Reforma Agrária

Ruralistas lucram quase R$ 1 bi com juros em processos de desapropriação de terras

Parado há 18 anos, STF retoma nesta quarta decisão sobre juros aplicados à processos de desapropriação de terras

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Mecanismo que será julgado consumiu um terço do orçamento do Incra em cinco anos.
Mecanismo que será julgado consumiu um terço do orçamento do Incra em cinco anos. - Reprodução

Depois de 18 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará nesta quarta-feira (15) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) relacionada à aplicação de juros compensatórios nas indenizações relativas a processos de desapropriação de terras por interesse social, incluindo as destinadas à reforma agrária. 

A Adin foi promovida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) conta a Medida Provisória (MP) 2027 de 2000, editada pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A MP instituiu juros de 6% ao ano sobre a diferença entre o valor oferecido pelo governo e o decidido pela Justiça caso haja contestação por parte do proprietário. O percentual recairia desde o momento da troca da posse até o pagamento final, em tese, para justificar as perdas do dono do imóvel.

A ação da OAB, entretanto, pedia um percentual de 12%, utilizando como justificativa a inflação. Como a entidade obteve uma liminar em 2001, desde então tem sido aplicado o percentual maior. O STF deve decidir qual dos dois percentuais deve ser aplicado. A decisão provisória também permitia que, caso o valor decidido judicialmente fosse o mesmo que o ofertado pelo Estado, os proprietários teriam direito a juros incidindo em até 20% do valor. 

Para Gerson Teixeira, ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária, dentro do escopo da decisão a ser tomada, seria importante que o menor percentual vencesse. O ideal, entretanto, seria o fim da aplicação dos juros compensatórios. Na sua visão, há uma contradição entre a ideia de “latifúndio improdutivo” e “receita” prejudicada. Além disso, com a inflação controlada, os percentuais aplicados representam ganhos em forma especulativa. 

“Conceitualmente, juros compensatórios dizem respeito ao lucro cessante.  Essa Medida Provisória fraudou inclusive esse conceito. Ele mudou, tirou lucro cessante e colocou receita. Você pode ter um latifúndio improdutivo de dez mil hectares com alguns canteiros de alface e aí vai ter uma receita. Com inflação a 4%  e juros a 6%, tem ganho real. Passando para 12%, é ainda mais. Dizem que reforma agrária é cara. É cara por conta disso. É uma mamata para os latifundiários”, critica. 

Gastos

Dados formulados pela Procuradoria do Incra e obtidos pelo Brasil de Fato comprovam a fala de Teixeira, apontando que, entre 2011 e 2016, o montante gasto com juros compensatórios foi de mais de R$ 970 milhões, o que representa quase um terço (28%) do orçamento executado pelo órgão no mesmo período. 

A reportagem entrou em contato com a atual gestão da OAB, mas não obteve retorno sobre o posicionamento da entidade sobre a questão. Segundo informações coletadas, a Advocacia-Geral da União (AGU) deve manter seu posicionamento pela constitucionalidade da MP, ou seja, se posicionará de forma favorável ao percentual de 6%.

Edição: Thalles Gomes