O cineasta e escritor argentino Carlos Pronzato ficou conhecido por seus documentários sobre a resistência popular na América Latina. São dele os filmes “1917, a greve geral”, “Revolta do Buzu” e o premiado “Madres de Plaza de Mayo, Memoria, Verdad, Justicia”, entre inúmeros outros. Agora, ele trabalha para resgatar a luta dos metalúrgicos de Contagem em abril de 1968, naquela que ficou conhecida como a primeira grande greve após o golpe militar. Em entrevista ao Brasil de Fato MG, Carlos afirma que aquela campanha marcou as lutas posteriores e contribuiu para a construção de um caminho que levaria, dez anos depois, à derrubada do regime militar pelos trabalhadores. O filme é uma produção independente e está levantando recursos.
O que o motivou a fazer um documentário sobre a greve?
Um dos focos primordiais do meu trabalho é o mundo social e, nele, o mundo do trabalho. Dois fatores contribuíram mais especificamente para a realização desta obra. O primeiro foi a efeméride incontornável do emblemático ano de 1968 e essa primeira experiência histórica nacional, a dos metalúrgicos mineiros, experiência bem sucedida de embate contra a ditadura civil-militar instalada apenas quatro anos antes. O outro ponto é que nosso trabalho anterior tinha sido sobre outra efeméride mundial, o famoso 1917, mas no contexto nacional, abordando a primeira greve geral do pais no documentário “1917, a Greve Geral”, ocorrida em São Paulo e estendida depois a diversos pontos do país. Portanto, há uma sequência interessante entre as duas obras, já que ambas as greves inauguram um processo de lutas no seio dos operários contra a imposição de um poder oligárquico e latifundiário que se estende até hoje.
Qual o significado dessa greve no conjunto das lutas sociais de 1968?
Se levarmos em conta que aquele período foi marcado inicialmente pelo levantamento estudantil, primeiramente na França e em seguida no resto do mundo, incluindo o Brasil e Minas Gerais, confrontando as estruturas de Poder, a irrupção do movimento operário e de trabalhadores, com toda a sua experiência prévia, contribuiu naquele momento para dar corpo a uma contundente resistência geral à ditadura. Houve uma aliança tácita e até organizada por diversas agrupações politicas atuantes antes, durante e depois da greve (incluindo a segunda, a de outubro) em conluio com os operários, o que acendeu nos gabinetes dos generais o pisca-pisca do alerta. A partir então, teriam que lidar com segmentos da sociedade que até o momento se restringiam aos estudantes. Lembremos a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto no restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro, duas semanas antes da deflagração da greve de abril em Contagem.
Quais foram as vitórias da greve?
Como um fato excludente e concreto, foi o 10% de aumento (abono na realidade) dado aos trabalhadores de Contagem primeiro e, em seguida, a todos os trabalhadores do pais. Ter arrancado isso de uma ditadura em pleno vigor não foi pouca coisa! A ida, a presença forçada pelas circunstancias e acirramento das tensões naqueles dias de abril, do Ministro de Trabalho, Jarbas Passarinho, ao epicentro da greve, constitui fato raro ainda hoje, o que dá a medida da importância daquele histórico levante operário. Também os quadros que entraram para a luta armada podem ser considerados outro aporte vitorioso dos trabalhadores aos estudantes e à classe média que oferecia, até então, as maiores vanguardas da resistência armada. Outra vitória é a demonstração do papel fundante dos operários para a resistência que viria depois (Osasco em julho) e a construção gradual e organizativa até a explosão dos movimentos grevistas do ABC paulista, no fim da década posterior. Portanto, a interrupção do movimento grevista naqueles anos, pela imposição infinitamente superior do poder (das armas) do Estado de Exceção, não constitui derrota, apenas uma acomodação natural dos atores nesse palco que ainda assistiria a outras tantas vitorias do movimento social.
O saldo principal é a pavimentação de um caminho de resistência e construção de poder popular. Sem as greves de Contagem e Osasco de 1968, não haveria o surgimento do novo sindicalismo da década de 70, que fez cambalear a ditadura nos anos 80 e que tanto peso teve na política nacional até os dias de hoje, culminando com um operário na presidência da República e a recente resposta do Golpe de novo tipo contra essa experiência. Sem esquecer nunca que tudo isto teve início nas lutas operarias de início do século XX, nos albores da industrialização.
Qual o significado daquela greve para o momento atual no Brasil?
Tivemos as comemorações dos 100 anos da primeira greve geral do Brasil, diga-se de passagem, num momento significativo de retrocessos sociais. Agora, em 2018, nas comemorações dos 50 anos do ano que não acabou, também acontecem num cenário em constante involução das conquistas sociais. Portanto, se pudermos extrair daquelas luminosas lutas operárias o vigor necessário para confrontar o calamitoso estado de desmonte do que até pouco tempo atrás foi conseguido, já terá sido um passo importante para a construção de uma contundente greve geral, ainda neste ano eleitoral, como homenagem àqueles que deram tudo para construir, na história do movimento operário, uma das suas páginas mais gloriosas.
Conte-nos um pouco mais sobre a produção do documentário e sua divulgação.
O documentário “1968: a Greve de Contagem, primeira greve durante a ditadura militar” começou seu percurso de pesquisa e produção em meados do ano passado, assim que terminamos e lançamos o documentário da greve de 1917. De início, não achamos muitos materiais de pesquisa, já que a historiografia do período atendeu com maior entusiasmo a greve posterior, ou seja, a de julho de Osasco, e não a de abril, em Contagem, talvez por se tratar de São Paulo e não de uma periferia.
Mas, aos poucos, fomos descobrindo importantes estudiosos do tema, como o professor Edgar Leite de Oliveira. Sua tese de Mestrado – “Conflito Social, Memoria e Experiência, as Greves dos Metalúrgicos de Contagem de 1968” – foi pedra angular da nossa investigação, assim como outros historiadores e fontes documentais. E a fundamental garimpagem dos atores que protagonizaram a greve, operárias e operários. Assim, tivemos acesso a Ênio Seabra, Imaculada Conceicao, Delcy Gonçalves e outras referências importantes.
Filmamos em fevereiro deste ano e, agora, estamos em processo de finalização e angariando recursos com organizações sociais e políticas e também particulares que apoiem um cinema independente de intervenção política, como o nosso, na tentativa de resgate da memória para impulsionar ações efetivas nos tumultuados dias de hoje, 50 anos depois de 1968. Para contribuir, basta entrar em contato pelo e-mail: [email protected].
Edição: Joana Tavares