Não há segundo turno: quem ganhar as eleições neste domingo (1º) receberá as chaves para governar o México por seis anos. Três candidatos estão no páreo, entre eles, Andrés Manuel López Obrador, do partido progressista Movimento de Regeneração Nacional (Morena), que tenta se eleger pela terceira vez. Seu principal concorrente é Ricardo Anaya, do Partido de Ação Nacional (PAN). Em terceiro lugar, aparece o candidato José Antonio Meade, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), o mesmo do atual presidente, o conservador Enrique Peña Nieto. Dos três, Obrador é o único que já foi o líder máximo de um cargo no Executivo, pois foi prefeito da Cidade do México (2000-2005). Já os outros dois candidatos foram deputados federais e ministros.
O Brasil de Fato conversou com especialistas e com alguns dos intelectuais mais respeitados do México para tentar entender o perfil de cada um dos candidatos, como se deram as alianças partidárias e o que está em jogo nestas eleições.
Candidato da esquerda
Líder nas pesquisas eleitorais, com 50% das intenções de votos, Andrés Manuel López Obrador, conhecido pela sigla AMLO, chegou para estas eleições com um discurso moderado, se comparado a processos anteriores, e promete fazer um governo de conciliação com diferentes setores da sociedade, a exemplo dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, no Brasil; Néstor e Cristina Kirchner, na Argentina; Rafael Correa, no Equador; e Evo Morales, na Bolívia.
Apesar de ser considerado um político de esquerda, López Obrador não vem das bases da esquerda tradicional. Ele é herdeiro político do ex-presidente Lázaro Cárdenas, que governou o país entre 1934 e 1940, o terceiro dos presidentes que sucedeu a Revolução Mexicana iniciada em 1910. Promoveu importantes reformas no Estado, como distribuição de terras para a reforma agrária, nacionalização da indústria petroleira, reconheceu direitos trabalhistas e impulsionou uma industrialização baseada na criação de empresas estatais e incentivando empresas privadas nacionais. O México chegou a ser o país mais desenvolvido da América Latina, com uma economia mais robusta que a brasileira, apesar de ser menor em território e população.
As transformações realizadas foram similares àquelas aplicadas por Getúlio Vargas, no Brasil, e Juan Domingo Perón, na Argentina, em períodos similares. Cárdenas também deixou como herança uma importante corrente ideológica. Assim nasceu o “nacionalismo revolucionário”, reivindicado por López Obrador.
Além disso, Lázaro Cárdenas ficou conhecido por abrir as fronteiras do país para receber imigrantes espanhóis, refugiados da guerra civil espanhola, entre 1936 e 1938. Milhares de espanhóis migraram para o México, incluindo comunistas, anarco-sindicalistas e intelectuais, que terminaram exercendo influência na política, na luta sindical e camponesa, assim como seus filhos e netos nos anos seguintes.
Entre os descendentes dos refugiados espanhóis estão nomes da intelectualidade mexicana, como o jornalista Luis Hernández Navarro, editor de opinião do jornal La Jornada, e o escritor Paco Ignácio Taibo II, dois grandes pensadores da esquerda mexicana. Taibo é um dos fundadores do partido de Obrador, o Morena.
O avô materno de Obrador, de quem herda o sobrenome, é um dos milhares de exilados espanhóis. Ele vinha de Cantabria, comunidade autônoma espanhola que teve um importante papel na resistência e na luta pela construção de um Estado republicano durante guerra civil da Espanha. Os republicanos da Cantabria foram derrotados em 1937 pelo exército do general Francisco Franco. Nos anos seguintes, a repressão franquista matou 2,5 mil opositores, sendo 1,3 mil por execução. Daí vem a veia política de López Obrador, que começa militando no Partido Revolucionário Institucional (PRI), em 1970, que nessa época tinha um setor de esquerda, pois era o partido herdeiro da Revolução Mexicana.
Depois, esse setor desprende do partido e de sua dissidência surge a Corrente Democrática, em 1988, liderada por dirigentes de esquerda e centro-esquerda. No ano seguinte, em 1989, essa mesma corrente funda o Partido da Revolução Democrática (PRD). Andrés Manuel López Obrador se converte em presidente em seu estado, Tabasco, e permanece nessa organização política por cerca de 25 anos, até fundar o Morena, que passou a ter registro eleitoral em 2014.
Coalizão ou conciliação
A atual coalizão que o apoia é formada pelo Morena, pelo Partido Encontro Social (PES) – uma legenda evangélica de extrema-direita –, e por uma organização de esquerda maoísta, o Partido do Trabalho (PT). “Com o PES, mantém um matrimônio eleitoral por conveniência”, afirma o jornalista Luis Hernández Navarro.
