Nenhuma distância é tão longa quando não se caminha sozinho. Marchar em fileiras com outras milhares de pessoas, que estão ali, andando por quilômetros embaixo do sol quente, se esforçando e colocando em prática o projeto de sociedade que buscamos alcançar, é transformador.
Sim, a Marcha Nacional Lula Livre, assim como outras marchas e ações massivas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), transforma. Transforma os lugares por onde passa, transforma cada um de nós.
A caminhada nem chegou ao seu fim, mas já deixa marcas na memória de cada um dos marchantes, que durante os últimos dias viveram em coletividade, passaram por dificuldades e cansaço extremo, mas, juntos, se levantam para o dia seguinte, acordam antes do sol raiar, motivados para lutar por uma sociedade mais justa.
“Na luta do povo, ninguém se cansa”, diz José dos Anjos, de 64 anos, que participou de tantas marchas que até já se esqueceu quantas foram. Apesar da idade, o integrante do Assentamento Primeiro de Junho, localizado em Tumiritinga (MG), não se assusta com a distância percorrida pela Coluna Prestes, representada pelos estados do Sul e do Sudeste do país, e não teme os quilômetros que ainda estão por vir.
Após o quarto dia de marcha, foram quase 60 km percorridos a pé, no total, entre a cidade de Luziânia (GO) até os arredores de Brasília, mas Seu Zé ainda está animado. “Marchar pra mim é muito importante, porque é uma forma de nos organizarmos juntos para poder lutar contra a repressão dos latifundiários, que prejudica os trabalhadores rurais, seja do campo ou da cidade.”
Sobre o cansaço, não titubeia e resume o sentimento geral dos marchantes: “Firme na luta, até o fim”.
A animação dos marchantes mais antigos não se resume só ao Seu Zé, e dá um banho em muitos marchantes novos. Aos 55 anos, João José Rocha é outra figura histórica da Coluna Prestes. Ele já participou de seis marchas e há 34 anos milita no MST, história de vida que conta para os marchantes com muito orgulho.
Morador do Assentamento Orlando Mulina, localizado em Andradina (SP), ele caminha pelo acampamento da Coluna Prestes exibindo fotos reveladas da Marcha de 1997, primeira marcha nacional do movimento, em que caminhou lado a lado com Seu Luiz Beltrame de Castro, poeta e militante histórico do MST.
Com cuidado e atenção, ele relata detalhadamente aqueles momentos ali registrados, apresentando os companheiros da época para os novos. É tanto orgulho que Seu João tem de ser um assentado, que já se mostra disposto a participar de uma próxima marcha.
Enquanto alguns são militantes históricos do movimento, outros estão cada vez mais apaixonados pela luta, como relata Tayane Cristina de Carvalho Santos, de 28 anos, que pela primeira vez, está vivendo um sentimento único ao participar da Marcha.
“Eu me sinto muito emocionada. Eu vejo todo mundo cansado, todo mundo marchando, as pessoas se ajudando e todo mundo fazendo o possível. A infraestrutura está preocupada com nossa saúde, trazendo água pra gente. Mesmo cansados, estamos todos gritando, balançando as bandeiras, deixando tudo bonito”.
Assentada em Lagoinha, interior de São Paulo e integrante da comissão de Agitação e Propaganda da Marcha, ela caminha todos os dias com o megafone na mão, incentivando os outros marchantes com palavras de ordem e músicas adaptadas. Mesmo envergonhada, Tayane conta que a marcha transformou sua militância. “Nós nos entendemos enquanto uma pessoa só. Somos muitos, pessoas diferentes de todo o Brasil, mas quando nos juntamos, viramos um gigante”.
O sentimento é compartilhado pelo secundarista Carlos Henrique de Lima Fidelis, que aos 17 anos participa de sua primeira marcha. “Essa experiência está me transformando. Estou aprendendo o sentido de coletividade, de humanidade. De estar em um acampamento, dividindo o banheiro, dividindo a comida, conversando na fila com o pessoal e vendo a importância do trabalho de cada um”.
Carlos é de Ribeirão Preto, também do interior de São Paulo e a militância estudantil o aproximou do movimento. “Eu vou chegar no meu interior e vou fazer até um slide, com foto, contando tudo que eu ouvi. Acho que como ser humano, vou sair outra pessoa, saber o que é coletividade”.
Outra jovem marchante é Nathalia Pereira Freitas Gomes, de 22 anos, moradora do Assentamento Bento Gonçalves, localizado na Zona da Mata mineira. A diferença é que Nathalia conhece o MST há muito tempo. Enquanto-sem terrinha, participou de marchas e ocupações, e mesmo na vida adulta, não deixou o movimento de lado.
Caminhando pela Rodovia Juscelino Kubitschek em direção a Brasília, ela conversa com os motoristas dos carros e com as pessoas no ponto de ônibus explicando o que é o MST. “Eu acho que quando a gente sai do assentamento da gente, e vem pra cidade, é uma quebra de realidade. Antes, não tinha noção do que o pessoal achava da gente, mas conversar é uma forma deles nos conhecerem”.
Empolgada, cantando, Nathalia acredita que o diálogo é essencial e que essa experiência será central em sua militância. “A gente nunca marcha sem causa, e quando mostramos nossa organização, porque estamos marchando, a sociedade vê o movimento sem-terra de um jeito diferente”.
Seja militante do movimento há anos ou pessoas que acabaram de ocupar seu primeiro pedaço de terra, o convencimento de que é necessário lutar, ocupar e produzir uma alimentação saudável, é unânime. Apesar do cansaço, os militantes da Coluna Prestes ainda têm dois dias de Marcha para defender a reforma agrária e a democracia no país. A fonte de energia para continuar marchando é a própria luta e as conquistas que inevitavelmente virão. Afinal, na luta do povo, ninguém se cansa.
Edição: Vivian Fernandes