Sancionada nesta segunda-feira (11), a lei que cria o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) no país coleciona críticas por parte de parlamentares e especialistas no tema, que acusam deputados conservadores de terem desfigurado a proposta inicial.
Idealizada em 2003 pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e enviada ao Congresso em 2012, durante a gestão de Dilma Rousseff (PT), a proposta original buscava dar maior centralização à administração da segurança pública no Brasil, hoje fragmentada entre as esferas federal, estadual e municipal de governo.
O objetivo era alcançar maior equilíbrio entre as atribuições federativas de cada órgão envolvido na área de segurança, de forma a substituir a concorrência entre agências por um modelo cooperativo de trabalho.
No entanto, a proposição foi repaginada pelo relator, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública, mais conhecida como "bancada da bala" --grupo de legisladores que defendem posições favoráveis ao armamento da população e do encrudescimento da atuação das forças de segurança.
'Um amontoado'
Embora os governistas sustentem que o Sistema irá cumprir o objetivo original de integrar os órgãos de segurança e inteligência e padronizar informações e procedimentos, a legislação como foi aprovada carece de mecanismos de governança e administração que possam garantir o atendimento da proposta.
É o que aponta a pesquisadora Jaqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma das idealizadoras da proposta original. Ele destaca ainda que, diante das referidas brechas, a medida não constrói um pacto federativo da segurança pública, como era esperado.
“Não há dispositivos de regulação, não há compatibilização dos mandados das organizações de força, portanto, integração só se for de boca. A Lei do Susp conseguiu fazer com que uma fragmentação virasse um amontoado, um ajuntamento invertebrado”, critica.
O Sistema inclui Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, polícias civis e militares, corpos de bombeiros, guardas municipais, sistemas penitenciário e socioeducativo, agentes de trânsito, guarda portuária e Institutos Médicos Legais (IMLs).
A nova legislação prevê, entre outras coisas, o compartilhamento de informações entre aqueles órgãos, a padronização dos registros de ocorrência policial e investigação e a realização de operações combinadas.
Jaqueline Muniz ressalta, no entanto, que a medida não traz, por exemplo, ferramentas de controle do uso da força e não adota efetivamente a ideia de segurança cidadã.
“Na verdade, ela serve como caixa extra pra comprar mais armamento, mais viaturas e mais munição e fazer uma polícia de espetáculo, fazer operações de vez em quando pra dar uma satisfação à sociedade. É um efeito cortina de fumaça”, considera.
Debate truncado
Ressurgido em meio aos debates legislativos pós-golpe e pré-eleição de 2018, o texto do Susp, que estava com a tramitação parada na Câmara, foi aprovado em maio deste ano em regime de urgência.
O líder da bancada do Psol na Câmara, Chico Alencar (RJ), aponta que teria faltado debate com a sociedade para atualizar a proposta e maturar pontos do projeto. Ele considera ainda que a medida não alcança demandas históricas da sociedade civil no que se refere à problemática da violência.
O parlamentar menciona, por exemplo, as pautas da reforma das polícias, da desmilitarização e do diálogo dos agentes de segurança com a comunidade.
“Nada disso está inserido ali, então, eu não tenho muitas ilusões, não. É um projeto inócuo”, afirma.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) destaca que a ideia original do Susp previa integração entre União, estados e municípios, englobando a gestão das competências. Ele afirma que, na prática, a proposta aprovada pela Câmara levou ao naufrágio dessa concepção.
“Ela fez uma tentativa de integração entre polícias fora do sistema político. Então, se nós já temos hoje um sistema fora do controle, eles agravaram”, ressalta.
Relator da recém-lançada “Agenda de Segurança Cidadã – por um novo paradigma”, estudo coordenado pela Câmara dos Deputados, o parlamentar defende que sejam feitas mudanças estruturais na gestão da segurança publica do país.
A reestruturação dos sistemas policiais e a reforma do sistema penitenciário estão entre os pontos abordados no estudo para viabilizar soluções para o problema. A prevenção da violência também é considerada uma prioridade.
“Temos que desenvolver um sofisticado sistema de prevenção – prevenção pras regiões onde ocorrem os crimes, para aquelas populações mais vulneráveis, para a sociedade em geral, prevenção para aqueles lugares com comportamentos que favoreçam as atividades criminosas”, detalha.
Segundo dados do Atlas da Violência 2018, o Brasil registrou, em 2016, 62.517 mortes violentas intencionais. O número aponta que o Brasil superou, pela primeira vez, a marca de 30 homicídios para cada 100 mil habitantes --taxa de homicídios de um país em situação de guerra, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).
Edição: Diego Sartorato