A mulher negra sempre esteve presente na luta do povo negro. Sua força, talento e participação na construção desse país, desde a ancestralidade, passando por toda a História oficial — contada pela oligarquia branca, que não deu chance à narrativa feminina —, forjou um Brasil criado e temperado pela sabedoria da mulher negra. Na Paraíba, há diversas atividades culturais e expressões artísticas oriundas da cultura afrodescendente. Embora a história da população negra ainda seja relegada aos guetos, a arte rompe muros em busca do seu espaço. Essas mulheres atuantes trazem a força da cultura para exercer cidadania e perpetuar a luta contra o racismo e o machismo.
O Coco de Roda Novo Quilombo, da comunidade quilombola de Gurigi, no Conde (PB), celebra, em meio ao batuque dos tambores, uma história de luta, resistência e identidade. Ana do Ipiranga é Mestra do Coco de Roda e comenta que a cultura popular da Paraíba é muito rica, apesar de massacrada. “Não vai se acabar nunca. Deveria estar sendo mais bem cuidada, mas infelizmente não é. A gente está aqui insistindo porque está no nosso sangue, é uma coisa que vai morrer com a gente e outras pessoas vão seguir essa nossa caminhada”. Segundo Ana, o coco de roda é uma dança originária da África, que veio com os negros. A palavra não vem do fruto, mas da tradição de tirar a música da cabeça, do "quengo", do coco, no improviso.
Segundo a historiadora feminista Alessandra Araújo, a Cultura negra marca a identidade brasileira com toda a sua influência sobre o corpo, a dança, a religiosidade e crenças, além de ser uma expressão da resistência negra, de afirmar uma identidade negra e de trazer sempre à tona a ancestralidade, seus traços que vieram nas memórias. "A cultura negra demarca a resistência. É por isso que ela é tão importante, porque não é só uma mística, mas sim um dado importante sobre a experiência da opressão no Brasil. Ela também traz a musicalidade, o fogo vivo, criador da vida, comunitário, da dança, da roda, da criatividade”.
Dandara Alves é sambista e intérprete de samba. Segundo ela, as mulheres do samba tiveram muita importância para que o ritmo existisse e chegasse até os dias de hoje. “Eu acredito que as mulheres vêm galgando esse caminho desde muito tempo e talvez agora esses frutos estejam aparecendo com mais força. Ainda são raros postos de destaque, por exemplo, nas Escola de Samba, onde temos poucas mulheres em postos altos, na direção”. Graças a essas mulheres, hoje se vê um momento de florescimento de mulheres compositoras: “inclusive, no Nordeste, há um número enorme de cantoras e compositoras. É uma semente que a gente deixa para as novas gerações, essa clareza de que a mulher pode ser o que ela quiser e ocupar o espaço que ela achar que deve", afirma.
De fato, como em várias culturas tradicionais onde as mulheres têm esse papel, as negras sempre foram as grandes guardiãs da memória, da cultura, dos saberes. "Temos as mulheres como guardiãs e protagonistas na cultura, comida, música; e na Paraíba temos várias expressões de resistência, como a Gertrudes Maria, e no repente temos a Chica Barrosa, com várias histórias famosas", complementa Alessandra, que também é colaboradora da ONG de mulheres negras em João Pessoa, a Bamidelê.
Fernanda Ferreira é atriz e ativista negra. Veio de Minas e, na juventude, enveredou por um grupo cultural que manejava a cultura afromineira, além de beber da cultura negra do Nordeste como coco, maracatu e tambor de crioula. Para ela, o teatro foi a forma como se encontrou enquanto pessoa e mulher negra: “o teatro foi a forma de expressão que eu consegui transpor, falar, dizer, gritar, dançar, me expor sobre todas as questões que perpassam as violências, as violações de diretos, a existência do ser negra. Foi através do teatro que eu consegui me ver enquanto ser humano, atuando e existindo de forma plena e digna numa sociedade que só nos menospreza, nos diminui. O teatro foi a minha estratégia de subverter essa ordem branca capitalista, representar todas essas identidades complexas”, revela a atriz.
Edição: Homero Baco