É no mínimo perturbadora a divulgação de documentos secretos da agência de inteligência americana – CIA, sobre a execução de “subversivos” no Brasil. Isso é uma demonstração de que a ditadura no país não foi menos cruel que qualquer outra ocorrida na América Latina, sob a orientação ou mesmo comando dos Estados Unidos.
Segundo os documentos, Ernesto Geisel, novo presidente escolhido pelos militares (1974-1979), recebe o relato do Serviço Nacional de Informações (SNI) da execução sumária de 104 pessoas no Centro de Informações do Exército (CIE) durante o Governo Médici, ao tempo em que pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo Governo.
Em princípio, o relutante Geisel pede tempo para pensar. Passadas 24 horas, ele decide que a política de execução deve continuar, cabendo ao General Figueiredo, então chefe do SNI e que viria a ser presidente sucedendo ao Geisel, a aprovação de cada execução. Ou seja, os assassinatos da ditadura teriam que ser autorizados pelo Palácio do Planalto. O relato da CIA foi endereçado a Henry Kissinger, então secretário de Estado Americano que manteve a política intervencionista no novo governo.
Na época, o AI-5 tornara as funções do STF de coadjuvante da ditadura civil militar, uma vez que seu poder para defender garantias e direitos fundamentais era inteiramente limitado e o tribunal tornou-se um enfeite institucional, inteiramente subserviente ao poder, fechando os olhos aos assassinatos que continuaram acontecendo.
A ditadura de 64 se estendeu até 1985 com o fim do Governo Figueiredo, sem punição aos torturadores e sem que os organismos militares tivessem a obrigação de preservar a memória de tudo que ocorreu naquele tempo.
Foi necessário um intenso trabalho da Comissão da Verdade, criada por lei em 2011 para que se investigassem as graves violações de direitos humanos cometidas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, embora os torturadores e assassinos não tenham sido punidos.
Tudo isso nos remete ao golpe atual, em que vemos cada vez mais o país se submeter às regras do capital, entregando o patrimônio público aos rentistas internacionais e promovendo uma desorganização social na qual se fragiliza o trabalhador e se retoma um processo de exclusão social gritante que repõe ao estado de extrema pobreza mais de 1,5 milhão de pessoas.
Um golpe que privatiza a Petrobras por partes, propõe a entrega do setor elétrico a empresas estrangeiras, estabelece regras para o setor de saneamento, cria normas para maior concentração de terras, flexibiliza o controle de agrotóxicos, combate índios e quilombolas e criminaliza os movimentos sociais.
Neste quadro que vivenciamos, percebemos também a mesma influência dos Estados Unidos, que retomou a sua importância após o golpe e que estabelece formas de atuação em setores econômicos e políticos.
Enfim, da mesma forma que se estabeleceu a perseguição aos inimigos do regime em 1964, hoje também se persegue os inimigos atuais, prendendo e matando lideranças populares no campo e nas cidades, tendo o caso Marielle Franco sido a maior expressão dos últimos tempos, como também os massacres que vêm ocorrendo nos estados, sem que haja uma determinação precisa da apuração dos crimes.
Além disso, o sistema torna preso político o ex-presidente Lula, o maior presidente que o País já conheceu, sem que nenhuma prova contra ele tenha sido apresentada e para isso se conta com o silencio do Governo, a acusação do Ministério Público e a conivência do Judiciário.
A nossa preocupação é simples: não podemos deixar que estes fatos que estão ocorrendo hoje se mantenham ou se aprofundem e que as constatações fiquem para a história, com o simples arrependimento daqueles que tanto mal estão fazendo ao País.
*João Daniel é deputado federal do PT/SE
Edição: Thalles Gomes