A comunidade acadêmica e intelectual do Brasil vem demonstrando sua indignação, desde que no dia 11 de maio, a Polícia Federal e oficiais de Justiça foram ao campus da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, a fim de cumprir um mandado de reintegração de posse.
Os estudantes de graduação ocuparam a reitoria e reivindicavam diálogo com a mesma, após o aumento de 122% no preço das refeições do Restaurante Universitário. Não houve diálogo e o pró-reitor de administração registrou boletim de ocorrência, o que culminou com a entrada da Polícia Federal no campus. Felizmente, a saída foi pacífica e não houve feridos.
A reitoria da universidade, por sua vez, justifica a não negociação com os cinquenta estudantes presentes, em relato à comunidade, dizendo que “na pauta de reivindicações entregue pelos manifestantes de São Carlos não consta assinatura de entidade alguma. A pauta não menciona sua aprovação em assembleia de categoria, não indica nomes de manifestantes, apoiadores ou líderes. Não foi possível identificar uma liderança única do movimento”.
Tais teriam sido as causas que “dificultaram bastante a interlocução”, conforme a reitoria. Em que pese tal afirmação, no mandado judicial estão designados nominalmente sete alunos da universidade – os réus do processo – e os outros 43 ocupantes, qualificados como “UM GRUPO DE ESTUDANTES liderados pelos demais réus”. Causa espanto que para o diálogo não haja líderes, mas que haja nomes determinados ao momento de acusá-los perante a Justiça.
Desde os vexatórios acontecimentos protagonizados pela reitoria da UFSCar, professores, escritores, intelectuais e estudantes têm se manifestado através da imprensa e de redes sociais, repudiando com veemência a truculência com que a reitora, Wanda Hoffmann, e sua equipe de gestão conduziram o caso.
A preocupação é com a naturalização destas ações, que remetem aos piores tempos da história nacional. Nos depoimentos, principalmente, advoga-se pela defesa da democracia e da universidade pública brasileira como espaço plural, democrático e aberto aos anseios da sociedade.
Reproduzo abaixo alguns destes depoimentos:
A reitora da UFSCar, Wanda Hoffmann, resolveu aumentar em 122% o preço da refeição no restaurante universitário. Os estudantes, então, decidiram protestar e ocuparam o prédio. Até aí tudo normal, embora muito triste, porque sabemos bem que vários de nossos alunos passam fome sem esse subsídio. O que não é normal é uma reitora chamar a PF e deixar seus alunos serem fichados. Ninguém digno desse cargo faria uma coisa dessas. Regina Dalcastagnè, UnB.
A reitora da UFSCar quer reviver os tempos da ditadura nas universidades! Marcos Bagno, UnB.
Quando um reitor traz a Polícia Federal para transformar em criminosos estudantes que protestam de modo pacífico pelo preço do bandejão, deixa de ser reitor. A reitora da UFSCar abandonou, de fato, o cargo, para passar a ser cão de guarda do governo federal e seu "teto de gastos". E os professores que a apoiarem com pretextos como "ordem" ou invenções de "vandalismo" merecem um aumento de 122% na sua contribuição previdenciária, ou terem que pagar uma boa taxa de estacionamento no campus (proponho R$ 700,00 por mês, um 122% a mais do que a média de uma garagem), para sentir proporcionalmente do que se trata. Adrián Fanjul, USP.
Considero inaceitável o que aconteceu na Universidade de São Carlos, no interior de São Paulo. A repressão policial sobre alunos que se manifestavam de forma pacífica, no exercício dos seus direitos políticos, viu-se coartada de forma anti-democrática e violenta. Em Portugal, tal situação é considerada extremamente grave, pelo que manifesto o meu vivo repúdio e a minha indignação pelo ocorrido. O Brasil vive hoje um estado de excepção que não se assume como tal e que configura um quadro político que já honra os valores da sociedade democrática e justa, em que os seus cidadãos deveriam ter o direito a manifestar-se pacificamente sem que isso trouxesse estas lamentáveis consequências. Maria João Cantinho, Investigadora da Universidade de Lisboa, poeta e ensaísta.
Aumentam 122% o preço da refeição no bandejão universitário. Os estudantes ocupam a reitoria para forçar uma negociação e a reitora, sem qualquer gesto de diálogo, chama a polícia. Estado de exceção é isso: abuso e criminalização do protesto. Toda a solidariedade à comunidade universitária da UFSCar. Xoán Lagares, UFF.
Ausência completa de diálogo e bom senso. É urgente combater este tipo de postura. Meu apoio aos estudantes e colegas da UFSCar! Andrea Silva Ponte, UFPB.
Um aumento de 122% no preço da refeição. Estudantes que se mobilizam e ocupam a reitoria como forma de protesto, buscando negociar. Uma reitora que não se dispõe a ouvir, que não negocia e apela para as forças policiais... Uma gestora de instituição educativa que pune, que reage usando a força, transformando universitários em réus! Estamos indo por caminhos errados. Precisamos retornar ao nosso rumo! Elzimar Goettenauer Costa, UFMG.
Após aumentar em 122% o valor da refeição no Restaurante Universitário da UFSCar, os estudantes ocuparam o prédio da reitoria e, pasmem: a Polícia Federal foi acionada para retirar os estudantes!!! Negociar? Pelo visto, está fora de cogitação! Luciana Freitas, UFF.
