Quase a metade dos deputados federais eleitos em 2014 são herdeiros políticos, ou seja, foram eleitos graças ao capital político de parentes diretos que já ocupavam algum cargo eletivo. O levantamento foi feito pela Organização Não-Governamental Transparência Brasil logo após as eleições legislativas e revelou um aumento de 5% do número de herdeiros políticos eleitos, em comparação ao pleito de 2010. No Senado Federal, a proporção é ainda maior: seis de cada dez senadores fazem parte de clãs familiares.
“A transferência de poder de uma geração a outra de uma mesma família tanto é uma forma de manter no cenário político figuras tradicionais já desgastadas – muitas das quais chegam a ser rejeitadas pelas urnas – como uma maneira de perpetuar práticas políticas arcaicas, que garantem a defesa dos interesses de determinados grupos locais e dificultam mudanças”, destaca o documento.
A diretora de operações da ONG responsável pelo estudo, Juliana Sakai, explica que a iniciativa buscava fazer uma radiografia dos quase 600 parlamentares, entre deputados e senadores, sobre vários aspectos, como a assiduidade ao trabalho e os perfis de projetos apresentados. Mas a genealogia dos representantes foi o que chamou a atenção.
“A partir desse levantamento feito naquela época, nós fechamos o quadro do que eram os clãs políticos. E algo interessante que vimos é que existia um percentual muito alto desses clãs dentro do Congresso, particularmente no Senado. E a gente vê que existem uma série de fatores que ajudam um determinado político a se eleger ou a se reeleger. E a família política, o clã político é um desses fatores”.
Para Ricardo da Costa Oliveira, professor de sociologia política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a estrutura político-eleitoral do Brasil é permissiva a esse tipo de situação.
“O Brasil é uma república do nepotismo, entendendo o nepotismo como uma relação entre parentesco e poder político”.
Segundo Oliveira, é preciso ‘entender a influência das famílias políticas e sua lógica de riqueza e poder’ para compreender a história da política brasileira. “Isso aumentou exatamente devido ao controle que estas famílias políticas possuem sobre todas as instituições políticas no Brasil e até ajuda a explicar o golpe de 2016, que foi um golpe destas famílias políticas, dessas oligarquias familiares. E elas controlam de maneira substantiva, e muito mais depois do golpe, o Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, tribunais de contas, a grande mídia, que é toda dominada por interesses familiares, e grande parte do empresariado brasileiro também é formado por estas mesmas famílias”.
De acordo com o relatório da Transparência Brasil, as regiões com maior quantidade de representantes com herança política na Câmara dos Deputados são o Nordeste e o Norte, com 63% e 52%, respectivamente. Já no Senado, Sul, Sudeste e Centro-oeste lideram com 67% de políticos herdeiro em cada região. O que demonstra que se trata de um fenômeno nacional.
De acordo com o levantamento, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB, ex-PMDB) é o partido com a maior quantidade de deputados e senadores eleitos com parentes na política. O Partido dos Trabalhadores (PT) é a legenda com o percentual mais baixo de herdeiros políticos, com 27%.
Um caso emblemático das dinastias parlamentares vigentes até os dias de hoje é o deputado federal por Minas Gerais, Bonifácio de Andrada (PSDB). No seu décimo mandato legislativo, ele garante a permanência da família há cerca de dois séculos. Ele é descendente direto de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), membro de uma tradicional família da aristocracia portuguesa e importante figura política do período colonial, tendo exercido papel decisivo no processo de independência do Brasil.
Um aspecto que chama a atenção é o caráter conservador dos políticos herdeiros. Andrada, por exemplo, foi favorável ao golpe de estado, votando a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Mais tarde, votou pela rejeição das duas denúncias apresentadas pelo Ministério Público contra o presidente Michel Temer. E também se posicionou favorável ao projeto de redução da maioridade penal e à emenda constitucional 95, que congelou os investimentos públicos pelos próximos 20 anos.
Perspectivas para 2018
Uma combinação certeira para a vitória eleitoral de um candidato, principalmente no Poder Legislativo, é o capital político herdado e uma capacidade financeira para custear a campanha eleitoral, já que as doações empresariais de campanha estão proibidas, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Existe uma relação bastante forte, como é de se esperar, entre financiamento eleitoral e quantidade de votos. Ou seja, você precisa de um recurso significativo para conseguir se eleger ou se reeleger. Ai agora a gente tem um cenário onde os recursos são mais limitados e quem tem mais poder para repassar esse dinheiro são os partidos. Então você vai ter uma parte do fundo eleitoral que são dos partidos e quem define para quem vai são os ‘donos’ desses partidos”, afirma Sakai.
Para o cientista político e assessor parlamentar Enrico Ribeiro, as reformas eleitorais realizadas em 2015 e 2016 serviram justamente para garantir a manutenção dos parlamentares em seus cargos, principalmente graças ao sistema de distribuição do Fundo Especial para Campanhas Eleitorais, que tem um valor superior a R$ 1,7 bilhão nas eleições de 2018. Segundo a regra, 98% dos recursos serão destinados às legendas de acordo com a atual representação no Congresso Nacional e a distribuição interna dos recursos ficará a cargo dos líderes das legendas.
“Essa distribuição, da forma como foi feita, nitidamente, é para garantir que a maior parte dos recursos sejam encaminhados àqueles partidos que tenham as maiores bancadas. Então você acaba fazendo com que haja pouca perspectiva de mudança na correlação de forças partidárias para o ano que vem. A reforma eleitoral veio para tentar fazer com que se preservasse o mandato daqueles que já estão no cargo”.
Segundo o professor Ricardo Oliveira, as reformas eleitorais realizadas nos últimos anos não impede a influência do poder econômico nas eleições, pelo contrário, dá mais poder às oligarquias políticas que controlam o funcionamento interno dos partidos. E lembra ainda a reputação nada ilibada daquele que liderou o conjunto de reformas.
“Então essa é uma eleição para uma plutocracia. Quanto mais rica a família política, maiores as chances de elegibilidade, tanto na questão do financiamento, na questão do horário eleitoral gratuito… Na verdade, quem fez toda essa reforma foi o Eduardo Cunha!”
Nas eleições de 2018, além dos cargos de presidente e vice-presidente da República serão eleitos os 513 representantes da Câmara dos Deputados, 54 dos 81 senadores, além dos governadores dos 27 estados mais o Distrito Federal e suas respectivas assembleias legislativas. As eleições ocorrerão no dia 7 de outubro, em primeiro turno, e no dia 28 do mesmo mês, o segundo turno.
Edição: Juca Guimarães