Além disso, Obrador fez alianças com setores do PRI, liderados por caciques da política mexicana, como o ex-presidente Ernesto Zedillo (governou entre 1994 e 2000), um dos homens mais influentes do México, mas que atua mais nos bastidores, segundo o pesquisador e professor de Economia Política da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) Andrés Barreda.
De acordo com Barreda, os homens mais influentes da política mexicana hoje são Andrés Manuel López Obrador, Ernesto Zedillo (PRI), Miguel Ángel Osorio Chong (PES), o ex-presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari (1988 e 1994), que já foi do PRI e hoje apoia o candidato do PAN, além do atual ministro de Relações Exteriores do México, Luis Videgaray, e, claro, o presidente Enrique Peña Nieto.
Depois de rupturas no interior do PRI e do PAN, dois deles passaram a apoiar López Obrador: Zedillo e Osorio Chong. Além disso, a coordenadora de campanha de Obrador é um antigo quadro político do PAN, Tatiana Clouthier. Para Andrés Barreda, boa parte das nomeações de seu gabinete serão resultado dessa coalizão.
No atual cenário em que o Morena lidera as pesquisas de opinião para as eleições, com o PAN em segundo lugar, Peña Nieto usa como estratégia um confronto mais direto do PRI com o PAN, posto que o candidato deste partido, Ricardo Anaya, tem como principal bandeira de campanha a investigação do atual presidente e sua prisão, caso fique provada sua culpa. Nesse contexto, a vitória de Obrador é menos problemática para Peña Nieto. Por isso existe uma espécie de cessar-fogo entre os candidatos do Morena e do PRI, José Antonio Meade Kuribreña.
Outra controvérsia da campanha de López Obrador é o anúncio do engenheiro agrônomo Víctor Villalobos como futuro ministro da Agricultura. Villalobos é defensor dos transgênicos e ex-diretor-geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), que faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA). Para equilibrar a balança, a cientista e bióloga molecular Elena Álvarez-Buylla deverá ser nomeada como futura presidenta do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (equivalente ao Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil), declaradamente contra as sementes transgênicas. Ela conduzirá as pesquisas e políticas direcionadas à produção de sementes do país.
Essas alianças acendem preocupações na esquerda, que teme que o governo de Obrador converta-se em algo próximo ao que passou no Peru de Ollanta Humala ou no Equador de Lenin Moreno.
No entanto, seu último discurso aponta outro caminho. No encerramento de campanha, López Obrador retomou algumas posições históricas defendidas por ele no passado. Prometeu que realizará uma “transformação profunda e radical” no país. “Não fizemos todo esse esforço por meras mudanças domésticas, superficiais, e muito menos para nos conformar com mais do mesmo. A quarta transformação será pacífica, mas radical", disse o candidato diante de 100 mil pessoas, no último comício no estádio Azteca, na última quarta-feira (27).
“Obrador fez esse discurso no final da campanha porque, nessa altura do campeonato, o cenário político não mudará. Se tivesse feito esse discurso mais radical no início, não estaria liderando as pesquisas. O que ele quer dizer é que, no fundo sempre foi de esquerda”, afirma o sociólogo e filósofo Armando Bartra, um dos mais respeitados intelectuais mexicanos, autor de seis livros sobre política e cultura e professor da UNAM.
Ainda que tenha alianças com partidos conservadores, Bartra acredita que Obrador tem mais condições de promover mudanças estruturais que os governos Lula e Dilma, no Brasil, que são considerados governos de coalizão. “Os governos do PT, no Brasil, tiveram que negociar com mais partidos que Andrés Manuel. Aqui, a aliança é com dois partidos, nada mais”, analisa Bartra.
Como bandeiras de campanha, Obrador promete “fortalecer a educação gratuita e a qualidade de todos os níveis de escolaridade. Haverá atendimento médico e medicamentos gratuitos”. Também falou que seu governo “respeitará todos, mas dará preferência aos pobres”. Garante que vai fortalecer a economia nacional, aumentar o número de empregos e valorizar o salário-mínimo.
Segundo o professor da UNAM Andrés Barreda, Obrador não enfrentará tantas dificuldades, porque chegará ao poder no momento de falência do neoliberalismo, nos últimos suspiros do acordo de livre comércio com os EUA e o Canadá, paralisado pelo próprio presidente estadunidense, Donald Trump.
