo por coação, calúnia e injúria.
Rocha foi deputado federal por duas vezes, e tentou ser candidato a presidente em 1994 pelo extinto PL (Partido Liberal), mas teve a candidatura abandonada pelo partido após denúncias de irregularidades no levantamento de recursos para a campanha. Ele é atualmente filiado ao PRB.
Outro lado
Flávio Rocha nega que houvesse ilegalidade na relação entre a Riachuelo e suas subcontratadas. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, em janeiro deste ano, o empresário falou sobre as acusações. “Veio a autuação pesadíssima, sem que tivéssemos a afronta de uma lei sequer. Não tinha uma ilegalidade. A burocracia usou uma tese acadêmica e queriam que as folhas de pagamento das fábricas fossem absorvidas pela empresa mãe”, disse.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em 19 de setembro de 2017, Rocha negou também que tenha sido machista nas críticas à procuradora e voltou a questionar a atuação do Ministério Público do Trabalho. Ele e a Guararapes criticam a interpretação do órgão, que responsabiliza o conglomerado pelos problemas nas terceirizadas. O plano de expansão da loja, segundo o empresário, levaria à contratação de ainda mais fábricas terceirizadas, mas a “pressão policialesca” do Ministério Público do Trabalho diminuiu o ímpeto. Após a aprovação da lei da terceirização aprovada pelo Congresso no ano passado, Rocha diz acreditar que não há mais vácuo jurídico no caso, e que os procuradores estão apelando para "teorias" para acusá-lo.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria de imprensa da Riachuelo para solicitar o posicionamento da empresa e de Flavio Rocha em relação aos atos de hoje, e recebeu a nota abaixo como resposta:
"A Riachuelo é uma empresa com mais de 70 anos de história e que emprega mais de 40 mil pessoas em todo o Brasil – sendo esse o ativo mais valioso da companhia. Repudiamos veementemente todo e qualquer tipo de exploração ou precarização de trabalho e garantimos todos os direitos de nossos colaboradores, cumprindo sempre a legislação em vigor. Isso é demonstrado pelo fato de a Riachuelo ter sido premiada diversas vezes por importantes veículos de comunicação como Valor Carreira, revista Época e No Varejo por seu modelo de gestão de pessoas. Além disso, a Riachuelo atingiu índice de engajamento dos colaboradores de 86%, de acordo com pesquisa encomendada pela Riachuelo e realizada pela AON em 2017. A Riachuelo reitera ainda que repudia o ato de invasão da vitrine de sua loja da Avenida Paulista, em São Paulo, ocorrida hoje (24.04)."
Edição: Diego Sartorato