A greve dos caminhoneiros e das outras categorias que têm aderido aos protestos contra a alta dos preços dos combustíveis mostra os problemas na decisão do atual governo em mudar a política de atuação da Petrobras.
Na avaliação da professora da Universidade de São Paulo (USP) Leda Paulani, “os grandes blocos de capital em torno do petróleo querem é que a gente exporte o petróleo bruto e importe em produtos finais que são o óleo diesel, o óleo combustível e a gasolina”.
Doutora em Teoria Econômica, ela avalia que “quando você importa o produto final, naturalmente, o seu preço fica atrelado ao preço internacional”.
Em entrevista à Rádio Brasil de Fato, ela explica que “se você possui capacidade interna de refino tem um mínimo de garantia, um colchão de segurança, para amenizar essas oscilações tão fortes como as que essas commodities têm. Como estamos com turbulências muito grandes geopolíticas e econômicas fora do país é natural que os preços oscilem. Agora você colocar 200 milhões de pessoas na dependência de dois e três preços que não são determinados pela nossa economia é uma irresponsabilidade", avalia. Acompanhe a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Um assunto que tem gerado, e é um dos causadores dessa crise é o fato de o Pedro Parente ter atrelado o mercado nacional ao mercado internacional. Podemos começar por aí, o que isso sugere?
Leda Paulani: Na realidade, antes disso, é preciso falar de uma outra coisa. O Brasil ele tinha…, tinha não, tem uma capacidade de refino de petróleo bastante importante que está ociosa, porque a política deste governo para a Petrobras é de que a gente exporte - que é o que eles querem, os grandes blocos de capital em torno do petróleo – em bruto e importe os produtos finais, que são o óleo diesel, óleo combustível e a gasolina.
Ao importar isso você, naturalmente, necessariamente, o seu preço fica atrelado ao preço internacional, porque são comodities. Então, se a Petrobras, para poder distribuir a gasolina, ela tem que comprar fora do país o preço vai ficar atrelado ao internacional. Não tem como desvincular uma coisa da outra.
O que está errado, portanto, é mudar a política….Fazer com que o País apenas produza o petróleo bruto, estamos regredindo, voltando pra trás em várias áreas na questão da indústria, e também nessa área em que o Brasil tinha avançado muito, por conta até da própria expertise da Petrobras.
Agora a gente volta pra trás e coloca um setor estratégico para o País, como nós estamos vendo – o País para – absolutamente nas mãos do mercado.
Se você tem capacidade interna de refino, você tem um mínimo de garantia, de um colchão de segurança, para amenizar essas oscilações tão fortes que essas comodities têm. Como a gente está com turbulências muito grandes também geopolíticas e econômicas fora do País, é natural que os preços oscilem.
Agora colocar 200 milhões de pessoas na dependência de dois ou três preços que não são determinados pela nossa economia, mas internacionalmente, é sim uma irresponsabilidade.
Queria que você comentasse um pouco…vendo a grande mídia, parece que essa crise é gerada por uma “ineficiência” da Petrobras. Os movimentos populares e a oposição ao governo o que estão dizendo é que é uma crise gerada. Não é uma ineficiência, mas sim uma gestão que visa o desmonte e a futura privatização da Petrobras. É possível dizer isso?
Não precisaria nem ter, dígamos, esse evento agora, nesse momento essa greve, tudo que isso está causando, para a gente poder afirmar isso. Acho que a própria [Operação] Lava Jato, hoje estão ficando cada vez mais claras as vinculações com interesses externos ao País, e é evidente que se se pretende, no médio prazo, privatizar a Petrobras quanto mais desvalorizada ela estiver tanto melhor, não? Esse ativo vai ficar muito barato e na hora de vender isso vai valer muito menos, sorte de quem comprar…E é um ativo valiosíssimo do ponto de vista real, independentemente do preço que ele alcance, em cada momento da conjuntura.
Então o que a Lava Jato fez foi destruir o valor de mercado da Petrobras, com tudo isso que aconteceu.
Sob o pretexto de punir a corrupção e etc, você destrói a principal empresa de um País. Todo mundo sabe que a Petrobras é responsável por 10% dos investimentos do País. Os investimentos do País já era muito baixo em relação ao produto, mas sempre a Petrobras teve um peso importante. Por que? Pelo seu tamanho, por todas as grandes estruturas que ela mobiliza na sua operação e também ainda pela descoberta do Pre-sal e tudo mais… Aí você dá uma cacetada nisso, com o álibi de reduzir a corrupção, e ninguém em sã consciência é a favor da corrupção, mas você não precisar destruir uma indústria, uma empresa tão importante, para combater a corrupção. Inclusive se a Lava Jato fosse, de fato, apenas uma operação contra a corrupção, existem mecanismos de preservar as instituições. Você pune pessoas físicas que têm culpa no cartório e preserva a instituição. Não foi o que foi feito no Brasil.
Então, esse episódio agora, eu acho que dizer que foi arquitetado, talvez seja teoria conspiratória demais, mas que muita gente está pegando carona agora. Inclusive, aqueles que pensam que intervenção militar é saída para o País. Não é esse episódio que estaria nessa chave de reduzir o valor da Petrobras. Isso vem de muito antes.
