No último dia 3, foi celebrado o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa. A data reforça o direito dos profissionais da mídia investigarem e publicarem informações de forma livre. No mês passado, a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras divulgou um ranking mundial sobre liberdade de imprensa. Esse ranking elencou ao todo 180 países.
O Brasil aparece 102ª posição, ou seja bem longe de ser um dos países com mais liberdade de imprensa. Além de apresentar as posições e critérios de avaliação, o ranking também faz comentários sobre os motivos que colocam o posicionamento de cada país. No caso do Brasil, há referências sobre a concentração de mídia no poder de poucas famílias e de influências delas no cenário político do país.
É nesse contexto sobre a comunicação brasileira que o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou Rosa Sampaio, que é jornalista, atua no Centro de Cultura Luiz Freire e integra o Fórum Pernambucano de Comunicação, o Fopecom. Confira alguns trechos da conversa:
Brasil de Fato: Como explicar o sistema de comunicação pública e como ele poderia ser organizado no Brasil?
Rosa Sampaio: Então, quando se tem um sistema público de comunicação, é um sistema que deveria ter nascido quando chegou a questão da TV e rádio no Brasil. É aquele sistema que vai trabalhar a comunicação e a informação para o interesse da sociedade, para interesse público. A gente teve a criação da EBC, Empresa Brasil de Comunicação em 2009, esse primeiro ensaio de comunicação pública no Brasil. Olha aí como a gente vem atrasado, se a gente pega a Inglaterra, por exemplo, que nasceu antes de qualquer sistema privado ou estatal a BBC de Londres que era voltada para a sociedade, e assim a Espanha e outros países da Europa. No Brasil, seguimos um modelo americano de pegar as concessões de rádio e TV, que são concessões públicas, que é o nosso ar, onde a gente transmite. Aquilo dali, como outros direitos, como saúde, educação, saúde, tudo isso é concessão pública que o Estado dá para que você explore como empresa privada. E no Brasil foi quando a radiodifusão chega, primeiro o rádio e depois a questão da TV no Brasil, que já foi dado para o mercado explorar. Não houve o mínimo de investimento em se ter um canal de rádio ou de TV que simbolizasse o interesse da sociedade, que fosse administrado pelo governo em termos financeiros, mas que tivesse na sua composição, na sua coordenação e seus conselhos a participação da sociedade.
Então, como explicar o funcionamento de uma mídia pública em termos de organização? Qual seria a diferença dela em relação a outros sistemas? Como exemplificar quem faz a mídia pública funcionar?
Tem um conselho, e esse conselho ser deliberativo, inclusive para discutir o conteúdo e a gestão, onde estejam lá representantes do poder e representantes da sociedade civil. Quando a gente olha para outras políticas públicas, isso já existe. Existe Conselho de Educação em nível nacional, estadual e municipal, Conselho de Saúde, Conselho de Assistência Social, tudo isso com esse modelo de participação que é um modelo democrático, nunca houve no Brasil. Houve esse ensaio a partir de 2009 com a criação da EBC, que é a TV Brasil, a Rádio Nacional, a Rádio MEC, a Agência Brasil de Comunicação e existiu esse conselho até o Golpe. O Golpe acontece em agosto e primeira coisa que cai com o Golpe é a EBC, é desmantelado seu conselho deliberativo, onde a sociedade civil participava e o que ele mais quer é que os concursados que estão lá peçam demissão voluntária dentro do Programa de Demissão Voluntária (PDV). Então ele realmente que desmontar a comunicação pública porque eles tem ideia da importância de ter uma comunicação pública. E o que é o sistema privado? O sistema privado é quando eu dou a concessão para vocês trabalhar em cima dessa concessão pública. Então eu lhe dou a concessão, o espaço no ar, para você transmitir seu canal de rádio ou TV. Essa rádio e TV são empresas privadas, mas que vão operar nessas concessões e que tem que obedecer regras. Como eu citei antes, como os hospitais privados tem que obedecer regras, as escolas privadas, as universidades, porque é regulado. No nosso caso, não existe a regulação, existem os artigos da Constituição, mas não existe regulação explicando como isso vai ser feito. E o sistema estatal, que é o veículo que vai dialogar, que os três poderes do Estado democrático vão dialogar com a sociedade. E aí temos o exemplo da TV Câmara, da TV Assembleia, da TV do Judiciário, da TV Senado, da TV Câmara dos Vereadores que todos os municípios tem esse diálogo dos três poderes com a população.
