Em meio ao acirramento da crise migratória que circunda os Estados Unidos, o governo de Donald Trump decidiu direcionar a mira de sua política externa para a América Latina e apertar o cerco contra a Venezuela. O capítulo mais recente da ofensiva ocorreu esta semana, durante a visita do vice-presidente estadunidense, Mike Pence, ao Brasil.
Em encontro com Michel Temer (MDB), na última terça-feira (26), Pence cobrou do país uma postura mais agressiva em relação ao governo de Nicolás Maduro, presidente venezuelano. Além disso, anunciou o envio de US$ 1 milhão – o equivalente a R$ 3,8 milhões – ao Brasil para subsidiar o acolhimento de migrantes do país vizinho.
Em declaração à imprensa, Pence agradeceu o governo brasileiro por ser um "parceiro dos Estados Unidos", mas cobrou uma postura mais dura do Brasil em relação à Venezuela. "Agora é hora de agir de forma mais enérgica. Exortamos o Brasil a adotar mais medidas para isolar o governo venezuelano", afirmou.
Para Pedro Bocca, mestre em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a estratégia estadunidense estaria alinhada à de outros atores internacionais, como a União Europeia, de se utilizar do tema da migração para deslegitimar o governo venezuelano perante o cenário internacional.
“É uma tática que precede um processo de intervenção. Em geral, pra você ter uma legitimidade de intervir em algum país, você precisa que a comunidade internacional veja essa necessidade”, complementa.
A crise diplomática envolvendo EUA e Venezuela se arrasta há anos e ganhou contornos mais acirrados com a chegada do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao poder.
Enquanto batalha em diferentes frentes pelo isolamento do governo de Maduro no cenário global, os EUA têm defendido com vigor que o país latino seja suspenso dos quadros da Organização dos Estados Americanos (OEA). O movimento levou ao anúncio recente de novas sanções econômicas contra a Venezuela.
Bocca destaca que, historicamente, a OEA opera conforme a política dos EUA para a América Latina. Criada após a Segunda Guerra Mundial, a entidade surgiu em meio a uma forte intervenção estadunidense no continente.
“A relação dos interesses norte-americanos com a OEA é estrutural e umbilical. Seria, de fato, muito surpreendente se fosse diferente”, reforça.
O apoio do Brasil à suspensão da Venezuela no órgão foi um dos temas considerados positivos pelo vice norte-americano na linha adotada pelo governo Temer para isolar ainda mais o país vizinho. Pence também citou como positivas a suspensão da Venezuela do Mercosul e as declarações do Grupo de Lima, que não reconheceu o resultado das eleições presidenciais venezuelanas do último mês de maio.
Diante desse ambiente político, a socióloga e jornalista Aline Piva, que mora em Caracas e acompanha com atenção os movimentos diplomáticos entre Brasil e Venezuela, analisa que o atual contexto teria como pano de fundo uma mudança de rota por parte do Estado norte-americano em relação à política internacional.
"Durante um bom tempo os EUA estavam mais focados nas questões geopolíticas do Oriente Médio e agora estão tentando retomar essa hegemonia no continente [latino]", afirma.
Ela acrescenta que a tática atual se desenrola a partir de diferentes facetas, como, por exemplo, por meio de golpes parlamentares, midiáticos e outras “fraudes políticas”, com o objetivo de garantir que os governos do continente estejam alinhados aos interesses estadunidenses.
“A Venezuela, junto com a Bolívia, é um dos espaços de resistência contra-hegemônica e, obviamente, isso traz todo tipo de ameaça ao projeto geopolítico [norte-americano]”, pontua.
A respeito das declarações de Pence na visita ao Brasil, o ministro de Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, publicou em sua conta no Twitter: "Quanta ironia e hipocrisia do @VP Pence, cujo governo racista separa famílias e enjaula crianças inocentes, que pretende interferir nos assuntos da nossa região. Venezuela e Brasil repudiam a presença de semelhante violador de direitos humanos de imigrantes latino-americanos".
Edição: Vivian Fernandes