Em meio às tentativas do governo de Michel Temer (MDB) de agilizar a votação de medidas de caráter neoliberal, a Câmara dos Deputados, na noite desta quarta-feira (4), aprovou, atropelando os trâmites regimentais, uma proposta que privatiza seis distribuidoras públicas da Eletrobras e tramitava na Casa há 28 dias.
Com 329 parlamentares presentes, 203 votaram favoravelmente ao projeto, 123 votaram contra e três se abstiveram. A votação dos destaques (sugestões de alteração) deverá ocorrer na próxima semana.
O texto aprovado é um substitutivo do deputado Júlio Lopes (PP-RJ) para o Projeto de Lei (PL) 10.332/18, que formaliza a venda das seguintes empresas públicas: Amazonas Energia; Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron); Companhia de Eletricidade do Acre (Eletroacre); Companhia Energética de Alagoas (Ceal); Companhia de Energia do Piauí (Cepisa); e Boa Vista Energia, que atua em Roraima.
De autoria do Poder Executivo, o PL 10.332 chegou à Câmara dos Deputados no dia 6 de junho e foi encaminhado para duas comissões legislativas, mas não chegou a ser debatido nos colegiados. O governo conseguiu atropelar os trâmites e votou, nessa terça-feira (3), um requerimento de urgência para que a matéria fosse votada diretamente no plenário.
A iniciativa deu o tom das críticas da oposição, que acusou a base aliada do Planalto de fazer uma manobra no regimento da Casa para priorizar a apreciação do PL.
“O governo faz qualquer negócio, inclusive rasgar o regimento interno, atropelando os trâmites democráticos que a Casa deveria manter, pra facilitar o saneamento e a posterior privatização das distribuidoras a toque de caixa”, criticou Alessandro Molon (PSB-RJ).
O PL 10.332/18 resgata trechos da Medida Provisória (MP) 814/17, que tinha conteúdo semelhante, mas não conseguiu ser aprovada. A matéria perdeu a validade no último dia 11 sem ser votada nas duas casas legislativas do Congresso.
Dissidências
A forte resistência da oposição em relação à matéria foi a marca da sessão desta quinta-feira (4), que contou com diferentes tentativas de obstrução da pauta.
Por conta da dificuldade de aprovar o projeto de lei, o governo optou por um pedido de urgência baseado em votação com maioria simples, e não com maioria absoluta. Neste último, seria preciso contabilizar 257 votos favoráveis à proposta, enquanto no outro modelo a matéria poderia ser aprovada com quórum de 257 presentes, bastando apenas que a maioria numérica desse total (129) votasse a favor.
“O governo atual, com toda a sua ilegitimidade, é voraz, tem pressa porque há uma cultura de reação da população muito grande, portanto, a impopularidade leva a essa celeridade”, bradou o líder do PSol na Casa, Chico Alencar (RJ).
Relatório
Durante a sessão, o deputado Júlio Lopes (PP-RJ) apresentou três pareceres sobre o PL, em nome de três diferentes colegiados da Casa: Comissão de Constituição e Justiça (CCCJ), Comissão de Minas e Energia e Comissão de Finanças e Tributação.
Ele defendeu a aprovação do projeto, argumentando que a medida seria constitucional e estaria adequada do ponto de vista financeiro e orçamentário. Os pareceres correspondem ao voto do relator (ou “relatório”), que serve de orientação aos demais parlamentares.
Nos bastidores, deputados se queixavam que, por conta tramitação de urgência, só tiveram acesso ao documento momentos antes da votação.
“Quando eles aprovam o regime de urgência, a discussão sai das comissões e perde profundidade. É uma discussão absolutamente superficial. Nós não sabemos se ele [o relatório] tem armadilhas, se ele alarga o caráter entreguista do próprio governo”, destacou a coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Elétrico, deputada Erika Kokay (PT-DF).
Antes da votação do PL, uma outra votação evidenciou o interesse dos governistas em agilizar o trâmite da matéria: um requerimento apresentado por líderes partidários pedindo o encerramento do debate e o encaminhamento da votação obteve 227 votos favoráveis e apenas 32 contrários, com uma abstenção.
Sociedade civil
Representantes da sociedade civil organizada que atuam no movimento de combate à privatização da Eletrobras também se queixaram da velocidade da votação.
Fabíola Antezana, do Comitê Nacional dos Eletricitários, que acompanha as articulações sobre a estatal dentro do Legislativo, afirmou que o grupo não foi ouvido pelos deputados para opinar sobre a proposta nas últimas semanas, após o envio do projeto de lei à Câmara.
O Comitê reúne diversas federações e sindicatos representativos dos trabalhadores da empresa. “A gente foi pego de surpresa. O debate de uma questão muito técnica fica pautado única e exclusivamente pela questão política, o que é muito complicado. Você tem que ter uma visão mais ampla do processo”, defendeu Fabíola.
Depois da votação dos destaques do PL, o texto aprovado pela Câmara segue para o Senado.
Edição: Nina Fideles