MOBILIZAÇÃO

Pequenos agricultores lideram resistência contra avanço neoliberal na Índia

Diante de ataques e ausência de direitos, produtores se mobilizam para exigir ações do governo em todo o país

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Uma imensa mobilização de trabalhadores rurais indianos contra a violência e as políticas do governo marca 2018
Uma imensa mobilização de trabalhadores rurais indianos contra a violência e as políticas do governo marca 2018 - NewsClick

O ano de 2018 na Índia está sendo marcado por grandes mobilizações de pequenos agricultores, estudantes, mulheres, trabalhadores, dalits e outros setores marginalizados pelo sistema de castas. Os protestos são contra o governo e as políticas de direita da Aliança Democrática Nacional, liderada pelo Partido do Povo Indiano (BJP, na sigla em inglês).

A resistência dos trabalhadores rurais é construída em resposta à violência motivada por intolerância religiosa e de casta promovida pela Organização Patriótica Nacional (RSS), entidade paramilitar de ultradireita que controla o partido do governo. A RSS demoniza minorias e castas mais baixas, enquanto as políticas neoliberais do governo indiano têm contribuído para o empobrecimento de grande parcela da população.

Diante desse contexto, as massas trabalhadoras do país vêm se revoltando e se mobilizando cada vez mais – e os movimentos de pequenos agricultores estão na liderança de muitas dessas mobilizações.

Agora no mês de junho e até julho, ocorre uma mobilização para coletar 100 milhões de assinaturas, listando as falhas do BJP. A Central de Sindicatos Indianos (Centre of Indian Trade Unions – CITU) participa de todos os protestos. “Será realizado um ato histórico que simboliza a unidade entre trabalhadores e campesinos, e a resistência organizada às políticas econômicas neoliberais e as forças de castas no dia 5 de setembro”, informou o secretário adjunto do AIKS, Vijoo Krishnan.

Desigualdade

Os pequenos produtores rurais se organizam em um momento em que apenas um por cento da população indiana controla 53% dos recursos do país e as políticas do governo parecem beneficiar exatamente esses setores da elite. O aumento no preço dos insumos agrícolas e de commodities essenciais é um dos fatores que contribuiu para o aumento de 42% no índice de suicídio entre agricultores nos anos em que o BJP assumiu o governo, em 2014-2015. Desde então, a tendência continua a se repetir em muitos estados.

Depois de uma série de grandes protestos chamados por pequenos agricultores no ano passado, foi anunciado um esquema de perdão de dívidas em junho de 2017, mas a promessa do governo se mostrou vazia quando quase 4 milhões de nomes foram excluídos da lista de beneficiários.

Kishor Dhamale, da Satyashodhak Shetkari Sabha, uma das organizações que está liderando os protestos no estado de Maharashtra, afirmou que as perdas registradas pelos produtores de leite da região ultrapassam US$ 1 bilhão desde junho do ano passado. O resultado negativo se deu pela falta de repasses da política de garantia de preços mínimos, que seria o preço de custo da produção mais 50%.

Privatização

A existência de milhares de pequenos agricultores tem sido ameaçada pela intensa privatização no país, que permite 100% de investimento estrangeiro direto no setor agrícola e no varejo indiano, além da promoção de contratos agroindustriais, em geral por preços pré-determinados. Só no último ano, as perdas registradas por esses pequenos produtores indianos chegaram a assustadores US$ 3,88 trilhões.

Resistência ao governo

Essa terrível espoliação dos pequenos agricultores levou a protestos em pelo menos 13 dos 29 estados que compõem a Índia. Em novembro de 2017, em Délhi, um grande encontro de agricultores chamado Kisan Sansad contou com a participação de milhares de pessoas. A ala camponesa do Partido Comunista da Índia (de linha marxista), chamada All India Kisan Sabha (AIKS), mobilizou mais de 300 organizações trabalhistas agrícolas e de camponeses sob a bandeira do Movimento pelo Direito à Terra (Bhoomi Adhikar Andolan) em duas marchas até o parlamento do país. A organização também conseguiu cerca de 10 milhões de assinaturas contra a Lei de Aquisição de Terras defendida pelo BJP e teve papel fundamental para derrubá-la.

