O Movimento pela Soberania Popular em Mineração (MAM) realiza, de sexta-feira (18) a domingo (21), em Parauapebas (PA), seu primeiro encontro nacional, com o objetivo de reunir trabalhadores e famílias afetadas pela mineração predatória praticada no país e discutir alternativas a um modelo que exporta toda a riqueza retirada do subsolo para fora do Brasil.
O MAM é um movimento presente em nove estados brasileiros, e que trabalha em sintonia com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras organizações populares do Brasil rural para prestar esclarecimentos e apoio às pessoas atingidas por uma indústria extremamente agressivo ao meio ambiente e também à saúde dos trabalhadores e moradores no entorno dos empreendimentos.
Além de tragédias de grande escala, como o rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 2015, a mineração no Brasil, em sua maior parte sob o controle de investidores estrangeiros, também pratica regimes de trabalho análogos à escravidão, deforma comunidades próximas à exploração do minério com uma urbanização parcial e insustentável, e remete todos os lucros de suas atividades para o estrangeiro.
Karina Martins, integrante do MAM, conversou com o Brasil de Fato para explicar as questões postas pelo MAM em sua atuação diária, e que serão debatidas com ativistas de todo o país durante o encontro do movimento.
"O Brasil tem uma construção histórica de exploração mineral que obedece, infelizmente, o mesmo mecanismo do Brasil colônia. A gente avançou no tempo, mas não na metodologia e no lugar do trabalhador nessa lógica. Então enquanto aquela mineradora está atuando naquele território, a cidade de grande porte que se aproxima desse empreendimento vive um certo desenvolvimento, cria-se a demanda com o fluxo de novos trabalhadores, mas o minério é finito. Quando acaba a exploração e a lucratividade, a cidade é abandonada e há um desmonte dessa cidade artificial. A população não participa dos grandes investimentos. As mazelas estão lá: desemprego, falta de saneamento, de escolarização, de hospitais, então há um abandono da cidade real. O que funciona são as demandas da mineradora, não da população", explica.
Confira a íntegra da entrevista:
Brasil de Fato – Conte mais para a gente sobre o encontro que vai acontecer no encontro do MAM em em Parauapebas.
Karina Martins – Primeiramente, a gente agradece este espaço para que a gente possa pautar a questão da mineração para a população do Brasil. O encontro do MAM a gente está organizando há bastante tempo, de projeção sobre o debate de mineração no Brasil, ou seja, tem esse caráter nacional, mas acontece na região de Parauapebas, onde se concentra o grande projeto mineral do país do Grande Carajás, que começa a ser implantado na década de 1970, no período da ditadura, e que tem o objetivo de produzir minério de ferro para exportação, com esse caráter espoliativo.
O encontro é uma grande festividade, de uma conquista da classe trabalhadora, de conseguir se organizar nacionalmente, então estamos aí com um conjunto de militantes de todo o território nacional, e lá estarão 800 militantes reunidos nesse período para discutir a pauta da mineração e a viabilidade de um projeto popular para a mineração, que de fato a população seja pertencente a esse projeto, que seja um projeto de soberania popular, para que possamos diminuir ou até mesmo frear a invasão do capital internacional no nosso território.
A lógica que temos visto é contrária a essa da soberania, né? O povo está quase sempre escamoteado nessa discussão, e inclusive na distribuição dos lucros da mineração.
O Brasil tem uma construção histórica cíclica de lógica de exploração mineral que obedece, infelizmente, o mesmo mecanismo do Brasil colônia. Há muitos e muitos anos atrás havia uma lógica de exploração de minérios de alta riqueza, como ouro e diamante, que vem nessa lógica de construção de um capital internacional no período colonial, ou seja, não era um investimento em desenvolvimento nacional, e sim para o desenvolvimento internacional, e esse novo ciclo do minério de ferro, cumprindo a mesma sina, ainda são os mesmos capitais internacionais que vêm e espoliam nosso território.
Mesmo falando de um momento histórico muito mais avançado, o mecanismo ainda é o antigo: o capital chega a um território socialmente inviabilizado, mas que tem uma grande riqueza no subsolo, fazer a lógica da exploração, fazendo um repasse de zero para o estado local e levando toda a lucratividade para o capital internacional, ficando aí as mazelas de exploração para a população. A gente avançou no tempo, mas não na metodologia e no lugar do trabalhador nessa lógica, com uso de trabalho análogo à escravidão, com turnos de trabalho que impedem a sociabilidade dos trabalhadores, então é um método arcaico. É como se a gente ainda criasse cidades fictícias para alimentar a lógica do capital.
Então enquanto aquela mineradora está atuando naquele território a cidade de grande porte que se aproxima desse empreendimento vive um certo desenvolvimento, cria-se a demanda com o fluxo de novos trabalhadores, mas o minério é finito. Então quando acaba a exploração e a lucratividade, a cidade é abandonada e há um desmonte dessa cidade artificial. A população não participa dos grandes investimentos. São territórios com PIBs muito grandes, grande lucratividade, muita concentração de riqueza, numericamente, em números absolutos, mas isso não se repassa à população.
Então mesmo uma empresa, como a Vale que levanta uma lucratividade de R$ 5,2 bi, mesmo com uma queda de 36% de sua lucratividade em comparação com o ano passado, é um número gigantesco se pensássemos em como investir esse capital no território, mas não é isso que acontece, as mazelas estão lá: desemprego, falta de saneamento, de escolarização, de hospitais, então há um abandono da cidade real. O que funciona são as demandas da mineradora, não da população.
Como fazer essa conscientização de que o trabalhador, embora empregado, está sendo prejudicado pela lógica de negócios da mineradora?
A tomada de consciência da classe trabalhadora é morosa, né? De fato, quando a gente fala da viabilidade econômica das famílias, é difícil os trabalhadores repararem que o processo é ilusório e passageiro, e as mineradoras entendem muito bem isso, porque elas trabalham no campo simbólico, oferecem um projeto maravilhoso no qual a solução dos problemas vai se dar pelo mercado. Mas isso é antes da implantação do projeto. Quando o projeto começa a ser implantado, a população local percebe, porque ela rapidamente deixa de participar. Ela enxerga que era só conversa, um mecanismo de convencimento para autorizar o empreendimento da sua localidade.
Até porque os melhores postos de trabalho não são ofertados pra população local. Quando a mineradora começa a operar, vem trabalhadores de fora, e os locais ficam com o trabalho pesado, vinculado com a construção civil. Então aí ela rapidamente consegue perceber a que projeto a mineração está vinculada, que não é da classe trabalhadora, é do capital internacional.
Então, ela parece difícil de ser feita inicialmente, mas quando o trabalhador é impactado ele começa seu processo de organização. O que vemos nos territórios é a população se organizando para a resistência e por uma nova forma de produção, mais justa e mais igualitária.
Para nós é um grande prazer receber todos e todas que estiverem na região, mesmo todos os que nunca tomaram essa pauta como prioridade de debate, portanto sintam-se convidados e convidadas para participar desse debate. Nós temos como grande objetivo no nosso encontro organizar nossa luta e nossa resistência por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios.
Edição: Diego Sartorato