Porque essa pauta da comunicação pública ainda não entrou em debate na sociedade, como o direito à educação ou à saúde?
Acho que é porque na nossa formação esse tema nunca foi colocado como direito humano. Você enxerga melhor o direito humano à saúde, à educação, mas à comunicação não. E essa confusão de que direito à comunicação é só direito a ser informado, ela também minimiza o debate. Se eu estou recebendo informação, tá tudo ok, então você não questiona que tipo de comunicação você está recebendo, você não tem ideia de como essa narrativa foi construída. Eu costumo dizer que dentro da educação se deve ter uma proposta de educomunicação, você precisa formar as pessoas para a comunicação, para e pela comunicação. E quando você vê que não entende como um processo como a notícia chega no leitor final, no espectador ou no ouvinte, então você aceita a informação de bom grado, como se tivesse sendo bem informado e se direito fosse conquistado. Claro que isso tem um interesse. Esse debate não chega as massas por conta disso, porque não há interesse. Quem chega aos mais de cinco mil municípios do Brasil? As organizações Globo, que nunca vão fazer esse debate. Quando esse debate extrapola as câmeras da Globo, como já extrapolou por exemplo na Conferência de Comunicação em 2009, rapidamente a narrativa é de que censura e intervenção do Estado nas comunicações e que vai votar a ditadura, a ditadura inclusive que ela apoiou, que ela não se sentiu em nenhum momento tolhida, mas pelo contrário, se fortaleceu nesse período. O que a gente não quer é que dentro de um país que se diz democrático desde 1988 opere apenas o sistema privado de comunicação. Precisa existir um sistema público, um SUS da comunicação como eu gosto de comparar para que as pessoas sintam palpável o direito à comunicação.
Muitas vezes se criam uma imagem de que os meios de comunicação são espelhos fiéis da realidade, que não manipulam, que trazem apenas as informações. O que se destacar sobre essa questão da comunicação no Brasil?
Bem, é interessante primeiro a gente perceber como as verdades são muitas. Não existe uma única verdade, se eu partir inclusive desse princípio para a comunicação. E o que a gente tem no Brasil é apenas uma verdade sendo colocada como única e essa verdade ela vai ser trabalhada de acordo com o interesse de quem está a produzindo, relatando essa verdade. É o olhar de alguém. Eu costumo falar inclusive que não existe essa história de imparcialidade no jornalismo, na comunicação. O jornalismo e a comunicação são feitos por pessoas, quem é o dono da revista, do jornal, da TV ou da rádio é uma pessoa ou grupo de pessoas que tem seus interesses e jamais ele vai ser imparcial, porque não existe ser humano imparcial. Ele pode buscar a neutralidade, que às vezes as pessoas confundem muito a imparcialidade com a neutralidade. Se eu digo abertamente que eu sou um veículo de comunicação de esquerda eu tenho que em primeiro lugar, eu tenho que deixar isso claro no meu editorial. Segundo, para que as pessoas que me leem, que me escutam, que assistem o meu programa, eles saibam que é essa é a minha visão de mundo. Eu estou trazendo a visão de mundo que é de um pensamento socialista, de esquerda. Posso até buscar neutralidade nisso, ouvir os pontos de vista de direita, isso é saudável, isso não vai deixar de ser um veículo de esquerda porque eu abri para a neutralidade também. O que acontece no Brasil é que você vê a visão única sendo trabalhada sendo trabalhada, sendo editada para mostrar só um lado, o lado de um interesse, dos donos da mídia.
Edição: Monyse Ravena