Coluna

Jogos jurídicos e racismo: um retrato dos negros no Sistema de Justiça do Brasil

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Estudantes protestam após episódios de racismo nos Jogos Jurídicos no Rio.
Estudantes protestam após episódios de racismo nos Jogos Jurídicos no Rio. - Foto: Reprodução
A esperança se avoluma quando os coletivos negros se juntam e dão o basta

Por Gladstone Leonel Jr*

- “Ela é cotista e sempre quer que eu banque, mas eu só vou pagar se gozar”

- “Foi lavadeira, já foi faxineira, hoje a cotista ganha vida com michê (puta).”

- “Eu não tenho medo do MP, (...) se a Federal quer me prender, o Gilmar Mendes vai soltar.”

- “Macaca, Macaca....”

- “Olha o meu rosto, você acha mesmo que eu vou ser presa?”

Esse tipo de discriminação, talvez não fosse novidade para os negros desse país, mas havia algo diferente. Essas foram falas e trechos de músicas entoadas pela torcida da PUC-Rio, nos jogos jurídicos de 2018, que aconteceram em Petrópolis, região serrana do Estado do Rio.

O racismo naquele ambiente era como um recado dado, pois em um espaço de confraternização universitária, não caberia o negro. Os seguidos anos das políticas de ações afirmativas nas universidades surtiam uma ojeriza às pessoas que não conviviam em espaços que não fossem de subordinação desse sujeito negro. 

O nojo que possuíam já não poderia se limitar às fofocas de corredores e deveria ser explícito para que aquele sujeito voltasse a entender o seu lugar, que definitivamente para uma casta jurídica herdeira de “catedráticos” inomináveis, não era aquele. 

No caso em questão, os cânticos e xingamentos não foram simplesmente direcionados às outras instituições universitárias federais e estaduais, como se nota na discrição, o alvo preferencial dos “senhores” da nova geração é a mulher negra. 

Casca de banana jogada em direção a aluno negro da UCP durante os Jogos Jurídicos. Foto: Reprodução/Facebook

No show de horrores e de bestialização de “alguns juristas em (de)formação”, não faltaram agressões, desde a imitação de macacos diante de atletas da UERJ, ou o arremesso de cascas de banana e xingamentos racistas contra uma atleta de handebol da UFF.  

Mas, o problema seria a PUC-Rio? Basta puni-la que a questão caminharia para uma resolução adequada? Certamente não é um problema limitado à PUC-Rio, mas uma estrutura acadêmica, institucional e social que opta por manter-se distante do povo, forjando uma casta privilegiada de detentores de um saber/poder manifestada pelo Direito. 

Esse ainda é um retrato cru e bisonho da essência do Sistema de Justiça no Brasil. 

Alguns dados que apontam esse racismo estruturante saltam aos olhos:

- no Poder Judiciário, apenas 15% dos servidores e magistrados são pardos ou pretos, segundo censo realizado em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça;

- Nos escritórios, essa proporção é ainda mais desigual: menos de 1% dos cargos dos mais de mil escritórios que compõem o Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (CESA) são preenchidos por sócios, advogados ou estagiários negros, de acordo com estimativa da entidade.

Se por um lado, aos negros não cabe dirigir o Sistema de Justiça, sem dúvida são sujeitos fundamentais para o funcionamento perverso dessa engrenagem. Segundo o Infopen, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, 64% dos presos no sistema penitenciário nacional são negros.

Quem esquecerá do caso de Janaína Aparecida Aquino, negra e em situação de rua em Mococa (SP), submetida a uma cirurgia de laqueadura tubária contrária a sua vontade?

Quanto às Janaínas do Brasil, o Ministério Público, sob as bênçãos do Judiciário, ordena a sua não reprodução! Já o aparato da segurança pública mantém a empreitada de extermínio da, já crescida, juventude pobre e negra. A crueldade do sistema de justiça e segurança pública no Brasil perante os negros traz uma mescla de controle racial, social e higienização! 

Conforme lembrava, o recentemente falecido Anibal Quijano, esses elementos contribuem para o funcionamento de um Sistema de Justiça amparado pela colonialidade do poder. 

Visto que, as decisões provenientes do Poder Judiciário não enfrentam o controle do trabalho pelo capital e com orientação do mercado, além de legitimarem uma dominação decorrente de uma pretensa inferioridade identitário-racial. Assim, “funciona” a Justiça no Brasil!  

Diante desse quadro dantesco, a esperança se avoluma, quando os grupos e coletivos negros das universidades, cada vez mais numerosos, inclusive nas faculdades de Direito, se juntam e dão o basta. É como se dissessem: "A resistência chegou à Universidade, 'seu doutor'! Cochilou, o cachimbo cai".

Que ao invés dos juristas, aprendamos também com o sambista Ney Lopes, que os direitos humanos se garantem lutando em vários frontes. Em "Nosso nome, resistência", o recado de Ney é dado: 

"Palmares, Balaios, Malês, Alfaiates, fugas, guerrilhas, combates

Mão na cara, dedo em riste

Pagodes, fundos de quintal, candomblés, jongos, blocos, afoxés

Assim também se resiste".

*Gladstone Leonel Jr é pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília (UnB) e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). 

Edição: Simone Freire