Temas urgentes

México: próximo presidente terá o desafio de reverter os altos níveis de pobreza

A economia está no centro do debate político, a uma semana das eleições gerais

Brasil de Fato | Cidade de México |
Cerca de 60% dos mexicanos trabalham no mercado informal; Sergio Quiroz, 34, há mais de 10 anos vende tacos na rua
Cerca de 60% dos mexicanos trabalham no mercado informal; Sergio Quiroz, 34, há mais de 10 anos vende tacos na rua - Fotos: Rafael Stedile

A alta taxa de pobreza, o desemprego e os baixos salários dos trabalhadores são alguns dos problemas que o futuro presidente do México terá que enfrentar. Com as eleições programadas para este 1º de julho, o debate econômico é um dos centrais neste momento decisivo do país, que vê candidaturas progressistas e conservadoras em disputa. Para entender o contexto que cerca esse debate, o Brasil de Fato ouviu especialistas e a população mexicana sobre o que eles consideram como temas urgentes nesta área.

O México possui um dos salários mínimos mais baixos da América Latina, segundo dados Centro de Investigação Laboral e Assessoria Sindical (Cilas). Esta seria uma das causas do empobrecimento, sobretudo entre a população economicamente ativa, ou seja, a classe trabalhadora.

"Os 30 anos de neoliberalismo levaram o país a ter um dos salários mais baixos do continente, sobretudo nos últimos dez anos”, afirmou o coordenador geral do Cilas, Hector de la Cueva, pesquisador especialista em estudos sociológicos e econômicos relacionados ao setor trabalhista.

Cueva explica ainda que os salários tiveram seu poder aquisitivo reduzido. “O auge do valor do salário mínimo foi alcançado em 1975. Desde então, o poder aquisitivo do salário mexicano teve uma redução de 75%. Isto quer dizer que se antes você comprava 30 kg de tortillas (comida típica do México), hoje só vai poder comprar 5 kg. Houve uma queda e uma expropriação do salário”, ressalta.

Segundo o pesquisador, a economia mexicana está estagnada desde os anos 1990, quando o México assinou o tratado de livre comércio com os Estados Unidos e o Canadá. “Nos últimos 20 anos, o crescimento do produto interno bruto (PIB, a soma de todas as riquezas de uma nação) foi um dos mais baixos da história do país. Nos anos 1980, a economia mexicana era maior e mais forte que a do Brasil, apesar de o Brasil ser um país mais robusto. Isso se inverteu com o passar dos anos”, destacou Hector de la Cueva.

A consequência dessa estagnação aparece na forma de desemprego, aumento da pobreza e desigualdade social. De acordo com estudo feitos pelo Cilas, o desemprego atinge cerca de 15% do povo mexicano. Além disso, 60% da população economicamente ativa trabalha em empregos informais. Nas ruas da Cidade do México, é visível o número de trabalhadores informais, especialmente na região central da capital.

Esse é o caso de Luís Canche, de 33 anos, vendedor de tacos (comida típica do país), que tem uma barraquinha justo ao lado do Senado Federal. Ele conta que essa é uma forma de ter uma renda melhor, já que considera o salário mínimo baixo. “Antes, eu trabalhava em uma empresa e recebia 1,5 mil pesos mexicanos [cerca de R$ 285] por quinzena. Trabalhando por conta própria, ganho esse valor em três dias. As empresas aqui pagam muito pouco, não vale a pena. A maioria das pessoas aceita trabalhar nessas condições por conta do plano de saúde e do seguro social [previdência]”, relata o vendedor ambulante.

Portanto, um dos maiores desafios do futuro presidente do México é encontrar saídas para problemas como os baixos salários e o empobrecimento dos trabalhadores.

Hector de la Cueva explica que iniciativas simples poderiam ter grande impacto para os trabalhadores. Uma delas é permitir a livre negociação entre os patrões e os empregados. “Atualmente, o governo mexicano não permite a livre negociação dos contratos coletivos entre os sindicados dos trabalhadores e as empresas. O governo estabelece que o teto para o aumento do salário seja o valor da inflação. Se a inflação do ano for 3%, então este é o teto do reajuste. Defende-se o livre mercado, mas os salários estão excluídos dessa lógica”, ressalta o coordenador do Cilas.

Pobreza e desigualdade social

O maior problema da economia mexicana é a desigualdade social, afirma o jornalista econômico Roberto González Amador, do jornal La Jornada, do México. “A abertura da economia dos últimos 30 anos não modificou a desigualdade nem reduziu a pobreza”, explica Amador, um dos mais respeitados jornalistas especializados em economia no país.

Dados da Oxfam México, organização internacional de direitos humanos, mostram que 1% das famílias mais ricas do México poderiam comprar tudo o que possui 95% da polução mais pobre do país.

Nesse contexto, o patrimônio de um dos homens mais ricos do planeta, Carlos Slim, cidadão mexicano, contrasta com o fato de a segundo maior favela do mundo estar em território mexicano. Trata-se da Nezahualcóyotl, localizada no subúrbio da Cidade do México, com 4 milhões de habitantes, que só é menor que Maharashtra, na Índia, que abriga 19 milhões de pessoas.

