Trabalhadoras de confecções asiáticas que fornecem produtos para três marcas internacionais – a gigante do varejo Walmart e as empresas de “moda rápida” H&M e Gap – enfrentam um cotidiano marcado pela violência de gênero. A afirmação é de uma nova pesquisa da Aliança da Ásia por Salário Mínimo (Asia Floor Wage Alliance – AFWA) conduzida entre janeiro e maio de 2018 e lançada na forma de três relatórios, um sobre cada corporação.
Os documentos da AFWA, produzidos em colaboração com outras organizações de direitos trabalhistas, registram a rotina de violências – do abuso verbal ao assédio sexual e a agressão física – enfrentadas por mulheres que trabalham na cadeia de suprimento das três empresas.
As confecções asiáticas empregam um contingente imenso de mulheres pobres com contratos de trabalho de pouca qualificação, baixa remuneração e curta duração. A maioria atua em posições subordinadas, como operadoras de máquinas, inspetoras e auxiliares. Nessas fábricas, cargos de gerência ou supervisão são raramente ocupados por mulheres, segundo a pesquisa.
O relatório também documenta fatores de risco de violência enfrentados por trabalhadoras do setor na cadeia global de suprimento da indústria têxtil. Entre esses fatores estão contratos de curto prazo, metas excessivas de produção, práticas disciplinadoras, salários abaixo do necessário para viver e outros ataques a direitos salariais, excesso de horas de trabalho e locais de trabalho sem condições adequadas de segurança.
A pesquisa foi realizada em nove centros de produção têxtil em cinco países asiáticos – Dhaka, Bangladesh; Bangalore, Gurgaon e Tiruppur, na Índia; Phnom Penh, no Camboja; Java Ocidental e norte de Jacarta, na Indonésia; e Biyagama, Distrito de Gampaha, e no Distrito de Vavuniya, Província do Norte, no Sri Lanka.
Violência física, sexual e psicológica
O relatório sobre a multinacional estadunidense de varejo Walmart (em inglês) — conhecida pelas práticas trabalhistas perversas — traz um perfil detalhado de quatro fornecedores em Bangladesh e no Camboja e oferece "um relato empírico do espectro da violência de gênero e dos fatores de risco de violência que as mulheres enfrentam nas cadeias de suprimento de roupas" da empresa.
O documento descreve as experiências de trabalhadoras que, além de sofrerem pressão intensa para atingir metas impossíveis de produção, são constrangidas a terem relações sexuais com homens de cargos superiores e demitidas se não corresponderem às investidas sexuais. As mulheres relataram situações cotidianas de violência física, contando que recebem tapas e são agredidas com grandes sacos de roupas e objetos pontiagudos, como tesouras, além de assédio verbal e tortura psicológica.
“As experiências de violência de gênero nas cadeias de suprimento do Walmart registradas neste relatório não são incidentes isolados. Pelo contrário, refletem uma convergência de fatores de risco para a violência de gênero nas confecções fornecedoras do Walmart que expõem sistematicamente as trabalhadoras da indústria têxtil à violência. Esses fatores de risco são um subproduto da forma como o Walmart e outras multinacionais atuam”, afirma o relatório.
O relatório sobre a Gap (em inglês) apresenta o perfil de nove confecções fornecedoras da empresa em Bangladesh, no Camboja e na Índia. Já o documento sobre a H&M (também em inglês) traz um panorama das práticas de contratação pela perspectiva de gênero em seis fornecedoras nos mesmos países. Os três relatórios usam também uma pesquisa anterior da AFWA de 2016 que documentou violações de direitos humanos nas cadeias de suprimento das marcas no sul e no sudeste da Ásia, incluindo Indonésia e Sri Lanka.
Mulheres sindicalizadas
O relatório sobre a H&M destaca a luta contínua das mulheres trabalhadoras que atuam no Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras da Indústria Têxtil de Karnataka (KGWU), também conhecido como Koogu, na Índia.
Essas lideranças enfrentaram agressão física e ofensas por questões de casta, e acabaram demitidas depois que começaram a lutar pelas seguintes demandas: inclusão de um trabalhador ou trabalhadora eleita na comissão de saúde da fábrica para tratar da qualidade da água na confecção, medidas para solucionar o problema do transporte irregular até o local de trabalho e negociação para aumento de salários, que estão abaixo do mínimo digno para garantir a subsistência.
A AFWA e a Global Labor Justice exigiram que a H&M garanta a recontratação imediata, por um fornecedor, de 15 funcionárias demitidas por participação em uma atividade sindical. Além disso, as entidades pedem a demissão de todos os gerentes de fábrica e funcionários de cargos superiores que estiverem envolvidos no ataque às trabalhadoras e o atendimento às demandas originais do sindicato Koogu.
Organização Internacional do Trabalho
A Comissão de Liderança das Mulheres da AFWA pede que Walmart, H&M e Gap tomem medidas junto às entidades para acabar com a violência de gênero e a discriminação nas confecções que fornecem produtos para as empresas.
O estudo deve ser enviado para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que reuniu uma comissão normativa com o objetivo de acabar com a violência e o assédio contra trabalhadores e trabalhadoras. O grupo realizou audiências entre 28 de maio e 6 de junho para definir uma série de padrões globais pelos direitos trabalhistas das mulheres.
Edição: NewsClick | Tradução: Aline Scátola | Edição: Pedro Ribeiro Nogueira