A Copa do Mundo 2018 termina neste domingo (15) com a disputa de uma final inédita entre França e Croácia. Os quase dois milhões de turistas que vieram à Rússia para assistir aos 64 jogos puderam conhecer estradas, aeroportos, regiões e municípios transformados para receber o Mundial. Foram sete novas arenas e outras cinco reformadas, em 11 cidades-sedes.
Longe dos holofotes, operários trabalharam noite e dia, em meio ao frio extremo do inverno russo, para fazer a Copa acontecer. Daqui a três anos, outros milhares de trabalhadores vão entregar arenas ainda mais modernas sob o sol escaldante do Catar, sede da próxima Copa, em 2022.
Estrutura precária
Violações de direitos humanos parecem ser inerentes à realização de megaeventos esportivos sob a batuta da Federação Internacional de Futebol (Fifa).
Organizações como a Human Rights Watch, que realiza pesquisas sobre direitos humanos, e o Building and Wood Workers’ International Trade Union (Sindicato Internacional dos Trabalhadores da Construção Civil e Madeira) afirmam que 21 operários morreram durante as obras dos estádios desta Copa. No Mundial do Brasil, quatro anos atrás, foram nove trabalhadores mortos, dos quais sete eram terceirizados. A edição anterior, na África do Sul, contabilizou dois óbitos.
A estrutura precária de moradia e o trabalho exaustivo a temperaturas inferiores a -25ºC, sem a devida proteção, causaram a maior parte dos óbitos. Quedas dos elevadores de serviço ou da parte superior das arenas foram as outras duas causas mais recorrentes.
As organizações acompanharam a construção das arenas em sete cidades-sede na Rússia e identificaram atrasos de até cinco meses no pagamento dos salários, além de falta de contrato de trabalho e condições insalubres.
Confira na lista abaixo as cidades que tiveram ao menos uma morte de trabalhador nas obras da Copa da Rússia:
São Petersburgo: 8 mortes
Volgogrado: 5 mortes
Nizhny Novgorod: 4 mortes
Sochi: 2 mortes
Rostov-on-Don: 1 morte
Saransk: 1 morte
Um relatório divulgado em maio deste ano pela Human Rights Watch mostra que operários foram ameaçados ou demitidos por protestarem contra as condições insalubres de trabalho e o atraso nos pagamentos. Greves de trabalhadores foram registradas em Moscou, São Petersburgo, Kaliningrado, Rostov-on-Don e Nizhny Novgorod.
Vista grossa
A FIFA foi comunicada várias vezes sobre as violações de direitos humanos durante a construção dos estádios da Copa. Por meio de notas, a entidade respondeu que havia criado comissões especializadas no tema e que fazia vistorias constantes para garantir condições de trabalho adequadas aos operários.
As organizações afirmam que a entidade máxima do futebol falhou em vigiar e prevenir os abusos e a exploração dos trabalhadores da Copa. Elas também alegam que a Fifa nunca se pronunciou publicamente sobre o assunto, o que poderia ajudar a pressionar as construtoras a oferecerem melhores condições de trabalho.
Com o fim do Mundial da Rússia, Gianni Infantino, presidente da FIFA, deve começar a preparar em breve as notas para explicar as mortes de operários no próximo país-sede.
Falta transparência
O último relatório divulgado sobre óbitos em obras da Copa de 2022, no Catar, mostra que 1,2 mil operários morreram em decorrência de acidentes de trabalho. As informações, de 2014, são da Internacional Trade Union Conference (Confederação Internacional da União dos Trabalhadores), entidade presente em 155 países.
Como falta transparência na divulgação dos dados, é difícil estabelecer uma comparação com os números das últimas Copas. Os números referentes ao Mundial do Catar estão desatualizados e se referem à totalidade das obras de infraestrutura para o torneio e não apenas à construção de estádios.
O governo do Catar afirma que, até o final deste ano, 36 mil trabalhadores estarão dedicados aos preparativos para o Mundial. Até a bola rolar, o número de óbitos deve chegar a quatro mil, conforme estimativa das organizações de direitos humanos. Se metade dos acidentes fatais ocorrer nas obras de estádios, o número de mortes será 100 vezes maior que na Copa da Rússia.
Kafala
A maior parte dos trabalhadores são migrantes. De acordo com dados do governo do Catar, de 2015, 85% da população economicamente ativa do país é nascida fora do país. São 1,6 milhão de trabalhadores oriundos de nações do Sul da Ásia, como Índia, Nepal, Sri Lanka e Bangladesh, e da África, como Quênia e Nepal.
Além das condições precárias de trabalho, situação comum aos trabalhadores da Rússia e do Brasil, os operários do Catar e de países vizinhos enfrentam um sistema que especialistas em direito do trabalho chamam de “escravidão moderna”: o kafala.
Em árabe, kafala quer dizer "tutela". O imigrante chega ao Catar com a ajuda de um “tutor”, que se torna responsável pelo visto e por todos os documentos para regularização no país. Com isso, o operário tem o passaporte retido pelo empregador e precisa trabalhar mais de 12 horas por dia para pagar os custos ao seu tutor. Nesse sistema, o trabalhador só pode sair do país ou trocar de emprego com a autorização do responsável.
Questionado sobre o assunto em entrevistas coletivas, Infantino declarou que o Catar está mantido como sede da Copa de 2022 e que a Fifa não pode ser responsabilizada pela maneira como um país lida com seus operários.
Edição: Tayguara Ribeiro