A notícia triste que rasgou a madrugada de 1° de maio de 2018, na capital paulista, anunciou um brutal incêndio num prédio de 24 andares na região central. Ali viviam cerca de 150 pessoas, que ocupavam o local, sendo boa parte delas imigrantes. As chamas consumiram rapidamente o prédio que desabou minutos depois.
Desde às 2h20 do Dia do Trabalhador, a cidade mais rica do país convive de forma trágica com as histórias destas pessoas, moradoras do prédio ocupado, a quem elas chamavam legitimamente de casa. Elas certamente não fazem parte de uma história isolada, ao contrário, integram um contingente que só cresce diante do agravamento da crise estrutural do capital que torna parte dos seres humanos completamente desprezíveis e supérfluos. Pessoas que se deparam com escolhas terríveis entre comer ou pagar o aluguel.
Algumas autoridades vociferantes já saíram na dianteira, afirmando que aquela era uma tragédia anunciada e que isso poderia ser evitado. O leitor de bom senso vai concluir que tais autoridades devem estar se referindo a políticas públicas de moradia popular, mas a realidade no estado de São Paulo tem mostrado um caminho totalmente oposto: as reintegrações de posse, urbanas e rurais, com seus despejos violentos por parte das polícias e mais nada.
Certamente iremos ouvir nas próximas horas uma ladainha da grande mídia, culpabilizando os próprios moradores que perderam absolutamente tudo, pela tragédia ocorrida, que em verdade é um crime mesmo, cometido por uma política excludente que gera desemprego, fome e miséria. Situação que só tem piorado nos duros anos de golpe que estamos vivendo, cujas medidas mais duras, são contra as trabalhadoras e os trabalhadores: liberação indeterminada da terceirização, ampliando processos de precarização do trabalho; reforma trabalhista que solapou direitos historicamente conquistados na luta; congelamento dos investimentos sociais por 20 anos; fim de políticas e programas sociais que afetam o acesso à moradia, à terra e à alimentação.
No prédio que desabou sobre vidas e histórias, uma cena chocante causa dor e indignação: no momento em que um homem era socorrido pelos bombeiros, o prédio em chama desaba e aquele corpo preso ao cabo de aço desaparece em meio à fumaça e à desgraça. Como não lembrar de Chico Buarque e sua obra musical “Construção”, que trata de uma realidade do trabalhador que está também impregnada naquele prédio, seja na sua construção, ou agora, na sua desconstrução trágica. “Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir. Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair...”
Invocar à divindade para agradecer à desgraça vivida, é mais que tudo uma forma de protesto e é exatamente assim que seguimos neste 1° de maio, nas ruas e nas lutas, nos processos possíveis de resistência que reafirmam nossa existência como sem terra, sem teto, desempregado e trabalhador.
Naquela madrugada, naquele prédio, certamente alguns amaram “... daquela vez como se fosse a última". A eles e a elas, nossa homenagem e reconhecimento. Aos sobreviventes que não caíram na avenida Rio Branco feito “... pacotes flácidos”, toda nossa solidariedade. Aos que observam o tráfego, nosso chamado a fazer da indignação, luta! E a construir nossas conquistas bem em cima da desconstrução em ruínas.
*Kelli Mafort é da direção Nacional do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST).
Edição: Cecília Figueiredo