DEMOCRACIA ENJAULADA

Mesmo preso, líder curdo ocupa terceiro lugar nas eleições presidenciais da Turquia

Enfrentando acusações que podem somar 142 anos de prisão, Selahattin Demirtaş representa demandas do povo curdo

Brasil de Fato | São Paulo |
Selahattin Demirtaş, do HDP, fala em manifestação pelos direitos do povo curdo, antes de sua prisão
Selahattin Demirtaş, do HDP, fala em manifestação pelos direitos do povo curdo, antes de sua prisão - Página de Facebook de Selahattin Demirtaş/Reprodução

Selahattin Demirtaş, advogado de direitos humanos curdo, encarcerado desde novembro de 2016 na Prisão de Edirne, é um dos candidatos à presidência da Turquia. Liderança do Partido Popular Democrático (HDP) de ideologia próxima ao socialismo, Demirtaş pediu ser libertado para participar das eleições, mas o Tribunal Constitucional rejeitou o pedido nesta quarta-feira (13).

Há mais cinco candidatos nesta eleição. Recep Tayyip Erdogan, o atual presidente, da Aliança Popular; Muharrem Ince do Partido Republicano do Povo (CHP); Meral Aksener do İYİ Partisi (Partido Bueno) nacionalista de direita e única mulher; Temel Karamollaoglu do Saadet Partisi (Partido da Felicidade) de direita e Dogu Perincek do Vatan Partisi (Partido Patriótico), também nacionalista de direita.

O povo curdo, considerado a maior população sem estado do mundo, é composto por 45 milhões de pessoas, divididas em quatro países: Iran, Iraque, Síria e Turquia, onde são 25% da população. Com o desmembramento do Imperio Otomano no começo do século XX, os curdos perderam a possibilidade de ter um território autónomo. Desde então, lutam pelo seu autogoverno.

Golpe e repressão

O HDP, criado em 2015, conquistou várias cadeiras nas eleições parlamentares de junho daquele ano, angariando votos para além da região curda. Parecia o começo de uma revolução política, com a perda da maioria pelo partido do atual presidente Erdogan e com os curdos ocupando pela primeira vez cadeiras na Câmara. Mas Erdogan questionou a validade do pleito e, quando novas eleições foram chamadas poucos meses depois, seu partido recuperou a maioria no Parlamento.

Nos protestos contra o cancelamento das eleições, muitos jornalistas, professores, funcionários e políticos foram demitidos ou presos - em um quadro de escalada repressiva e perda de direitos democráticos.

A imagem pode conter: 6 pessoas, pessoas sorrindo, texto

Peça de campanha publicitária de Demirtaş traz todos os candidatos e chama o voto em sua candidatura. (Foto: Facebook/Reprodução)

Depois de sobreviver a um golpe de estado fracassado em 2016, Erdogan ordenou medidas repressivas contra grupos da oposição. Demirtaş e outras nove lideranças do HDP acabaram presos, rotulados como terroristas. Os promotores acrescentaram dezenas de acusações ao processo de Demirtaş, que podem totalizar 142 anos de prisão. O julgamento ainda não terminou. 

Em 2017, Erdogan venceu com uma margem estreita o referendo constitucional que dá ao presidente turco novos poderes para estabelecer uma "presidência executiva" que abole o cargo de primeiro-ministro e permite que ele nomeie e destitua os membros do gabinete, juízes e servidores públicos. Erdogan, que mantém o país sob estado de emergência há dois anos, precisa ganhar a eleição deste ano para implementar essas mudanças. 

O primeiro turno da eleição será realizado em 24 de junho e se nenhum candidato tiver mais do que 50% da votação, o segundo turno acontecerá em 8 de julho.

Oposição rachada

Demirtaş e o HDP não foram convidados para fazer parte da coalizão anti-Erdogan liderada pelo CHP, o maior partido da oposição no pais. A candidatura do líder curdo ocupa atualmente o terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto com 12,3%, depois de Erdogan, que tem 49,4%, e Ince, com 38,1%. Se houver segundo turno é possível que a oposição se una para tentar vencer Erdogan.

As raízes curdas do HDP fazem com que a candidatura de Demirtaş seja de difícil de aceitar para muitas pessoas, pela relação com o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), movimento que faz luta armada pela autodeterminação do povo curdo. Isso é particularmente problemático para Demirtaş, cujo irmão Nurettin é um membro do PKK atualmente em exílio no Iraque. 

Atualmente, a campanha do Demirtaş vem sendo realizada discretamente, desde a cela que partilha com Abdullah Zeydan, membro do HDP, condenado em maio a oito anos de prisão por acusações de terrorismo. Ambos são mantidos afastados dos outros prisioneiros. Demirtaş não só participa na eleição, mas permanece ativo em sua própria defesa no julgamento. Além disso é permitido a cada semana passar uma hora com sua esposa e duas filhas e fazer quatro horas de exercício.

*com informações de Newsweek, Ahval News, kurdistanamericalatina.org e Trtworld.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira