Esta sexta-feira, 18 de maio, marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial em todo o país. No entanto, para profissionais da área, retrocessos ameaçam três décadas de avanços na política de atendimento à Saúde Mental.
Com uma portaria interministerial publicada há cinco meses, em dezembro de 2017, o governo federal aprovou mudanças no setor. Com a publicação foi possível, por exemplo, o financiamento público de internações em comunidades terapêuticas — estabelecimentos que, para o Movimento da Luta Antimanicomial, reproduzem a lógica do manicômio.
A psicóloga Lumena Almeida Castro Furtado trabalha há mais de 20 anos com Saúde Pública e hoje assessora o Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo (Cosems-SP).
Ela afirma que o governo de Michel Temer (MDB) alterou um consenso que existia desde o fim da ditadura militar (1964-1985), independentemente do partido à frente do governo federal.
Os coordenadores de Saúde Mental dos governos de Fernando Collor a Dilma Rousseff — Eliane Maria Fleury, Domingos Alves, Alfredo Schechtman, Ana Maria Fernandes Pitta, Pedro Delgado, Roberto Tykanori e Leon Garcia — se posicionaram contra as alterações do governo federal.
“Essa portaria que foi publicada no final do ano passado pelo Ministério da Saúde recoloca hospícios, hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas no centro da rede de cuidados. É uma portaria que corta, absolutamente, todos os avanços que o Brasil fez nestes 30 anos”, avaliou a psicóloga.
Pela primeira vez, o governo federal passou a financiar as comunidades terapêuticas e, no mês passado, destinou R$ 87 milhões, por meio de um edital, para contratar 7 mil vagas para acolhimento nestes estabelecimentos.
Em 2017, uma inspeção nacional da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal e do Conselho Federal de Psicologia (CFP) denunciou irregularidades em comunidades terapêuticas em diversos estados, como trabalho forçado, inexistência de laudo médico, privação de liberdade e falta de acesso à escola para menores de idade.
Outra medida criticada pelos especialistas foi o aumento no valor pago por internação em hospitais psiquiátricos, que vai contra à desinstitucionalização do tratamento.
O Ministério da Saúde afirmou que a nova resolução amplia a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e que vai reforçar em R$ 320 milhões o seu orçamento, com ampliação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Já a verba aos hospitais, segundo a pasta, responde a uma demanda já existente. Ainda há 139 hospitais psiquiátricos no Brasil, que atendem cerca de 25 mil pacientes.
‘Psicose de massas’
O psiquiatra Vitor Pordeus, que coordenava o projeto Hotel da Loucura no Instituto Municipal Nise da Silveira, no Rio de Janeiro (RJ), atribuiu os retrocessos ao recrudescimento político. Para ele, o país atravessa um momento de “psicose de massas”.
“O que marca a loucura é a autodestruição. Então, quando a gente olha para a política do nosso país, nós estamos vendo um processo de autodestruição. Nós sabemos que a mortalidade infantil está crescendo, que o genocídio da população negra está crescendo, que o genocídio dos pobres está crescendo. O que que é isso senão um holocausto?”, questionou.
Pordeus foi exonerado de seu cargo em 2016, onde mantinha vivo o legado de Nise, reconhecida por revolucionar o tratamento da psiquiatria no país, no antigo Hospício Pedro II, mesmo local em que a psiquiatra alagoana trabalhou.
O projeto, que era mantido pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio, colocava pacientes de quadros graves para protagonizar peças de teatro. Em março deste ano, a doação de um espaço que vai garantir a reabertura do Hotel da Loucura na comunidade de Engenho de Dentro, com o nome de Clinica Teatro Therezinha Moraes mas sem verbas públicas.
Impactos
Seja com as mudanças na orientação da política nacional ou com o fechamento de projetos como Hotel da Loucura, no âmbito municipal, a população menos privilegiada economicamente é a mais afetada pelos retrocessos na área, afirma Pordeus: “Os pobres que recebem os diagnósticos mais graves, as piores evoluções clínicas. Isso é chamado de determinação socioeconômica da saúde”.
Para Lumena Almeida Castro Furtado, os efeitos do desmonte da política nacional de Saúde Pública têm efeitos mais graves em um contexto de desemprego, aumento da pobreza e da mortalidade infantil — o que, segundo ela, gera ainda mais sofrimento psíquico à população.
“Você tira isso em uma hora em que a população está provavelmente, a gente ainda não tem pesquisas que mostra isso em número absolutos, mas há uma sensação de mais insegurança, uma sensação que gera mais ansiedade e mais sofrimento psíquico. Então, é um agravante nesse processo de retrocessos que a gente tem nessa área.”
A Lei da Reforma Psiquiátrica de 2001, marco na luta antimanicomial no país, é elogiada internacionalmente e orienta que a abordagem de pessoas com transtornos mentais ocorra com a menor intervenção possível.
Edição: Juca Guimarães