A disputa ideológica sobre o futuro do foro privilegiado esconde um grave risco de aumento das acusações com fins políticos e pressão sobre o judiciário por setores de maior poder econômico e midiático, por exemplo.
De acordo com o advogado Rafael Serra, coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), o termo empregado popularmente nas discussões sobre a limitação do foro privilegiado como ferramenta para o combate à corrupção não é técnico, e que a discussão sobre o tema se dá mais “com o coração do que com a cabeça”.
“Foro privilegiado não é um nome técnico. É mais um uso de palavras para transmitir uma mensagem. Se for alguém com foro no STF, a pessoa não tem direito a nenhum recurso, como foi no caso do Mensalão. É preciso entender o que se critica no foro por prerrogativa de função. É a desconfiança em relação aos magistrados? Se uma pessoa vai ser julgada pelo STF e se pensa que o Supremo vai dar uma decisão mais favorável por influência política, então a crítica não deve ser ao foro, mas diretamente ao Supremo”, diz.
Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo, lembra que a questão dos recursos ganha ainda mais importância com a possibilidade de prisão em segunda instância com o fim do foro privilegiado.
“No sentido de garantias processuais, ele não é exatamente um privilégio na medida em que se perde o duplo grau de jurisdição em matéria fática. Ainda mais com a posição atual sobre a presunção de inocência, quando alguém é processado em Tribunal, mesmo que possa tentar um recurso, já terá que fazê-lo preso”, explica.
Badaró defende que o foro por prerrogativa, no Brasil, é “amplo demais”, cobrindo cargos que não necessitariam de tal medida, mas entende que o instituto é necessário em alguns casos e representa uma “dupla garantia”: “Para o acusado, pois há certas pessoas que, por conta de suas funções, estão mais sujeitas a acusações infundadas. Acusar um senador, um deputado, ainda que no final não fique provado, tem repercussões políticas. Mas é também um garantia para o Judiciário. Vimos casos recentes em que ministros do STF, que exercem o mais alto posto e com garantias reforçadas, foram alvo de pressões. Nós temos que imaginar que as pressões são muito mais intensas quando aplicadas a um juiz de primeiro grau”.
Em outras palavras, o foro por prerrogativa garantiria menos acusações judiciais com fins políticos e, ao mesmo tempo, o grau necessário de independência da Justiça. Badaró lembra que um dos principais problemas do funcionamento do foro é o vai-e-vem processual: ao perder, mudar, ou ganhar um cargo diferente, muda também o responsável pelo julgamento. Para ele, entretanto, esse não é um problema que exija o fim da medida.
“Este problema - que uns chamam de elevador, outros de gangorra - não é um problema inerente ao foro por prerrogativa, mas à forma como vinha se interpretando o foro. Para se evitar esse efeito, poderia ser estabelecido que quando a pessoa comete o crime, tendo o foro por prerrogativa, o processo começa no Tribunal e irá terminar lá, independentemente da pessoa deixar o cargo ou mudar de cargo”, finaliza.
Comissão
A Câmara dos Deputados instituiu nesta quarta-feira (9) uma Comissão Especial destinada a debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que restringe o chamado ‘foro privilegiado’. A medida já foi aprovada no Senado. O presidente e o relator serão Diego Garcia (Podemos-PR) e Efraim Filho (DEM-BA), respectivamente.
Enquanto durar a intervenção federal no Rio de Janeiro, entretanto, qualquer alteração no texto constitucional é impossível. A criação da Comissão, determinada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é vista como uma sinalização ao Supremo Tribunal Federal (STF), que recentemente restringiu a aplicação do foro por prerrogativa de função para os cargos de deputado e senador.
A PEC limita o foro por prerrogativa às presidências da República, do STF, e das casas legislativas, bem como ao vice-presidente do país. Em relação à decisão do Supremo, portanto, vários outros cargos perderiam o foro.
Efraim Filho chamou o instituto do foro de “arcaico e obsoleto”, responsável por transmitir a “impressão de impunidade”.
A Comissão Especial tem o prazo de 40 sessões para debater a questão e encerrar os trabalhos. Alguns partidos, porém, sequer indicaram integrantes para compor o colegiado.
Edição: Juca Guimarães