CRIANÇA E ADOLESCENTE

Pelo fim do abuso sexual infantil: 45 anos de impunidade do caso Aracelli

O dia do assassinato de Araceli se transformou em símbolo do combate ao abuso e exploração de crianças e adolescentes

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Capa do livro Aracelli, meu amor, de José Louzeiro - Foto: Reprodução
Capa do livro Aracelli, meu amor, de José Louzeiro - Foto: Reprodução - Reprodução

Aracelli Cabrera Crespo, símbolo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, tem o seu nome manchado de sangue há 45 anos pela impunidade no Brasil.

Aos 8 anos de idade, em 18 de maio de 1973, a menina Aracelli foi estuprada e assassinada a dentadas pelos filhos da elite de Vitória (ES), Dante Michelini Jr. e Paulo Helal, mas, julgados foram absolvidos, protegidos pela polícia, Justiça, militares e governantes durante a ditadura.

Em 2000, o dia do assassinato de Araceli se transformou em símbolo do combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, mas os assassinos continuaram impunes. Até hoje. Nesta entrevista, o jornalista José Louzeiro, autor do romance reportagem Aracelli, meu amor, censurado na época pelo governo militar, denuncia os “intocáveis” de Vitória e se mantém fiel aos oprimidos, na reportagem, na literatura e na vida.

Brasil de Fato – O que significam esses 40 anos de impunidade no caso Araceli?

José Louzeiro – É, rico não vai preso.

Em seu livro Aracelli, meu amor, relançado neste ano, você explica que Dante Michelini Jr., o Dantinho, e Paulo Helal, o Paulinho, assassinaram Araceli, em uma festinha violenta do pessoal da motoca. As famílias Helal e Michelini eram traficantes de drogas?

Sim, elas eram donas do tráfico, da polícia, dos ônibus, dos aviões, do campo, da cidade, tudo.

Como você conseguiu fazer uma investigação tão minuciosa, chegando a tantas fontes para a elucidação do caso Araceli?

Eu passei uns dois anos colhendo material, devo ter ido umas 50 vezes escondido para Vitória. Eu fiz essa investigação com a ajuda do perito Asdrúbal de Lima Cabral, o Dudu, o repórter Jorge Elias, do jornal Última Hora e a fotógrafa, Ednalva Tavares, minha mulher na época.

Ao invés de ouvir as fontes oficiais, você procurou ouvir as pessoas do povo, nas ruas, na periferia de Vitória, na barbearia, na mercearia, no bar, porque eles tinham as informações que a polícia e os militares escondiam?

Eu nunca acreditei nas fontes oficiais. Sempre desconfiei. Eu ouvia todos nas ruas, porque eles sabiam o que estava acontecendo.

Você ouviu a cozinheira, a enfermeira, o motorista, a prostituta…

É, o funcionário do bar onde a menina foi metida na geladeira…

Você foi descobrindo as testemunhas silenciadas, como a namorada do Jorge Helal, a Marislei, e o motorista?

Sim, mas depois eles foram matando as testemunhas, como o Homero Dias, que trabalhava no serviço secreto da Polícia Militar, enviado para investigar o assassinato, e mataram também a namorada do Homero, que não tinha nada a ver com a história.

Então, mesmo sob a perseguição dos Michelini e Helal, você conseguiu as fontes para reconstituir o crime e apontar os assassinos, em Aracelli, meu amor?

O livro – eu tenho muito orgulho disso – é uma reportagem. Eu sempre tive a necessidade, não sei por quê, de me comprometer com a verdade, doa a quem doer, até a mim mesmo. Porque até perdi o emprego por causa disso. Então, cheguei aqui, nos primeiros 80 anos e no que puder ajudar para a memória de Araceli, pode contar comigo. Agora, eu vou lutar muito e peço a ajuda de vocês para fazermos o longa-metragem sobre o caso Aracelli e gostaria que fosse com o diretor Sérgio Rezende.

Na opinião do jurista Hélio Bicudo, embora já prescrito, o processo do caso Araceli poderia ser reaberto como crime hediondo. Você concorda com Bicudo?

Sim. Eu me coloco à disposição para dizer o que for possível em defesa dessa menina que passou por nós e foi tão cruelmente sacrificada. Ela foi morta a dentadas, por cachorros com formato de ser humano.

O governo Dilma deveria exigir a punição dos assassinos da brasileirinha símbolo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes?

Eu acho que o poder fez a nossa presidenta esquecer as torturas que ela sofreu. Eu imagino o que ela sofreu. Porque o lema da casa era o seguinte: entram agoniando e saem agoniados, num caixão, nem caixão…

Então, a justiça para a menina Araceli envolve a coragem de mexer no passado da ditadura, coisa que a Comissão da Verdade ainda não conseguiu?

Nós vivemos num país que tem dois donos: os ricos e os milicos.

Edição: Brasil de Fato