A revolta dos agricultores de todo o país aumentou quando o governo ignorou semanas de protestos camponeses na capital do estado de Tamil Nadu, Nova Délhi, e não se manifestou nem mesmo quando seis agricultores em Mandsaur, no estado de Madhya Pradesh, foram baleados.

Enquanto isso, em todo o país, grupos de “justiceiros” de direita, sob o pretexto de proteger vacas – consideradas sagradas por parte dos hindus – lincharam e assassinaram vendedores de gado, principalmente de comunidades muçulmanas e dalits. O fato de que muitos desses homicídios parecem contar com apoio do Estado agravou ainda mais a revolta dos pequenos produtores.

No início do ano passado, grandes protestos liderados pela AIKS aconteceram no estado do Rajastão. O alvo das manifestações foi o aumento de 40% no preço da conta de luz, promovido pelo mandato do BJP. Com participação massiva de agricultores nos protestos, o governo voltou atrás na decisão.

Em setembro de 2017 e no início deste ano, outras duas jornadas de protestos aconteceram no mesmo estado, com reivindicações que incluíam o perdão de dívidas e a implementação de um relatório fundamental sobre reforma agrária, segurança alimentar e prevenção de suicídios entre pequenos produtores. Centenas de lideranças e militantes foram presos arbitrariamente pelo governo ao tentar atravessar o estado rumo à capital, Jaipur, para protestar contra a quebra das promessas pelo governo. Uma grande mobilização contra as prisões obrigou o governo a conceder liberdade incondicional aos detidos.

Apoio em todas as classes

Em março deste ano, cerca de 50 mil agricultores percorreram 180 quilômetros até a capital do estado de Maharashtra, Mumbai. Organizada pela AIKS, a marcha reivindicou a implementação de um programa completo de perdão de dívidas que havia sido prometido pelo governo, além da garantia de direitos florestais e agrários e uma resolução para o problema da inundação de terras em um projeto de interligação de rios.

O protesto entrou para o imaginário de todo o país e, depois da caminhada obstinada, os pequenos agricultores foram recepcionados em Mumbai por pessoas de todas as classes. Diante da possibilidade de ter a assembleia legislativa cercada por agricultores indignados, o governo cedeu e prometeu atender às demandas dos manifestantes.

Conquistas

No estado de Karnataka, que até recentemente era governado pelo partido de oposição Congresso Nacional Indiano, uma série de protestos de pequenos produtores garantiu o estabelecimento de direitos fundiários.

Manifestações semelhantes em Tamil Nadu levaram à conquista de benefícios no valor equivalente a US$ 44 milhões para os pequenos produtores de cana-de-açúcar.

A comissão de coordenação de luta de agricultores All India Kisan Sangharsh, que congrega mais de 190 organizações de pequenos proprietários, surgiu após o tiroteio em Mandsaur como uma força unificada para exigir a garantia de preços remunerativos e liberação de dívidas.

Também surgiu recentemente o Movimento Unidade do Povo, Direitos do Povo (Jan Ekta Jan Adhikar Andolan), que reúne organizações sociais e de classe de esquerda, além de movimentos populares que representam castas oprimidas, comunidades tribais, comunidades pesqueiras, populações removidas, entre outras, com o objetivo de apresentar uma contraposição consistente às forças neoliberais do país.

Novos atos

O AIKS e o Jan Ekta Jan Adhikar Andolan começaram a organizar uma série de atos independentes, a começar pelo Exponha o Governo e Proteste (Pol Khol-Halla Bol). Foram atos de massa em todos os estados, além de uma campanha nacional para expor a quebra do compromisso do governo com os pequenos agricultores.

Edição: The Dawn News | Tradução: Aline Scátola