A Repórter Brasil publicou uma reportagem investigando um pouco as reuniões, o lobby que as grandes petroleiras internacionais fizeram com o Executivo, com o Temer e o Ministério de Minas e Indústria; e está havendo uma apropriação do Pré-sal e de outras partes da Petrobras, e no mesmo movimento há um discurso de ineficiência. Gostaria que você comentasse um pouco quais são os riscos para o povo em geral, de um avanço dessa privatização?
Como combustível é um insumo estratégico para qualquer economia. Como a gente está vendo agora, se há qualquer problema na distribuição do combustível você para o País em três dias. Portanto, ter uma empresa estatal poderosa e que tenha o mínimo controle, além das agências de regulação, é um elemento que nenhum país sério do mundo pode abrir mão. Assim como banco público. Moeda também é um insumo, dígamos, fundamental. Não é bem um insumo, é muito mais que isso, mas enfim, qualquer problema bancário com a moeda também paralisa o país imediatamente.
Essas coisas são coisas sobre as quais a sociedade como um todo, através do Estado, de empresas estatais, tem que ter o mínimo controle para não ficar refém do que acontece no mercado. O mercado tem os seus humores, tem seus vai-e-vens, seus ciclos, subidas e descidas de preços, de ativo, de fluxo, de rendimento, de tudo.
Então, o mínimo de salvaguardas para que um país inteiro não fique refém disto, dessa coisa aleatória [mercado], é algo que todo mundo deveria apoiar. Quem tiver o mínimo de amor ao país; eu não sou nacionalista, acho inclusive o nacionalismo algo perigoso, mas em determinados momentos um mínimo de nacionalismo nesse sentido. Salvaguardar, preservar os instrumentos que permitem comandar melhor o País e não causar tantos tumultos.
Na questão dos combustíveis propriamente o que se delineia, no médio prazo, é a continuidade de uma alta de preços, porque há uma questão geopolítica que está muito encrencada, enfim. Houve uma subida violenta dos preços dos petróleo a alguns anos, depois houve uma queda bastante forte e agora está havendo uma certa retomada, mas também por conta da questão geopolítica que se complicou internacionalmente. Então, a perspectiva é de continuar esse movimento subida de preços.
A questão da greve propriamente para a gente voltar, é que os caminhoneiros estavam pedindo desde o início é que mudasse a política. Mudasse a política de atrelamento imediato – que é o que a Petrobras vem fazendo - do preço do combustível ao preço internacional. Eles querem estabilidade. Não importa se mais alto ou mais baixo, mas um mínimo de estabilidade. O que está corretíssimo, perfeitamente compreensível que estejam pedindo isso.
Só que eu duvido que…pelo menos o Pedro Parente vá fazer essa mudança, a visão dele é que o mercado deve comandar. Acho que essa greve tá muito longe de ter sido resolvida.
De qualquer forma, com isso ou sem isso, você abrir mão de ter uma empresa estatal sobre a qual você tenha controle e que possa, justamente, nos momentos de alta de preço internacional, mesmo que você mantenha atrelado, você ter um colchão interno, uma salvaguarda para minorar os efeitos desses problemas dentro do país, é um despautério…
A Petrobras é uma joia, o mundo inteiro quer a Petrobras, aí o governo brasileiro dá de bandeja para o primeiro que aparecer.
Sobre as medidas que o governo está apresentando para sair da crise, talvez a principal delas é, talvez a principal, que é zerar os impostos federais sobre os combustíveis, que a oposição já está criticando. Isso pode ter algum impacto real nesta crise? Isso pode ter outras externalidades sobre a economia do Brasil em geral?
De imediato a gente tem uma redução, porque se você tira o tributo de dentro do preço, terá uma redução do preço do combustível, mas eu acho que não é uma solução permanente, porque a questão deles é de reduzir o preço, mas não é fundamentalmente esta. Eles querem que a política de preços se altere e, é lógico, que mais uma vez você vai retirar impostos que sustentam setores importantes, como o setor de saúde, por exemplo. As políticas sociais já tem teto de gastos e uma série de outros constrangimentos e ainda você vai ainda reduzir os tributos que podem financiar políticas sociais.
Então, há um efeito negativo e que não compensa esse pequeno ganho que teria no preço. E, segundo, esta não é a principal questão.
A principal questão que eu entendi de tudo que li é que eles não querem mais ficar nessa gangorra, principalmente os autônomos, eles fecham uma carga, por exemplo, com alguém daqui [São Paulo] até Natal e põe um xis de combustível que vão gastar e cobram por isso, e aí quando forem encher o tanque pra voltar vão pagar 50% a mais. Não dá. Esse atrelamento é o problema. Eles queriam a mudança da política de preços da Petrobras, que eu acho que dificilmente esse governo que está aí não vai ceder, então acho que essa tensão ficará um bom tempo. E só retirar o tributo trará outras consequências que talvez não compense.
Edição: Juca Guimarães