O ano de 2018 já está marcado por incertezas no campo econômico e principalmente político. Mesmo preso, Lula segue na preferência do eleitorado, de acordo com as últimas pesquisas divulgadas. A direita ainda patina no cenário, sem conseguir emplacar um nome forte para a disputa. Enquanto isso, setores da esquerda se reúnem em torno à discussão programática, de reversão do processo de destruição do estado, mas sem discutir a possibilidade de uma candidatura unitária.
Esses são alguns dos temas abordados pelo ex-presidente da Petrobras durante os governos Lula e Dilma (2005-2012), o economista baiano Sérgio Gabrielli, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. Confira:
Brasil de Fato: Qual a sua avaliação desse momento histórico que o Brasil vive com forte polarização na disputa política?
Sérgio Gabrielli: Eu acho que o que nós vivemos hoje é a explicitação de um estágio atual da luta de classes brasileira. Nós temos uma situação em que aquela fase em que foi possível que todos melhorassem, ou seja, que os de baixo melhorassem, mas que os de cima também, passou. Não temos mais a situação internacional que favoreça isso, não temos mais a capacidade ociosa que possibilite essa retomada sem precisar de mais reformas estruturais. Chegamos a um ponto em que, para continuar melhorando a vida dos de baixo, é preciso tirar um pouco dos de cima. Isso não quer dizer socialismo, ainda. Isso significa apenas que a luta de classes se explicita de uma forma mais clara. E para isso, vai haver conflito, o que vai exigir uma redefinição das forças políticas.
Como a esquerda, de forma unificada, está se preparando para enfrentar esse desafio de reconstruir o Brasil?
Nós tivemos um manifesto comum dos partidos, as fundações estão formulando diretrizes gerais. Eu acho que esse processo precisa se intensificar. Precisamos fazer uma discussão de contraponto ao programa que, na prática, está sendo implementado pela direita, ou seja, temos que dar alternativas para o país voltar a crescer, para reduzir a pobreza, para reduzir a desigualdade, para reassumir um papel de soberania nacional, alternativas para a reconstrução do estado brasileiro e ampliação da democracia, e não a redução dela.
De que modo essa posição comum da esquerda estaria refletido nas candidaturas, no processo eleitoral?
Nós temos objetivamente quatro candidaturas de centro-esquerda, talvez três de esquerda e uma de centro, mas temos quatro candidaturas. Isso é fato e temos que trabalhar com essa realidade. Então é preciso ter a capacidade política de viabilizar uma discussão programática para governar e até para, se caso perder a eleição, ser oposição, e viabilizar as eleições legitimamente com a presença de candidatos tanto a deputados, como governadores e presidente, comprometidos com esse programa. Se vamos ter uma candidatura única ou se vamos ter várias candidaturas no primeiro turno, é o processo que vai dizer. Não tenho uma posição a priori nesse momento. Acho que temos que manter a candidatura de Lula e trabalhar com a discussão programática.
Ou seja, o sr. defende a manutenção da candidatura de Lula?
Eu sou favorável da manutenção da candidatura do Lula. Não só porque o PT quer, mas porque o povo quer e as pesquisas mostram. Mais de 30% dos eleitores estão dizendo que querem votar no Lula. E se não for pra votar no Lula não sabem o que fazer.
O sr. afirma que temos quatro candidatos, um mais ao centro. Esse seria o Ciro?
Eu acho que o Ciro defende um programa desenvolvimentista, um programa em que a recuperação da indústria brasileira é um elemento importante, um programa que vai contra o rentismo selvagem que nós temos no Brasil e ele é o PDT, que é um partido popular, com representação popular. Nesse sentido, eu o considero parte do espectro da centro-esquerda. Acho que nesse momento isso está em disputa. A centro-direita está tentando polarizar, puxá-lo para o lado de lá, mas acho que não podemos empurrá-lo a uma posição mais à direita, ele tem que ser conquistado. Acho que uma discussão programática com ele, sobre o papel da indústria brasileira, sobre a capacidade do câmbio vir a estimular a indústria brasileira tem que ser feita e é uma área importante de ser trabalhada com o Ciro.