Nezahualcóyotl tem seu nome inspirado em um líder do Império Asteca, da época pré-hispânica, conhecido como o “rei poeta”, que governou o povo de Nahuan, na parte oriental do Vale do México, entre 1429 e 1472. Um nome conhecido pela carga histórica do poder de uma nação que controlou grandes extensões territoriais, hoje é associado a uma das maiores mazelas deste país norte-americano.

Um relatório do Centro de Estudos Espinosa Yguesias aponta que o PIB mexicano cresceu oito vezes mais que o salário dos trabalhadores e que, durante os últimos 25 anos, o crescimento econômico foi mais lento que nos 50 anos anteriores.

O documento mostra ainda que durante os governos dos ex-presidentes Vicente Fox (2000-2006), Felipe Calderón (2006-2012) e, o atual mandatário, Enrique Peña Nieto (2012) a economia cresceu em média 2,1%. Nesse período, o aumento populacional foi de 1,6%. Portanto, o crescimento do PIB por habitante esteve ao redor de 1%. “A esse ritmo a renda média dos mexicanos se duplicará a cada 70 anos ou mais, ou seja, a cada três gerações”, diz o texto do relatório sobre a desigualdade social.

O vendedor Luís Canche garante que com o salário de um trabalhador formal é impossível subir de classe social. “Não existe possibilidade de que eu possa deixar de ser pobre se estiver trabalhando para uma empresa privada, recebendo um salário fixo. Posso trabalhar minha vida inteira que vou continuar pobre”, garante.

O jornalista do La Jornada Roberto González Amador ressalta que o estudo do Centro de Estudos Espinosa Yguesias comprova as contas feitas pelo vendedor Luís. “Esse estudo recente retrata a realidade do país. Os mexicanos que nascem pobres vão viver na pobreza toda sua vida. Não há horizonte de mobilidade social. Esse é o grande problema. Mais da metade da população hoje vive na pobreza. Isso explica, em parte, porque o candidato da oposição lidera as pesquisas de intenções de voto”, diz.

Os baixos salários contradizem inclusive a lógica de mercado, segundo o pesquisador Hector de la Cueva. “Sabemos que salários mais altos dinamizam a economia”. Ele garante que o setor privado tem condições de pagar muito mais aos trabalhadores do que tem feito atualmente. “Tem um dado interessante que revela como o fator salário tem diminuído nos custos do setor privado. Se analisar quanto custava, nos anos 80, a mão de obra em relação ao lucro de uma empresas vai notar uma redução de mais de 60% em relação ao valor gasto há 30 anos. Portanto, se incrementassem os salários em 15% ainda estaria muito abaixo do que custavam antes”, avalia Cueva.

Desmonte da indústria mexicana

Desde os anos 1990, quando entrou em vigência o tratado de livre comércio com os Estados Unidos e o Canadá, o México passou por um processo de desindustrialização, de acordo com o pesquisador Hector de la Cueva. Entre as décadas de 1930 e 1980, o México possuía muitas empresas de propriedade estatal nos setores de petróleo, eletricidade, água, linhas aéreas e pesqueiro; até fábricas de bicicletas. 

“A indústria mexicana era brutal e havia um setor enorme da economia que era estatal. Esse setor alimentou e subsidiou os empresários por anos, e, depois, no processo de privatização compraram, quase grátis, as empresas estatais. Agora, estão matando a 'galinha dos ovos de ouro', que é a Petróleos Mexicanos (Pemex), que está sendo desmantelada para depois ser entregue às transnacionais”, diz o pesquisador.

“O Estado mexicano viveu por muitos anos do dinheiro do petróleo, porém, vivemos a irracionalidade do neoliberalismo, estão acabando com a empresa”, complementa.

Com a implementação de empresas estrangeiras nos últimos 20 anos, o setor industrial que cresceu no país não alimenta a cadeia produtiva local. “São empresas que apenas usam o território mexicano e a mão de obra barata, mas que não usam peças e produtos mexicanos na sua linha de montagem. Importam e exportam para si mesmas”, explica Cueva.

Esses impactos chegam diretamente na economia. A participação da indústria nacional na composição do PIB caiu sete pontos entre 2012 e 2016, segundo dados oficiais do governo mexicano. Em 2012, as atividades secundárias como mineração, produção e distribuição de energia elétrica, abastecimento de água e gás, construção civil e indústria manufatureira eram responsáveis por alimentar 36% do PIB. No entanto, esse índice caiu para 29% em 2016, último dado divulgado pelo governo.

Outro número a ser analisado é o do emprego. Em 1980, cerca de 53% dos trabalhadores estavam empregados em setores ligados à indústria, atualmente esse número é de 37%.

Superar esses problemas e melhorar a vida da população mexicano serão alguns dos desafios do próximo presidente mexicano após o dia 1º dezembro, quando será empossado e começará a governar por um mandato de seis anos.


Edição: Vivian Neves Fernandes