PAN não ameaça Obrador
Em segundo lugar nas pesquisas, com 28% das intenções de voto, o Partido de Ação Nacional (PAN) está 20 pontos atrás do candidato do Morena e não chega a ameaçar a possível vitória de Obrador. Esta coalizão de centro-direita, encabeçada pelo candidato Ricardo Anaya mantém alianças com o Partido da Revolução Democrática (PRD), de centro-esquerda e antigo partido de López Obrador, e com o Partido Movimento Cidadão, que é de centro.
Com 39 anos, Anaya é o mais jovem dos candidatos mexicanos, mas representa o mais conservador dos três grandes partidos: PRI, PAN e Morena.
Advogado e ex-deputado federal, Ricardo Anaya é descrito por seus aliados como um jovem brilhante político, que se destacou dentro de seu partido por sua “eloquência”. Mas o brilho pessoal do candidato não foi suficiente para vencer as dificuldades internas do PAN.
Segundo o professor da UNAM, Armando Bartra, o PAN nasce da direita ilustrada e dos empresários mexicanos; e atualmente enfrenta uma crise. “O PAN era o partido da direita, dos honestos, dos que pensavam. Mas hoje converteu-se em um partido tão corrupto quanto o PRI. Então, o PAN perdeu o que era sua identidade”, explica o sociólogo.
Com Anaya está em jogo boa parte do futuro da direita mexicana, de acordo com o economista e cientista social Andrés Barreda, que explica as dificuldades internas do partido. “O PAN enfrenta problemas internos brutais, como nunca antes em sua história. Está desarticulado. Uma parte se aliou ao Morena, outra ficou, mas brigou com todos, e alguns foram para o PRI. Os governadores estão planejando retomar o partido depois das eleições.
Já Bartra vai mais longe e afirma que o futuro do PAN é incerto depois das eleições. “O PAN já não tem o prestígio que tinha. Terá que reinventar-se. Porém, não é fácil reinventar uma direita. Teria que ser uma direita pós-neoliberal como a de Marine Le Pen [política de extrema-direita francesa] ou a de Donald Trump”, destaca.
Governo em terceiro
O PRI é o partido mexicano que governou o país por mais tempo. Chegou a estar no poder por 70 anos consecutivos, entre 1929 e 2000, e nos últimos 20 anos revezou a presidência com o PAN. Apesar do histórico, o PRI chega em 2018 com um tímido terceiro lugar nas pesquisas eleitorais. O economista e advogado José Antonio Meade, candidato à presidência, tem o apoio do PRI, mas não é um quadro do partido, e também tem alianças com o Partido Verde Ecologista Mexicano e com o Partido Nova Aliança (Panal), todos de centro-direita.
Meade foi ministro por diversas vezes, tanto nos governos de Felipe Calderón (2006-2012) quanto no de Enrique Peña Nieto (desde 2012), porém não era uma pessoa que figurava entre os personagens políticos mais conhecidos do país.
O fato de um partido como o PRI lançar um candidato que não vem de suas bases mostra o tamanho da crise que enfrenta, na opinião do escritor e sociólogo Armando Bartra. “Os partidos tradicionais estão falidos. Quando você chega ao ponto de ter que lançar como candidato alguém que não é do partido, quando o PRI é o partido de governo nesse momento, que governou por quase cem anos, isso quer dizer que o PRI está destruído. O partido histórico, dono do México, ter que lançar alguém que não é do partido. Esse é o primeiro fracasso”, avalia.
Bartra destaca ainda que as bandeiras levantadas pelo candidato expuseram as debilidades do PRI. “É um candidato que tem que dizer ‘sou honesto’. Quando um partido tem que lançar alguém cuja bandeira é que ‘sou honesto’, é porque a coisa está feia. Todo mundo sabe que o PRI é um ninho de ratos. Então, lançam alguém que não é do partido e que é 'honesto'. Além disso, ele é um tecnocrata, ou seja, um bom administrador. Todas essas bandeiras não garantiram nem sequer o voto duro do PRI [para Meade]”, ressalta.
Lançar um candidato desconhecido e que não é do partido pode custar caro. “O PRI tomou uma decisão absolutamente suicida. Foi uma aposta para subir nas pesquisas e fracassou totalmente”, acredita o professor Armando Bartra.
Racha no maior partido do México
O pesquisador da UNAM Andrés Barreda, que acompanha os bastidores da política mexicana, conta como começou a crise dentro da maior força política do país e a origem das divisões internas do partido. A sementinha do mal que dividiu o PRI teria surgido ainda durante a campanha presidencial dos Estados Unidos, em 2016. O presidente Enrique Peña Nieto, assessorado pelo atual ministro de Relações Exteriores, Luis Videgaray, trouxe para o México o candidato Donald Trump, que estava em campanha. Nessa época, Videgaray era ministro da Fazenda.