O sr. acredita que, caso a esquerda vença as eleições, terá força para enfrentar o rentismo e apontar novamente à redistribuição de renda no país?
Eu acho que nós temos que construir essa força. Acho que os governo Lula e Dilma não conseguiram de fato enfrentar essa questão de forma significativa. Em 2011, a Dilma tentou reduzir um pouco o rendimento do capital rentista, foi rapidamente derrotada, e essa questão para mim é hoje central em termos das finanças públicas. Nós temos uma disputa clara entre o pagamento de juros da dívida via emissão de novos títulos de dívida ou via transferências do Tesouro, mas o fato é que a dívida pública brasileira consome boa parte do orçamento brasileiro. Se nós não enfrentarmos esse problema nós não vamos conseguir enfrentar o desafio de retomar o crescimento com distribuição de renda. Precisamos continuar a luta para reduzir a desigualdade, para extinguir a pobreza absoluta no país, para expandir os serviços públicos a favor de quem mais necessita, e isso não é possível com tantos recursos sendo carreados para quem vive de renda no país.
E uma reforma tributária, ajudaria nesse processo?
É imprescindível uma reforma tributária que, de um lado, diminua o peso dos impostos indiretos, e de ouro lado, provoque uma maior progressividade no imposto direto. Não é justo que um trabalhador que ganhe cinco mil reais pague 27,5% de imposto de renda, e o irmão ou a irmã dele, que vive de dividendos, pague zero de imposto de renda. Isso não é justo! E quem ganha rendimentos sobre juros de capital próprio, que ganha rendimento financeiro, paga 15%. Nós precisamos rever esse tipo de tributação.
E como o sr. avalia a movimentação da direita nesse fase pré-eleitoral?
Eu acho que a direita tem um programa mais ou menos definido. De forma bem esquemática, ela tem o objetivo de manter a renda dos rentistas no Brasil, o que significa manter a independência do Banco Central, o que significa manter a política de juro real alto, apesar dos juros nominais terem caído, o que significa a não tributação sobre os ganhos financeiros, portanto, esse é um objetivo importante da direita. Um outro objetivo da direita é reduzir o custo do trabalho, o que significa que vão evitar o aumento do salário mínimo, evitar o aumento real do salário das diversas categorias, vão tentar desmontar o movimento sindical, vão tentar aumentar a precarização das relações de trabalho. Um terceiro objetivo é de subordinação do Brasil aos interesses dos centros dinâmicos internacionais, particularmente com a submissão na política energética brasileira aos interesses americanos, uma diminuição da política externa autônoma. E finalmente, para conseguir tudo isso, é preciso fazer uma redução do espaço democrático e da participação social. Esse conjunto de ideias ainda não tem candidato.
Geraldo Alkimin não seria esse candidato?
O Alkimin está tentando ser essa alternativa, só que ele não conseguiu se viabilizar eleitoralmente. Na verdade, nesse momento, ele é um candidato que não passa dos 10%. Ele é um candidato forte, sem dúvida nenhuma, mas fora de São Paulo ele não tem força nenhuma, porque o PSDB está desmontado nacionalmente, porque a direita, digamos, civilizada, está desmoralizada, e porque os programas que estão sendo implementados estão prescindindo da presença do Alkimin.
E a Marina Silva, estaria nesse mesmo espectro da centro-direita?
Eu acho que a Rede é um partido de centro-direita, não de centro-esquerda. Acho que a Marina, com uma ênfase demasiada, cada vez menor aliás, exclusivamente em relação à questão ambiental e uma aderência completa a valores conservadores da direita, ela não pode ser caracterizada como centro-esquerda. Acho que a Rede e a Marina estão disputando o apoio da direita.
O senhor acredita que, frente a possibilidade de derrota, a direita possa tentar inviabilizar as eleições?
Eu acho que vivemos uma crise geral. A direita pode querer inviabilizar as eleições. Se nós continuarmos com esse apoio popular claro, eles podem tentar adiar as eleições. E aí nós vamos agravar a crise e aprofundar a contradição, o conflito, e dificilmente teremos uma saída viável no curto prazo.
Edição: Juca Guimarães