Apenas um em cada quatro paulistanos enxerga o uso das Forças Armadas como solução para a região chamada Cracolândia, no centro da cidade de São Paulo (SP), conhecida pela cena pública de uso de crack e outras substâncias.
Os dados da pesquisa Assistência Social na Cidade, lançada nesta quarta-feira (18) pela Rede Nossa São Paulo, mostram que apenas 23% dos paulistanos apoiam uma intervenção do Exército no local.
Em contrapartida, 59% dos entrevistados responderam que o combate ao tráfico de drogas é a principal medida a ser adotada na Cracolândia. Em seguida, o desenvolvimento de políticas públicas integradas a diversas áreas, como saúde e assistência social, foi lembrado por 53% dos entrevistados.
O coordenador da Rede Nossa São Paulo, Américo Sampaio, afirma que a pesquisa revela a tendência da população em apoiar programas mais humanizados.
“Com relação à Cracolândia, a população entende que as saídas ali tem relação com política de atendimentos assistenciais e o combate ao tráfico de drogas. É claro que o combate ao tráfico de drogas tem relação com segurança pública. Mas, no geral, o paulistano entende que o combate ao tráfico, junto com políticas socioassistenciais é o caminho para reduzir o problema”, disse.
A coordenadora do centro de convivência É de Lei, a psicóloga Maria Angélica Comis, pondera, no entanto, o combate ao tráfico, mencionado por mais da metade dos entrevistados, como solução em uma das regiões mais policiadas do município.
“Tendo em vista que o tráfico é o delito que mais encarcera as pessoas no Brasil, eu acho não é o caminho. Esse combate ao tráfico foi mencionado por maior parte das pessoas mais velhas e com a renda mais baixa. Agora, a intersetorialidade que aparece em segundo lugar é fundamental é o que nós defendemos. Defender que exista a moradia, o atendimento psicossocial e a intersetorialidade é fundamental”, pontua.
Desmonte da intersetorialidade
Maria Angélica Comis, que participou do programa De Braços Abertos durante a gestão do ex-prefeito petista Fernando Haddad, acompanha os desdobramentos na Cracolândia com preocupação.
"Pelo menos nas últimas três ou quatro semanas, aumentou o conflito entre a Guarda Civil Metropolitana e os usuários. É muito comum vermos, tanto nos momentos de limpeza quanto algumas situações que geram algum tipo de conflito, os guardas provocando os usuários, chamando eles de lixo, de nóia. E isso é inconcebível”, denuncia.
Coletivos que atuam na região, como A Craco Resiste, também têm alertado para a intensificação de abordagens policiais no bairro.
No sábado (14), um homem em situação de rua faleceu na região da Cracolândia. Moradores relatam que policiais militares atiraram balas de borracha, gás lacrimogêneo e não prestaram atendimento ao rapaz. A Secretaria de Segurança Pública nega a ação policial e a omissão de socorro.
Comis cobra a implementação de uma agenda interdisciplinar na região. “A gente entende que esse trabalho do estado é ineficaz porque ele só vulnerabiliza muito mais as pessoas, os trabalhadores do território e os moradores daquele bairro”, diz a psicóloga.
“As pessoas que foram retiradas dos hotéis, que disseram que foram encaminhadas para os centros temporários de acolhimento, estão de volta às ruas. Então, isso é muito complicado porque essa intersetorialidade não está sendo realizada de maneira efetiva”.
O programa De Braços Abertos, que tinha foco na redução de danos e trabalho interdisciplinar com os usuários, foi substituído pelo programa Redenção no início da gestão João Doria (PSDB), no ano passado.
Em maio de 2017, após uma megaoperação com efetivo de 900 policiais e uso de truculência com os usuários, o tucano chegou a afirmar que a Cracolândia havia acabado. Na época, a secretária municipal de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra, pediu demissão do cargo.
Percepção dos paulistanos
A pesquisa Assistência Social na Cidade também questionou os entrevistados sobre políticas para pessoas em situação de rua, para crianças e adolescentes, violência doméstica e a implementação da renda básica.
Américo Sampaio destaca que o estudo mostra que os o paulistanos estão dispostos a apoiar políticas sociais para populações em vulnerabilidade.
“Esse tipo de medidas mais conservadoras, medidas que de alguma forma desumanas são medidas que têm pouco apoio da população. A população aposta mais, com relação a vulnerabilidade, em elementos como políticas socioassistenciais”, reitera.
Em relação a pessoas em situação de rua, por exemplo, a pesquisa indica que, entre as principais medidas apoiadas, estão a ampliação dos Centros de Acolhida, os Centros de Acolhida Especiais e Centros Temporários de Acolhimento (37%); oferecimento de cursos de capacitação profissional para que possam atuar no mercado de trabalho (34%); e a criação de medidas que incentivem a contratação dessas pessoas por empresas e comércios (30%). Intensificar a política de recolhimento de cobertores, roupas e outros itens que pertencem a esta população foi mencionado por apenas 4% dos entrevistados.
“De alguma forma, o imaginário do paulistano relaciona a população em situação de rua também com falta de oportunidade de trabalho para essa população poder se inserir no mercado de trabalho, ter uma remuneração, renda e etc. Então, medidas como retirar os pertences da população em situação de rua, coisa que a Prefeitura vinha fazendo a pouco tempo atrás, é a medida que tem menos apoio na visão dos paulistanos”, afirma Sampaio.
O estudo Assistência Social na Cidade integra o projeto Viver em São Paulo, parceria entre o Sesc e com o Ibope Inteligência para capturar a percepção dos paulistanos sobre temas relacionados à cidade. A pesquisa na íntegra pode ser conferida neste link.
Edição: Juca Guimarães