“A ex-candidata à presidência dos EUA Hillary Clinton ficou enfurecida, assim como o ex-presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari [1988 e 1994], também do PRI, porque sabiam que Trump significava o fim do livre comércio”, explica Barreda.
Salinas, outro líder importante do partido, responde a Enrique Peña Nieto e ao ex-presidente Ernesto Zedillo (1994 e 2000) – uma espécie de caudilho mexicano e um dos fiadores políticos de Peña Nieto – escrevendo o livro "Aliados y adversarios TLCAN 1988-2017", fazendo a defesa mais aguerrida que jamais havia feito do livre comércio.
O grupo de Peña Nieto e Luis Videgaray avaliava que a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos abriria mais possibilidades políticas, já que Videgaray é muito amigo de Jared Kushner e Gary Cohn, que conduziram os assuntos econômicos da Casa Branca no início do governo Trump.
“Videgaray trabalhou em Wall Street [bolsa de valores de Nova Iorque], então pensaram que essas relações e afinidades bastavam para governar. Peña Nieto e Videgaray já não necessitavam da aliança com Salinas e com o grupo Hidalgo [grupo político do estado de Hidalgo, liderado pelo ex governador Miguel Ángel Osorio Chong, ex-ministro do Interior do governo de Peña Nieto, e atual apoiador de López Obrador]”.
Neste momento, o presidente rompe o pacto político e a aliança com o então ministro do Interior, que no México equivale ao cargo de vice-presidência da República. Peña Nieto decide colocar como candidato à presidência um político do grupo de Videgaray. Assim, surge o nome de José Meade Kuribreña.
Mas o cenário muda quando Trump chega ao poder e paralisa o acordo de livre comércio com o México e o Canadá. “Tudo isso não seria possível se Trump não tivesse abandonado o tratado de livre comércio, o que abriu uma crise política entre os caciques políticos do PRI”, afirma Barreda.
O rompimento do tratado aumenta a fenda que separava os líderes da oligarquia mexicana. Depois da fratura entre líderes do PRI, Peña Nieto também é obrigado a romper com o governo Trump devido à sua política migratória contra mexicanos e a taxação a produtos que o México exportava aos Estados Unidos. A defesa de Trump tornou-se impossível. Peña Nieto se vê isolado e um de seus principais aliados, o ex-presidente Ernesto Zedillo, passa a apoiar a candidatura de Andrés Manuel López Obrador.
“Naquele momento, Salinas alia-se ao PAN e lança Ricardo Anaya. Por outro lado, Osorio Chong decide atacar o presidente, cria o Partido Encontro Social (PES) e alia-se à campanha de López Obrador, negociando com o Morena as vagas no Congresso, através da lista plurinominal”, analisa Barreda.
No México os deputados são votados de duas formas. Uma delas é a candidatura por voto direto e a outra são listas dos partidos que corresponde a uma porcentagem de vagas no Congresso. Segundo a Constituição do México, 200 deputados, de um total de 500, devem ser eleitos através dessa lista estabelecidas pelos partidos.
Na coalizão da campanha de López Obrador, 50% das vagas da lista plurinominal serão do Morena, 25% do Partido do Trabalho (PT) e 25% do PES. Osorio Chong vai ser o líder da bancada no Congresso, porque além do PES, possivelmente vai liderar o PRI, de Peña Nieto, no Congresso.
Impactos de uma possível vitória de Obrador
Segundo a avaliação dos especialistas consultados pelo Brasil de Fato, os empresários mexicanos tentaram forçar uma aliança PRI mais PAN, mas não conseguiram. “Porque se não ganhassem juntos iriam afundar juntos. Se o PRI não pudesse ter seu candidato em um terceiro lugar digno, ele iria desaparecer como partido. Mas já não oferecem uma alternativa”, afirma Bartra. Ele explica ainda que, de agora em diante, pode acontecer muita coisa, mas uma só é certa: “O México não regressará ao velho sistema de partidos como foi em todo o século. O retorno aconteceu há seis anos, com a eleição do PRI, e fracassou”, diz o professor.
A maior preocupação do Morena, afirma Bartra, é o possível surgimento de movimentos sociais de direita, como aconteceu no Brasil. “O México nunca teve movimentos controlados pela direita. O que a direita mexicana terá que fazer é impedir que governe um governo progressista como o de López Obrador. E terá espaço para isso, porque haverá expectativas que não vão cumprir-se”, ressalta. Para Bartra, isso pode significar bloquear, sabotar, fazer a vida impossível a um governo.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira