Criminalização

Agricultor relata criminalização de quem luta pela agroecologia no Paraná

Fala de Gelson Luis de Paula aconteceu durante debate da 17ª Jornada da Agroecologia

Curitiba (PR) |
Gelson e outros dois integrantes da Associação dos Grupos de Agricultura Ecológica São Francisco de Assis foram presos sem provas
Gelson e outros dois integrantes da Associação dos Grupos de Agricultura Ecológica São Francisco de Assis foram presos sem provas - Franciele Petry Schramm

Aplaudido de pé, o agricultor Gelson Luis de Paula contou, de forma emocionada, o processo de criminalização que sofreu pela sua defesa em favor de uma agricultura saudável.  O relato foi feito durante a Conferência ‘O golpe na democracia e nos direitos’, nesta quinta-feira (7), como parte da programação da 17ª Jornada de Agroecologia do Paraná, realizada em Curitiba.

Em 2013, Gelson ficou preso na Polícia Federal da capital paranaense durante 48 dias, acusado de irregularidades no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), um programa federal de incentivo à agricultura familiar. O agricultor foi um dos três integrantes da Associação dos Grupos de Agricultura Ecológica São Francisco de Assis, na cidade de Irati-PR, a ser preso injustamente na Operação Agrofantasma, da Polícia Federal, sob ordem do juiz Sérgio Moro. 

O processo teve fim apenas no início de 2017, quando todas as pessoas acusadas de irregularidades foram absolvidas pela falta de fundamentos, uma vez que as irregularidades apontadas eram, na verdade, obstáculos burocráticos. Apesar da sentença que confirmou a inocência dos agricultores, Gelson destaca que é difícil remediar todos os prejuízos causados pela prisão.  “O estrago na nossa vida foi muito forte: na nossa autoestima, moral”.

Para ele, as prisões foram uma forma de enfraquecer a política pública de distribuição de alimentos agroecológicos. “Nossa associação que estava no auge da caminhada com 130 famílias produzindo e entregando alimento, praticamente terminou. Agora são poucos agricultores, porque muitos têm medo de voltar”, conta. 

O advogado Diorlei Santos, que acompanhou o processo de Gelson, destacou o papel do Poder Judiciário no caso, utilizado, segundo ele, para enfraquecer políticas públicas. O ataque à líderes de comunidades e de movimentos sociais seriam uma das formas de enfraquecer todo o processo de mobilização e de articulação desses grupos. “Esse processo de criminalização visa inibir as pessoas que ousam, fazer das políticas públicas um mecanismo de inserção com a sociedade”. 

Ataques à democracia e aos direitos

Vice presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenador da organização Terra de Direitos, Darci Frigo apontou durante a conferência que a história a história de resistência de agricultores como Gelson é um dos sentidos da realização da Jornada de Agroecologia do Paraná. “Agroecologia é luta não só da porteira pra dentro, mas nas ruas, nas praças, porque em todos os lugares deve ser feito a disputa por um outro projeto de agricultura”.

Frigo também destacou que o ataque às lutas sociais ganhou novo patamar após o golpe político ocorrido no Brasil e 2016. “Se antes a criminalização era contra lideranças ou contra movimentos sociais, agora ele ataca quem está no poder central e tem a legitimidade do voto popular. Ela ataca o coração da democracia”, avalia.

Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Vera Karam pontuou que o golpe sofrido pela presidenta Dilma Rousseff foi uma das tentativas de “aniquilar situações de desacordo e de conflito, características de um processo democrático”.  

Para Frigo, o resultado disso pode ser observado na repressão de protestos populares contrários às medidas tomadas pelo atual governo. “Eu vejo que nesse momento que estão desconstruindo o direito à manifestação, para impedir que a gente lute pelos outros direitos essenciais a nossa vida”. Exemplo disso foi observado na violência contra 200 mil manifestantes em Brasília no dia 24 de maio de 2017, que protestavam contra as reformas propostas pelo governo. Mais de 50 pessoas ficaram feridas

O papel do Judiciário

Frigo também questionou durante a conferência a atuação do Judiciário em um cenário de ataques aos direitos. “É um poder racista, classista e misógino, que não está voltado para a garantia dos direitos das pessoas mais fragilizadas”, avaliou, e citou como exemplo o encarceramento da população negra. Dados divulgados pelo Ministério da Justiça revelam que 64% das pessoas presas no Brasil são negras. 

Para Frigo, esse número revela que atuação do judiciário está muito ligada à sua formação: quase 85% dos magistrados no país são brancos. Além disso, é um dos poderes que custa, todos os anos, 70 bilhões de reais aos cofres públicos, através de altos salários e benefícios como auxílio-moradia. “O judiciário não está voltado para essas pessoas, mas para seus privilégios”, aponta. 

A proposta de alteração na Lei anti-terrorismo que pode acentuar ainda mais a criminalização dos movimentos sociais também foi denunciada na Conferência. Se aprovada a alteração nessa lei, movimentos de luta por moradia e pela terra como o MTST e o MST poderão ser enquadrados como terroristas.

Edição: Júlia Rohden