O plano de governo do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL), apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais parece uma carta de intenções, do que propriamente um programa para o país. Denominado Projeto Fênix, em referência ao pássaro da mitologia grega que renasce das próprias cinzas, o documento tem 81 páginas. Com algumas sugestões inconstitucionais, que ferem os direitos humanos e a liberdade de expressão, o texto contém incoerências. De um lado, ele diz que a Constituição Cidadã é ruim, por outro, afirma que as mudanças propostas ocorrerão “através da defesa das leis e da obediência à Constituição”. “Ressaltamos que faremos tudo na forma da Lei!”, diz o candidato.
Com o slogan “Mais Brasil, Menos Brasília”, Bolsonaro diz que “Brasília não pode ser o objetivo final de um governo” e apresenta “a nova forma de governar” para um “Brasil Livre”. “Um governo decente, diferente de tudo aquilo que nos jogou em uma crise ética, moral e fiscal. Um governo sem toma lá-dá-cá, sem acordos espúrios”, afirma. A pegada religiosa aparece em cada página com o chavão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Para o cientista político André César, da Hold Assessoria, o programa eleitoral de Bolsonaro é uma sopa de letrinhas que foi feita para adequar o candidato a uma suposta teoria liberal e conquistar votos no momento de descrença na política. “É uma mistura de alhos e bugalhos, você tem essa coisa evangélica e religiosa ou o que seja, com uma tentativa de colocar uma tintura mais forte na questão liberal e não convence (...) Ele está liberal hoje, mas ele não tem no espírito dele, na vocação dele, na história dele, no conteúdo. A questão liberal como um dos nortes. Ele está usando só tentando surfar nessa onda aproveitando um certo vácuo político”, analisa.
A tônica religiosa do candidato, na visão de André César, tem como objetivo falar para um público cativo que “reza nessa cartilha” e é “radicalmente contra tudo o que está aí”, de forma salvacionista e voluntarista. “A vitória do Trump, por mais que tenham casos específicos, comparando com o Brasil, mais o comportamento do eleitor médio é muito similar lá ao que está se vendo e ouvindo aqui por parte do eleitorado agora nesse início de campanha e que já vinha há algum tempo. E se você continuar comparando, a questão do Bréxit na Inglaterra para deixar a União Europeia teve componentes muito parecidos e setores da sociedade também queriam mudar o que está aí. A vitória do Macron [na França] foi contra partidos políticos. Você tem uma série de elementos que fazem parte de um movimento mais amplo que é a crise da democracia liberal”, afirma.
Jair Bolsonaro ressalta que no campo dos “valores e compromissos”, “o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo”, aliados “às oligarquias corruptas”, minaram “os valores da Nação e da família brasileira”. “Faremos os ajustes necessários para garantir crescimento com inflação baixa e geração de empregos. Enfrentaremos os grupos de interesses escusos que quase destruíram o país”. Em seu plano, Bolsonaro não se furta em atacar o PT e diz que “o problema é o legado do PT de ineficiência e corrupção”.
Entre os desafios urgentes apresentados pelo deputado federal fluminense, algumas análises surgem de forma jocosa: o alto índice de suicídio (“mais de um milhão de brasileiros foram assassinados desde a 1ª reunião do Foro de São Paulo”) e a epidemia de crack (“introduzido pelas filiais da Farc”). Entre as saídas contra a criminalidade, estão a revisão do Estatuto do desarmamento, a facilitação do porte de armas e a redução da maioridade penal para 16 anos. “Contra a esquerda: números e lógica. As armas são instrumentos, objetos inertes, que podem ser utilizadas para matar ou para salvar vidas. Isso depende de quem as está segurando: pessoas boas ou más. Um martelo não prega e uma faca não corta sem uma pessoa...”. Para “salvar vidas”, o deputado prega ainda “prender e deixar na cadeia” e “acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias”.
Por fim, Bolsonaro quer a criminalização dos movimentos sociais tipificando como terrorismo as ocupações de propriedades rurais e urbanas. Como parte do plano de valorização das Forças Armadas, diz que haverá um colégio militar em todas as capitais.
Na economia, faz críticas a governos anteriores e diz que “ideias obscuras como o dirigismo” levaram país à inflação, recessão, desemprego e corrupção. “O desafio inicial também será organizar e desaparelhar as estruturas federais”, afirma acrescentando que a redução de ministérios é uma das ações. “Não haverá mais dinheiro carimbado para pessoa, grupo político ou entidade com interesses especiais”, completa. Em defesa do Estado mínimo, o candidato mira a privatização de ativos da Petrobras, remoção do conteúdo nacional, vendas e extinção de estatais, afrouxamento do licenciamento ambiental. O novo Itamaraty deixará “de louvar ditaduras assassinas”. Para a reforma da Previdência, o modelo de capitalização com cotas individuais e a redução dos encargos trabalhistas, e uma nova carteira de trabalho verde e amarela.
Na saúde, Bolsonaro promete que os profissionais cubanos do programa Mais Médicos “serão libertados” e “passarão a receber integralmente o valor que lhes é roubado pelos ditadores de Cuba!”. Na área educacional, a solução é mudar o conteúdo e método de ensino, “sem doutrinação e sexualização precoce”, lembrando o projeto Escola Sem Partido, defendido por evangélicos e movimentos de direita. A modernização do conteúdo passa por “expurgar a ideologia de Paulo Freire”, educador e pedagogo brasileiro, considerado um dos pensadores mais notáveis na história mundial. “Um dos maiores males atuais é a forte doutrinação”.
Edição: Tayguara Ribeiro