A construção, pela mídia, do mito da Petrobras financeiramente quebrada, as consequências do alinhamento da estatal aos interesses do mercado e, principalmente, dos Estados Unidos, e a greve dos caminhoneiros foram alguns dos temas debatidos no seminário "O mito da Petrobras quebrada, política de preços e suas consequências para o Brasil" na noite desta terça-feira (5).
Promovido pela Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) e pelo Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, o evento teve a participação do economista aposentado da estatal Cláudio Oliveira, do presidente da Aepet, Felipe Coutinho, e do especialista em minas e energia e engenharia do petróleo Paulo César Ribeiro Lima.
"A Petrobras não tem nem nunca teve problema financeiro", enfatizou Oliveira em sua exposição. Enquanto os saldos de caixa das norte-americanas Chevron e Exxon, por exemplo, estão caindo (são de US$ 4,81 bilhões e US$ 3,20 bilhões, respectivamente, em 2017) o da Petrobras, embora também em curva descendente, estava em US$ 22,52 bilhões no mesmo ano.
"Eles dizem que vendem ativos para saldar dívida. Com 22 bilhões de dólares em caixa, essa é a empresa que eles dizem que está quebrada?", questionou. Para o economista, dizer que a estatal tem uma dívida impagável serve "só para justificar a venda de ativos e desmonte da Petrobras".
O presidente da Aepet fez uma exposição dividida entre uma abordagem econômica e política. O mito de Petrobras quebrada graças a subsídios, corrupção e maus investimentos, disse, embasou toda a política desenvolvida a partir da posse de Michel Temer e a política de preços que desencadeou a greve dos caminhoneiros. "Os números têm que ser discutidos fora da mitologia da mídia. As impressões vão construindo o senso comum com interesses claros contra a Petrobras e antinacionais, coerentes com os meios de comunicação."
A política de alinhamento aos preços do mercado internacional viabilizou a importação por parte de concorrentes, principalmente dos Estados Unidos, segundo ele. "Ganham os produtores norte-americanos, os importadores, e perdem os consumidores, a Petrobras, porque perde mercado, a União e os Estados."
A política implementada pelo ex-presidente da Petrobras Pedro Parente é baseada no princípio "The America first", ironizou Coutinho, em alusão ao bordão utilizado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante sua campanha eleitoral em 2016, quando prometeu, se eleito, voltar o governo aos interesses de seu país.
"O aumento relativo dos preços da Petrobras viabiliza a importação de derivados por seus concorrentes que ocupam o mercado da estatal, que fica com suas refinarias ociosas."
Segundo Coutinho, em 2015, o Brasil importou 2,5 milhões de toneladas (Mt) de diesel dos EUA, o que representou 41% do total e US$ 1,4 bilhão. Em 2017, a importação subiu para 8,9 Mt de diesel e US$ 4,5 bilhões. De 2015 a 2017, o diesel americano quase dobrou sua participação, de 41% para 80,4% do total importado pelo Brasil.
Paulo Cesar Ribeiro Lima foi aplaudido ao dizer que "o pré-sal tinha que ser monopólio". Considerando que o Brasil é rico em petróleo, mão de obra e tecnologia, "a crise é fabricação de mentes doentias", afirmou.
Segundo ele, na gestão Parente, o brasileiro pagou 40% mais caro no preço do diesel do que o consumidor americano, sem considerar os impostos. "É realmente inacreditável." "É até possível fazer uma politica de direita bem feita. Mas essa é mal feita", avaliou. De acordo com ele, a sistemática que permitia aumentos até diários dos combustíveis é o emblema da política mal feita.
Para Coutinho, com a solução encontrada pelo governo Temer contra a crise, subsidiando a diminuição do preço do diesel via impostos regressivos, os importadores saem diretamente beneficiados. A Petrobras deveria arbitrar preços justos compatíveis com seus custos, beneficiando o consumidor, defendeu. Com isso, a estatal recuperaria o mercado perdido e os preços mais baixos favoreceriam o consumidor, gerando mais caixa à Petrobras.
Em sua exposição, Felipe Coutinho enumerou uma série de "fatos relevantes" que, cronologicamente, mostrariam a relação entre o golpe que derrubou Dilma Rousseff e a política da gestão Parente na Petrobras em benefício dos Estados Unidos.
Entre eles, o treinamento de agentes judiciais brasileiros nos Estados Unidos, revelado por documento interno do governo norte-americano e vazado pelo WikiLeaks. Teriam participado promotores e juízes federais dos 26 estados brasileiros e 50 policiais federais de todo o país.
Esses fatos se sucederam, segundo ele, da seguinte maneira:
1 – Anúncio da descoberta do pré-sal, em 2006 (ainda no governo Lula)
2 – Primeira extração do pré-sal, no campo de Tupi, atual Lula (novembro de 2017)
3 – Roubo de notebooks e HDs da Petrobras (janeiro de 2008)
4 – Reativação da Quarta Frota dos EUA (abril de 2008)
5 – Governo anuncia projeto de regime de partilha do pré-sal (agosto de 2009)
6 – EUA treinam agentes judiciais brasileiros (outubro de 2009)
7 – Reunião de executiva da Chevron (Patricia Pradal) no consulado dos EUA sobre a reversão da Lei da Partilha (dezembro de 2009)
8 – Protestos de junho de 2013
9 – Brasil e Petrobras são alvos de espionagem dos EUA (2013)
10 – Operação Lava Jato e "cooperação internacional" (março de 2014)
11 – Golpe do impeachment de Dilma Rousseff (maio de 2016)
12 – Temer assume agenda das multinacionais do petróleo (a partir da maio de 2016)
13 – Nova política de preços da Petrobras, exportação de petróleo cru, importação de derivados e ociosidade do refino no Brasil (desde outubro de 2016)
14 – "Parcerias estratégicas", o novo codinome da privatização dos ativos da Petrobras (desde 2016)
15 – Pagamento de US$ 2,95 bilhões aos acionistas da Petrobras nos EUA (janeiro de 2018)
16 – Pré-sal representa mais de 50% da produção brasileira de petróleo (2018)
Edição: Rede Brasil Atual