Foi no fim dos anos 70 que tudo começou. Impulsionado por denúncias de abuso em manicômios, alguns trabalhadores da saúde mental fundaram um grupo para discutir essas questões. Mas, assim como vários outros importantes seguimentos, a luta antimanicomial tem no período de redemocratização seus primeiros passos efetivos. Foi em 1987, em Bauru, que trabalhadores da saúde mental e usuários se reuniram para discutir uma lógica de enfrentamento ao adoecimento psíquico que não fosse pautada no encarceramento desses sujeitos. Desde então, o mês de maio é reconhecido como o mês da luta antimanicomial.
Em João Pessoa (PB), trabalhadores e usuários integrantes da frente paraibana da luta antimanicomial estão organizando durante todo o mês atividades para discutir a importância da pauta, em especial em tempos de golpe.
Fruto dessas lutas de mais de trinta anos é a estruturação de uma política nacional de saúde mental, com a reforma psiquiátrica de 2001, que retirou a centralidade do hospital psiquiátrico e trouxe uma série de serviços, chamados de serviços substitutivos que, desde 2011, compõem a rede de atenção psicossocial (RAPS) da qual fazem parte os Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS).
“Nesses últimos anos, esse movimento propôs um outro modelo de cuidado. A essência disso é o cuidado em liberdade. Se muitas pessoas ficaram segregadas em manicômios no Brasil, o que a luta antimanicomial traz é a possibilidade do cuidado em liberdade, entendendo essas pessoas como sujeitos de direitos, capazes e não vinculadas a periculosidade”, Explica Ludmila Cerqueira Correia, professora do curso de Direito da UFPB e coordenadora do grupo de pesquisa e extensão Loucura e Cidadania que integra a frente paraibana da luta antimanicomial.
“É preciso consolidar essas leis e trabalhar com a dimensão sócio-cultural, já que, ainda hoje, o que existe são manicômios mentais, ou seja, existe uma lógica de pensamento na sociedade de que o louco deve ser segregado, que é incapaz, que é perigoso e isso ainda está permeando a sociedade”, complementa a professora. A manutenção da luta não se refere apenas ao fechamento de manicômios e a possibilidade das pessoas com sofrimento psíquico terem também acesso aos direitos ofertados para todos os cidadãos, como o direito a circular pela cidade, ao lazer, a comunicação, a educação.
Porém, o que se tem percebido desde o golpe parlamentar de 2016 é um gritante retrocesso. “Em dezembro do ano passado uma portaria, a 3588 de 2017, trouxe de novo a figura do hospital psiquiátrico como o lugar de tratamento e com a duplicação do valor que é pago pelo Ministério da Saúde por cada internação. Isso faz com que os hospitais psiquiátricos deixem de ser a exceção para voltarem a ter uma centralidade nas políticas de saúde mental, na medida em que se coloca esses hospitais dentro da rede de atenção e ainda aumenta o valor da internação. No campo da política de saúde mental, podemos dizer que com esse governo ilegítimo nós retrocedemos ao período da indústria da loucura, onde várias clínicas psiquiátricas e hospitais internavam pessoas para lucrar em cima disso. Além disso, alimentar uma indústria farmacêutica. A lógica desse governo é de mercantilizar a saúde e não considerar a saúde como um direito”, denuncia Ludmila.
No último dia nove, ocorreu na Câmara dos vereadores de João Pessoa uma audiência pública sobre o descredenciamento do instituto de psiquiatria da Paraíba do SUS. O movimento defende o descredenciamento do local que hoje tem 140 pessoas privadas de liberdade e em condições desumanas. Na sexta-feira, 18 de maio, data que marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, será realizado um ato público no Busto de Tamandaré, na praia de Tambaú, em João Pessoa, a partir das quinze horas.
Edição: Tayguara Ribeiro