A Copa do Mundo 2018 começa na próxima quinta-feira (14). Além da cobertura esportiva tradicional, o Mundial costuma trazer à tona debates sobre a cultura, a política e a economia dos países-sede.
Quando se trata da Rússia, um dos temas de maior repercussão no Ocidente é a restrição de direitos da população LGBT. A reportagem do Brasil de Fato recebeu várias sugestões de reportagem sobre o assunto e se propôs a fazer um balanço dos avanços e recuos dos últimos anos.
Histórico
Manter uma relação homoafetiva não é considerado crime na Rússia desde 1993. Mas pouco se avançou desde então. Pautas como o casamento gay nunca emplacaram no Legislativo, e pesquisas de opinião pública demonstram que há cada vez menos tolerância por parte dos russos.
Em 1998, conforme o Instituto Levada, cerca de 54% da população russa considerava que as relações homossexuais eram “sempre erradas”. Dez anos depois, a porcentagem subiu para 64%. A pesquisa foi repetida em dezembro de 2017, e o número chegou a 69%.
O mesmo levantamento, no final do ano passado, demonstrou que apenas 8% dos russos disseram não ver nenhum problema nos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Símbolos
Em junho de 2013, o presidente Vladimir Putin promulgou uma lei que vetava a “propaganda gay” em todo o território nacional. Ou seja, bandeiras e símbolos LGBT são proibidos em locais públicos –assim como a divulgação ou exibição de qualquer imagem que remeta a uma relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo.
O argumento que respaldou a aprovação da lei é a “proteção” das crianças e adolescentes, que supostamente seriam estimuladas a experimentar relações “não tradicionais”.
No Mundial de Atletismo de 2013, disputado na Rússia, atletas estrangeiros se posicionaram contra as proibições. No caso mais conhecido, duas competidoras suecas pintaram as unhas com as cores do arco-íris para chamar a atenção para possíveis violações à liberdade de expressão no país-sede. Os protestos, boicotes e provocações se repetiram nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, mas não houve nenhuma mudança de postura por parte de Putin.
A proibição dos símbolos causou polêmica no Ocidente, mas não foi objeto de discórdia dentro do país. Nove a cada dez russos foram favoráveis à aprovação da lei, segundo o Centro de Estudos Russo de Pesquisa da Opinião Pública.
Na prática
“A gente não demonstra quase nenhum afeto nas ruas porque têm medo de ter alguma retaliação”, afirma o estudante brasileiro Leandro Cassius, que percebe olhares incômodos em locais públicos. Ele mora na capital Moscou desde 2014 e namora um cidadão russo há mais de um ano.
Andrei, o companheiro de Leandro, nunca conversou com os pais sobre sua orientação sexual porque tem receio de uma reação explosiva.
A família de Andrei frequenta a Igreja Ortodoxa Russa, e Leandro considera que existe relação entre religiosidade e intolerância no país da Copa: “Os pais dele são contra o Putin, mas acham que as palavras do Patriarca Russo [Cirilo I de Moscou, liderança correspondente ao Papa para os católicos] devem ser seguidas ao pé da letra”, relata.
“Em Moscou, especialmente a população mais jovem não liga muito para religião. Quando você vai mais para o interior da Rússia, especialmente a região da Chechênia ou do Tatarstão, as leis são muito mais agressivas e o comportamento também”.
A postura de Putin em relação à população LGBT é estratégica do ponto de vista da aproximação com setores conservadores da sociedade russa. Mais da metade dos eleitores são ortodoxos, e o presidente foi reeleito em 2018 com 76,7% dos votos.
Campos de concentração
A Rússia está dividida em 83 partes, com seis níveis diferentes de autonomia. Algumas funcionam como os estados brasileiros; outras têm legislação própria, como nos Estados Unidos.
A República da Chechênia, citada por Leandro, é de maioria muçulmana e registra as ocorrências mais expressivas de violência contra a população LGBT nos últimos anos.
Conforme denúncia do jornal Novaya Gazeta em abril de 2017, centenas de homossexuais foram enviados para campos de concentração no interior do país para serem espancados e eletrocutados. Pelo menos quatro não resistiram às torturas e morreram.
“Os gays estavam sendo mandados para esses campos de concentração. Estavam sendo presos, basicamente, por serem gays”, acrescenta Leandro. “Inclusive, houve alguns depoimentos polêmicos de líderes da região, que disseram que as famílias deveriam fazer assassinatos de honra, para limpar e preservar a honra das famílias”.
Um dos porta-vozes do chefe de estado da Chechênia, Ramzan Kadyrov, negou a existência de campos de concentração e afirmou que os poucos homossexuais que havia na região provavelmente já haviam sido mortos pelas próprias famílias.
Dilema
Há pelo menos cinco anos, a Federação Internacional de Futebol (FIFA) tem sido pressionada a tomar atitudes drásticas contra a homofobia. Durante as Eliminatórias para a Copa 2018, foram aplicadas multas no valor de R$ 4,3 milhões às seleções cujas torcidas tiveram comportamento inadequado ou discriminatório nos estádios. Só a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) desembolsou R$ 340 mil. Na Copa das Confederações de 2017, a única seleção punida foi a do México.
Questionada sobre possíveis conflitos com a legislação russa, os dirigentes da FIFA garantiram que os símbolos LGBT estão liberados durante as 64 partidas da Copa 2018. O Comitê Organizador Local (COL) confirmou que ninguém será reprimido por esse motivo, mas abriu um precedente importante: se as bandeiras de arco-íris estiverem acompanhadas de mensagens textuais, será avaliado “caso a caso”.
Será que a FIFA e o COL vão se sobrepor à legislação do país-sede? Qual regra vai valer dentro dos estádios?
Acompanhe a cobertura completa do Brasil de Fato sobre a Copa 2018 e não perca nenhum detalhe sobre o que é notícia dentro e fora dos gramados.
Edição: Diego Sartorato