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Oficina capacita jornalistas em Belém sobre migração no país

A desinformação sobre o tema na imprensa é um dos pontos que tem contribuído com a criminalização de venezuelanos

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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Foi indentificado em matérias jornalistícas termos pejorativos e uso de poucas fontes para contextualizar e ampliar o debate sobre o tema
Foi indentificado em matérias jornalistícas termos pejorativos e uso de poucas fontes para contextualizar e ampliar o debate sobre o tema - EBC / Reprodução

A cobertura da imprensa sobre migrantes no Brasil, sobretudo venezuelanos, tem se caracterizada pelo generalismo e uso de termos pejorativos; que muitas vezes levam a uma abordagem de criminalização de uma população inteira.

Estes foram alguns dos pontos apresentados pela Rede de Capacitação a Refugiados e Migrantes durante oficina Imprensa no Combate à Xenofobia Contra Refugiados e Migrantes para jornalistas de diversos veículos de comunicação e de órgãos de assessoria de imprensa nesta terça-feira (24) em Belém.

A Rede de Capacitação a Refugiados e Migrantes é composta pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), pela Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), pela Defensoria Pública da União (DPU), e pelas organizações Conectas Direitos Humanos e pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH).

O evento ocorreu no auditório do Ministério Público Federal (MPF), foi a primeira oficina da missão e teve como objetivo oferecer mais ferramentas aos jornalistas para noticiar essas questões. Segundo a Rede, ainda se pretende realizar em outras cidades, mas ainda está sendo planejado. O procurador Regional da República, João Akira Omoto, diretor-geral da ESMPU, falou que é preocupante como alguns veículos de comunicação abordam o tema e divulgam informações equivocadas.

Ele pondera que como o país registra raros casos de migração recente na história existe pouca experiência e com isso não está “acostumado a lidar com esses processos”. O procurador ainda destaca que a entrada de venezuelanos em território brasileiro, por exemplo, é mínima quando comparado aos grandes fluxos de migrantes em outras partes do mundo e avalia que a causa maior do impacto que tem sido gerado no país sobre as políticas públicas é “o nosso despreparo” e argumenta.

“Porque não temos uma política adequada para tratar essa questão e por não termos tratamos mal e informamos mal a população e piora muito mais quando levamos informações ruins, informações equivocadas e o que é pior muitas vezes desinformação. Passamos uma visão xenofóbica, passamos uma visão que reforça estereótipos e que não correspondem à realidade, reforçando consequentemente a questão da discriminação contra essas pessoas”, diz João Akira.

A proposta da oficina é que também seja realizada em outras cidades, a pauta ainda está em planejamento pela Rede / Foto: Graziane Madureira - Ascom Escola Superior do Ministério Público da União

Ainda durante o evento foi apresentado alguns dados sobre a imigração de venezuelanos, grande parte tem entrado no país por Roraima. Segundo a Polícia Federal atualmente existem 56.740 imigrantes no estado. Em Belém (PA) há 236 indígenas venezuelanos da etnia Warao.
Sobre a cobertura da imprensa brasileira Leonardo Medeiros, coordenador de comunicação da ONG Conectas Direitos Humanos, disse que a mídia tem apresentado os venezuelanos ligados a pautas negativas.

“Na questão específica da migração venezuelana o que a gente vem se deparando normalmente é com o excesso de criminalização das pessoas, então o migrante é visto, basicamente, como alguém que está trazendo problemas, nunca que pode trazer soluções”, conta Medeiros.

Ele pontuou ainda erros comuns em matérias de alguns órgãos de imprensa como a confusão de conceitos entre migrantes, refugiados e exilados políticos. No caso de pessoas reconhecidas como refugiadas são aquelas que sofrem perseguição em razão de questões de raça, religião, nacionalidade, pertencer ao um grupo social ou opinião política, assim como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados.

Outro exemplo apresentado por ele em matérias jornalísticas é o uso de termos pejorativos, principalmente no que tange aos indígenas venezuelanos, o que gera um grave problema, porque, segundo ele “estigmatiza todo uma população”. O uso de dados e números de forma enviesada sobre os imigrantes também tem colaborado com a criminalização da população e cria uma visão que eles contribuem com os problemas sociais do país e exemplifica.

“Nós nos deparamos com matérias que dizem: de um ano cresceu de 5 para 60 o número de presos venezuelanos. Estamos falando de um presídio que tem, isso em Roraima, em um presidio num universo de mais de duas mil pessoas. É representativo esse número de 60? É um crescimento que realmente vale a pena? Então porque a gente escolhe, na nossa função enquanto jornalista, e eu também sou jornalista, destacar essa informação de cinco para 60? Porque existe essa tendência de reforça de que os migrantes são um problema”, diz Medeiros.

Além de alguns problemas de informações nas notícias que a imprensa tem divulgado, foi destacado que, imigrantes ou não, todo ser humano tem amparo legal na garantia de direitos, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a própria Constituição brasileira de 1988. Mesmo parecendo óbvio muitos são vítimas de violações de direitos como trabalho escravo contemporâneo e exploração sexual devido estarem mais vulneráveis em um território estrangeiro sem acolhimento e regulamentação.


 

Edição: Diego Sartorato