É chocante o quanto o autoritarismo está virando norma, e o quanto as pessoas se apegam às normas para tomar decisões que atentam contra nossa humanidade. As pessoas falam em cortes, em resolver os dados da planilha. Esquecem que a planilha trata de pessoas. Os jovens que vêm da periferia estudar nas universidades públicas, em geral saem de casa perto de cinco da manhã (acordam, portanto, muito antes disso) e saem da universidade às 22h, para que possam estudar, participar de atividades, estudar na biblioteca, ter computador para trabalhar. Muitos comem apenas a refeição do RU, não têm como arcar com aumentos, mesmo que os cortes sejam primeiro nos menos carentes. Os servidores que têm sido desligados são também os mais vulneráveis, terceirizados/as muitas vezes arrimo de família. Marcia Marques, UnB.
Lamentável a “não-condução” da Reitora da UFSCar das negociações com os estudantes que protestavam pelo aumento do valor do preço do restaurante universitário. Graciela Foglia, UNIFESP.
Temos que resistir às investidas autoritárias do governo ilegítimo de Michel Temer contra as universidades públicas. Não podemos permitir que a lógica do ensino privado brasileiro e do mercado invada o ensino público. A ação autoritária da reitora da UFSCar, que reduziu a caso de polícia uma manifestação pacífica e legítima dos estudantes na busca de diálogo, no último dia 11/05, apenas reforça as investidas do governo federal contra as universidades públicas. Por isso, é crucial que defendamos com muita garrar a educação pública, a ampliação do acesso, o maior investimento em pesquisa. Isso é lutar pela consolidação de uma cultura de valorização da educação, como algo para a vida, para o desenvolvimento pleno dos indivíduos e da sociedade". Marcia Guedes Vieira, Uniceub.
O que está acontecendo na UFSCar é um exemplo das perversões que dão força aos planos de desmonte das universidades públicas. Criminalizar as reivindicações estudantis é uma das narrativas favoritas de um Estado de Exceção. Essa luta tem que ser de todxs nós! É preciso estar atentx e forte na defesa do ensino público! Maria Fernanda Gárbero, UFRRJ.
Total indignação contra a atitude da reitora da UFSCar que colocou a PF e a PM no campus solicitando reintegração de posse aos estudantes que ocupavam a reitoria contra o aumento do valor do Restaurante Universitário! Claudia Viana, USP.
A reitoria da UFSCar aumentou em 122% o preço da refeição no restaurante universitário. E criminalizou as tentativas de protesto estudantil. Chamou a PF e fichou aluno. É isso, o aluno tem que passar fome calado, caso contrário é fichado. Leonardo Davino, UERJ.
Fiquei muito chocado ao saber que a reitoria da UFSCar recorreu à polícia federal para retirar estudantes do prédio que ocupavam para protestar contra um aumento elevado no preço da alimentação e ainda estimulou a criminalização do movimento estudantil. Não me resta dúvida que o Brasil vive um de seus piores momentos em termos de repressão a qualquer direito ou ganho social. Mas espanta ver que autoridades acadêmicas colaborem com isso. Pessoas esclarecidas precisar resistir à opressão, nunca dar força para ela. Ricardo Lísias, escritor.
Temos tido lições diárias de opressão. Caem uma a uma as nossas (minhas?) ilusões de que alguma parte dessa experiência "democrática" dos anos 1980 para cá já havia se enraizado o suficiente para contrastar e, em alguma medida, acabar com as práticas violentas que caracterizaram a ditadura. Pelo contrário. A gente sabia que em instituições como o Exército, as polícias, as igrejas e os mercados, as reivindicações democráticas nunca tiveram muito espaço. Eram coisa de uma minoria normalmente silenciada. Mas temos assistido, todos os dias, à demonstração de que em todas as outras instituições, mesmo nas universidades públicas, as garras do fascismo só andavam um pouco tímidas, mas estavam apenas esperando a hora de voltar ao ataque. Só isso explica que alunos protestando contra o preço do bandeijão sejam tratados, a pedido da reitora, como bandidos e tenham que responder a processos criminais. Quando o Judiciário age de modo persecutório, quando o Ministério Público trabalha como advocacia de partido, quando a imprensa adere cinicamente à defesa do autoritarismo, quando grande parte da população pede a supressão de liberdades, entre tantos outros exemplos, temos que admitir que isso não aconteceu de um dia para o outro. Isso não voltou: sempre esteve aí. Por falta de atenção ou coragem, não víamos, não acusávamos, não combatíamos. Nosso silêncio, nossa cordialidade, nossas anistias cotidianas cobram agora seu preço. E ele é alto. Tarso de Melo, escritor.
UFSCar, onde tive a satisfação de dar cursos, palestras, oficinas, era progressista, contratava inclusive professores que haviam sido banidos pela USP. Tempos mudam, de modo estranho. Claudio Willer, escritor.
Brasil: uma universidade transformando protestos em questão policial. Alexandra Lucas Coelho, escritora e jornalista portuguesa
*Wilson Alves-Bezerra é professor doutor do Departamento de Letras da UFSCar.
Edição: Simone Freire