O ex-bispo católico Fernando Lugo chegou à presidência do Paraguai após a vitória nas eleições de 2008. Sustentava a sua candidatura uma coligação formada por setores populares e partidos políticos, dentre eles o Partido Liberal (PLRA), de cunho conservador.
A vitória de Lugo representou o rompimento com mais de 60 anos do Partido Colorado no governo, dos quais 35 anos foram de uma ditadura militar comandada pelo General Alfredo Stroessner.
O Governo de Lugo promoveu mudanças importantes no país, principalmente em relação à soberania energética e à saúde pública, além dos avanços na integração regional, com a participação ativa do Paraguai na Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e no Mercosul (Mercado Comum do Sul), num contexto de aliança com diversos governos progressistas da região, como Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador e Venezuela.
No entanto, a presidência de Lugo durou apenas três anos e dez meses. Em 22 de junho de 2012 seu mandato foi interrompido bruscamente por um Golpe de Estado, camuflado por um processo de juício político conduzido pelo Parlamento de maioria opositora, que o depôs em menos de 24 horas.
Desde o início do governo de Fernando Lugo, a oposição tentou 23 vezes impor um julgamento político a ele, sem sucesso. Era preciso um fato político que conseguisse dividir o governo e sua base de apoio.
O estopim necessário para consumar o golpe entra em cena quando no dia 15 de junho de 2012 um conflito entre camponeses sem-terra e um latifundiário culmina numa tragédia, que deixou 11 camponeses e seis policiais mortos, no que ficou conhecido como o “Massacre de Curuguaty”.
O conflito no município de Curuguaty, nas terras conhecidas como Marina Kue, já durava oito anos. De um lado, o empresário e ex-senador do Partido Colorado Blas Riquelme ocupava a área ilegalmente; de outro, famílias de camponeses viviam acampadas no local e reivindicavam que a terra era pública e deveria ser destinada para a reforma agrária.
No dia 15 de junho daquele mesmo ano, com uma ordem de inspeção emitida pelo Poder Judiciário, 324 policiais entraram nas terras para expulsar os 67 acampados. O resultado foi um verdadeiro massacre, que teve ampla divulgação pela mídia e instrumentalização pela direita do país.
Uma semana depois, o parlamento paraguaio proferiu um golpe de Estado por meio de um julgamento relâmpago, em que a oposição acusava Lugo como responsável pela morte dos policiais e pelo suposto aumento da insegurança no país.
Os acusadores julgaram que não era necessário apresentar provas, pois os eventos eram de “público conhecimento”. O julgamento iniciou às 17h do dia 21 de Junho e às 9h da manhã do dia seguinte foi considerado tempo suficiente para os advogados de Lugo prepararem sua defesa.
Com maioria do Partido Colorado no Senado e com a traição dos Liberais [antes parte do governo], além do silêncio conivente do Judiciário, o golpe se consumou rapidamente. Lugo foi considerado culpado e afastado do cargo, e o vice-presidente liberal Federico Franco assumiu a presidência até a próxima eleição.
No ano seguinte, em 2013, Lugo foi eleito senador do Paraguai e, neste ano, foi reeleito para o mesmo cargo pela Frente Guasú. Ele é considerado a principal liderança da esquerda e dos setores populares do país, mas, como no Paraguai, é vedada a reeleição presidencial, não tem perspectivas de voltar à presidência.
O Golpe do Paraguai se insere no avanço da direita e do Neogolpismo na América Latina, que com o Golpe de Honduras, em 2009, e do Brasil, em 2016, conformam um novo modo de ação das classes dominantes e do imperialismo na América Latina, por isso é fundamental compreender como cada um destes processos vêm ocorrendo.
>> Leia a entrevista com Fernando Lugo sobre o golpe do Paraguai e a atualidade da região <<
Edição: Vivian Neves Fernandes