Na primeira tentativa frustrada de fechar um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal, em abril de 2017, o ex-ministro Antônio Palocci insinuou que poderia implicar figuras importantes do mercado financeiro e do setor das comunicações. Não funcionou. Depois de mais de um ano preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e já condenado a pouco mais de 12 anos de prisão, Palocci acertou os detalhes do acordo de delação premiada com a PF, anunciado na última quinta-feira (26).
Independente da veracidade dos fatos relatados pelo ex-ministro nos depoimentos, o método para forçar a colaboração é questionado por juristas e defensores dos Direitos Humanos. O advogado e diretor da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, Geraldo Magela Pessoa Tardelli compara as delações feitas sob prisão preventiva com a tortura.
“Eu considero a delação premiada obtida sob prisão preventiva a tortura psicológica. Quando se fala em tortura, costuma-se pensar apenas em tortura física. Mas a prisão é uma forma de tortura. O ser humano perder sua liberdade e ter a opção de terminar com o inferno da prisão delatando alguém é extremamente deplorável. Do ponto de vista dos Direitos Humanos, isso é absolutamente inaceitável. E não é porque é o Palocci. É quem quer que seja. Trata-se de uma distorção legal que tem sido feita no Brasil e que eu tenho certeza de que, no futuro, serão questionadas pelos historiadores”
Durante o julgamento do pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 12 de abril, o ministro Gilmar Mendes, endureceu a posição sobre o uso da prisão preventiva como forma de obter a delação. “O uso da prisão preventiva para obter delação não encontra guarida no texto constitucional brasileiro. Pode até encontrar guarida no texto 'constitucional de Curitiba'. Mas usar prisão provisória para obter delação é tortura”, afirmou Mendes. A preocupação foi compartilhada por outros ministros da corte, como Ricardo Lewandovki e Marco Aurélio Mello.
Segundo a chamada lei da delação premiada, os benefícios ao colaborador podem variar entre o perdão judicial, a redução da pena em até dois terços ou a substituição por penas restritivas de direito. A legislação prevê ainda que as declarações devem ser feitas de maneira voluntária e acompanhadas de provas materiais.
A ausência de provas ou mesmo a comprovação de que a colaboração tenha se dado sob pressão, ou seja, de maneira involuntária, deveria implicar na nulidade dos processos relacionados a ela. Mas Tardelli não acredita que a atual composição do STF reconhecerá a irregularidade.
“Com a atual composição do Supremo, eu duvido que seja reconhecida a nulidade. Mas no futuro isso será objeto de muita controvérsia, de muita discussão. Porque evidentemente não se trata de uma colaboração livre”.
Supostamente acusada pela delação de Palocci, a ex-presidenta Dilma Rousseff afirmou em nota que “a delação implorada do senhor Antônio Palocci tem um problema central. Não está sustentada em provas. E ele não as tem porque tais fatos jamais ocorreram”. A nota diz ainda que “no esforço desesperado de obter a liberdade, o senhor Antônio Palocci cria um relato que busca agradar aos investigadores, na esperança de que possam deixá-lo sair da prisão”.
Também em nota, a defesa de Lula rechaçou as supostas acusações feitas por Palocci contra o ex-presidente e afirmou que “ao longa da história delações forçadas foram recurso recorrente usado por regimes autoritários para forçar depoimentos de presos contra inimigos políticos do poder”.
Edição: Juca Guimarães