No mês de março, o governo golpista de Michel Temer (MDB) divulgou que a dívida pública brasileira aumentou 1,51%, ultrapassando os R$ 3,6 trilhões, segundo dados oficiais.
Os livros de economia ensinam que a dívida pública pode ser uma ferramenta positiva de impulso ao investimento público para a criação de empregos, realização de obras de infraestrutura, programas sociais relacionados à saúde, educação, etc. Mas no caso brasileiro, ela deixou há muito tempo de ser um mecanismo de investimento público e se tornou uma ferramenta de interesse do rentismo, como explica a auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fatorelli.
“Se pegarmos 2015, que foi o ano em que aprofundaram a crise, o estoque da dívida cresceu R$ 732 bilhões. Quando você olha o investimento daquele ano, foi menor que R$ 10 bilhões. E o que foi feito com todo esse recurso? Pagamento de juros”.
Ou seja, em vez de vender títulos do Tesouro para garantir recursos que seriam investidos em saúde, educação e infraestrutura, por exemplo, o governo tem emitido esses títulos unicamente para o pagamento dos juros da própria dívida. Segundo Maria Lúcia, essa prática contraria o artigo 167 da Constituição, que define critérios de transparência para realização deste tipo de operações financeiras.
Robin Hood às avessas
Para o economista e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Pedro Rossi, o problema não está no tamanho da dívida, mas na alta taxa de juros pagos aos credores. “O problema brasileiro é o juro da dívida pública, que é muito alto, gerando um efeito perverso, que eu chamo de efeito Robin Hood à brasileira, ou seja, retira o recurso da população para o pagamento de juros da dívida”.
A opinião é compartilhada por Márcio Pochmann, economista da fundação Perseu Abramo. “A prática de juros elevados termina fazendo com que tenhamos uma parcela do orçamento público destinada ao pagamento dos chamados rentistas. Ao redor de 6% de tudo o que o país produz, ou seja, do PIB [Produto Interno Bruto], são gastos de forma improdutiva, pagando juros da dívida”.
Pochmann destaca a semelhança entre a atual política econômica de favorecimento do rentismo com o período neoliberal da década de 1990, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002), quando a dívida pública chegou a superar o equivalente a 70% do PIB nacional.
“Há uma similitude em relação ao que ocorreu nos anos 90, especialmente durante o governo FHC, com o que nós passamos a conviver desde o golpe em 2016, que é justamente a retórica do combate ao gasto público, ao 'desperdício', ou seja, um problema de austeridade fiscal. Nós tivemos nos anos 90 não só as privatizações, a venda de ativos nacionais de arrecadação, como o aumento da carga tributária e por outro lado o corte nos gastos públicos”.
Nas mãos dos bancos
Maria Lúcia lembra ainda que, além de ser uma política perversa de transferência de renda por meio do pagamento de juros da dívida, ela tem sido usada como argumento para a tomada de medidas impopulares, como as privatizações ou a retirada de direitos.
“O que sempre esteve por trás dessa reforma da Previdência, por exemplo, é reduzir o volume de recursos destinados à seguridade social para sobrar mais para os juros. Isso é o que está por trás. A relação entre essa reforma e a dívida é direta. Essa também tem sido a justificativa para as privatizações. Tudo o que privatizamos o recurso é destinado à dívida pública”.
Mas afinal, quem ganha com a dívida contraída pelo governo? Maria Lúcia explica que os dados sobre credores da dívida são sigilosos no Brasil, o que fere o artigo 37 da Constituição Federal, que determina a transparência dos atos públicos. Mas, segundo ela, é possível identificar esses credores de acordo com os grupos econômicos aos quais pertencem.
“Sabemos, por exemplo, que os bancos detém quase a metade da dívida. Fundos de investimento e fundos de pensão nacionais e estrangeiros, cada um possui cerca de 18%. O Tesouro direto, que é aquele que qualquer um de nós podemos comprar, não é nem 1% dos detentores da dívida. Então a maioria está com os próprios bancos”, afirma.
Maria Lúcia defende que seja realizada uma auditoria cidadã que possa identificar as ilegalidades de títulos emitidos e discrepância entre o valor arrecadado e o pagamento de juros.
“Há 18 anos nós estamos divulgando esses dados da dívida, convocando a população a tomar conhecimento disso. Porque a única saída para que essa auditoria seja como nós queremos, que é realmente trazer à tona a verdade, a interpretação desses dados, é a participação popular de olho. A auditoria que nós queremos é uma auditoria cidadã, com participação popular. Por isso o nosso esforço para popularizar o conhecimento sobre essa questão”.
Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) a dívida pública do Brasil deve superar os 87% do PIB brasileiro em 2018, colocando o país em um dos patamares mais elevados de endividamento entre os países da América Latina.
Edição: Diego Sartorato