A derrota por 1 a 0 para a Colômbia, nesta quinta-feira (28), eliminou o Senegal e excluiu da disputa o único técnico negro da Copa da Rússia. É a primeira vez em 36 anos que nenhuma seleção africana avança para as oitavas-de-final.
Aliou Cissé, que comanda a equipe senegalesa desde 2015, era o mais jovem entre os 32 técnicos do Mundial. A presença minoritária de negros no comando de seleções é quase uma regra nas últimas Copas: de 2002 a 2018, foram apenas oito.
Aos 42 anos, Cissé recebe o menor salário entre os 32 técnicos da Copa. Os rendimentos anuais dele são 1800% menores que os do técnico alemão Joachim Löw, de acordo com ranking elaborado pelo jornal britânico The Guardian. Assim como Senegal, a Alemanha também foi eliminada na primeira fase.
Trajetória
Ex-volante senegalês, Cissé levava a faixa de capitão na melhor campanha da seleção em Copas. Em 2002, o país chegou às quartas-de-final do Mundial sediado no Japão e na Coreia do Sul. Naquele ano, Senegal venceu a França, então campeã mundial, no jogo de estreia da fase de grupos por 1 a 0. Depois, segurou dois empates contra Dinamarca e Uruguai e conseguiu avançar. Nas oitavas-de-final, venceu a Suécia por 2 a 1 na prorrogação. Na etapa seguinte, a equipe de Cissé perdeu para a Turquia por 1 a 0 e se despediu do torneio.
Com aquela campanha, Senegal tornou-se apenas a segunda seleção africana a chegar às quartas-de-final de uma Copa, igualando o feito de Camarões, em 1990. Dois meses depois daquela campanha histórica, Cissé perdeu 11 familiares na maior tragédia naval do país. A embarcação Le Joola afundou enquanto percorria a rota Ziguinchor, que liga a região de Casamance a Dacar, capital de Senegal: 1.893 pessoas morreram.
Cissé aposentou-se em 2005 e passou a atuar como auxiliar técnico. Em 2013, comandou a equipe sub-23 de Senegal e chegou à seleção principal em 2015, depois da saída francês Alain Giresse.
Estatísticas
Jogadores negros são a totalidade em seleções como a do Senegal e da Nigéria, e também estão presentes em seleções europeias e latino-americanas, como França, Colômbia, Alemanha e Brasil. Mas quase não há espaço no comando das equipes nacionais.
Das 128 delegações que participaram das últimas quatro Copas, apenas 6,25% tinham treinadores negros:
Copa de 2002 - Três treinadores negros: Nasser Al-Johar (Arábia Saudita), Festus Onigbinde (Nigéria) e Ephraim Sono (África do Sul). Todos foram eliminados na primeira fase. Naquele ano, Cissé era o capitão de Senegal, que avançou às quartas-de-final. O treinador era branco: o francês Bruno Metsu.
Copa de 2006 - Um treinador negro: Oliveira Gonçalves (Angola). A equipe foi eliminada na fase de grupos.
Copa de 2010 - Nenhum treinador negro.
Copa de 2014 - Três treinadores negros: Sabri Lamouchi (Costa do Marfim), Stephen Keshi (Nigéria) e James Appiah (Gana). Lamouchi, da Costa do Marfim, é francês. Apenas a Nigéria avançou às oitavas-de-final.
Na Copa das Nações Africanas de 2013, o então técnico nigeriano Stephen Keshi criticou a quantidade de técnicos brancos no comando das seleções africanas: “Se você quiser trazer um treinador clássico e experiente da Europa, estou pronto para aprender com ele, porque ele sabe mais do eu, é melhor do que eu. (...) Mas não traga treinadores medíocres da Europa e diga que eles são melhores que eu. Isso eu não vou aceitar”.
Keshi também afirmou que técnicos medianos vindos da Europa aceitavam o trabalho apenas pelo dinheiro: “Enquanto isso, há jogadores e ex-jogadores africanos qualificados que são técnicos e podem fazer o mesmo, mas não lhes é dada a oportunidade porque eles são negros”. Naquela Copa das Nações, dos 16 técnicos, apenas sete eram africanos. A Seleção da Nigéria, comandada por Keshi, foi a campeã do torneio.
No Brasil
O ex-zagueiro pernambucano Lula Pereira trabalhou em mais de 20 clubes brasileiros e chegou a treinar a Portuguesa, o Flamengo e o Bahia. Desde 2012, quando deixou o cargo de gerente de futebol do Ceará, está desempregado. Na época, Lula declarou que sofria discriminação por ser negro, e disse ter ouvido de empresários que a cor da pele o impedia de liderar outros clubes do Brasil.
Na série A do Campeonato Brasileiro de 2018, apenas os técnicos Roger Machado, do Palmeiras, e Jair Ventura, do Santos, são negros. O santista é filho de Jairzinho, lenda do futebol brasileiro, conhecido como Furacão da Copa de 70.
Apenas um técnico negro passou pelo comando da Seleção Brasileira, e não teve a oportunidade de ir a um Mundial. Gentil Cardoso assumiu a equipe em 1959, foi demitido 23 dias depois e disse ter sido prejudicado na Seleção devido à cor da pele.
Sequência
A Colômbia, que eliminou Senegal ontem, enfrentará a Inglaterra nas oitavas-de-final da Copa da Rússia. O Japão, que se classificou no mesmo grupo, encara a Bélgica. Ambos os jogos acontecem na próxima terça-feira.
Acompanhe a cobertura completa do Brasil de Fato, que tem dois correspondentes no país-sede do Mundial.
Edição: Tayguara Ribeiro