Marchantes da Coluna Teresa de Benguela da Marcha Lula Livre, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Pará, contaram como foram os ataques cometidos por pistoleiros na madrugada de 28 de julho ao acampamento Hugo Chávez, em Marabá (PA). Os trabalhadores denunciam a impunidade do caso e a insegurança em que continuam vivendo as famílias, intimidadas constantemente por jagunços.
“Estávamos todos animados. Quando deu uma e meia [da madrugada] pistoleiros junto com a Deca [Delegacia de Conflitos Agrários], começaram a atirar, mandando sair de dentro das barracas. Eu sai de dentro da barraca e voltei para pegar meus documentos e eles não deixaram. A gente começou a sair e eles dividiram homens, mulheres e crianças”, conta uma integrante do acampamento que não se identifica por questões de segurança.
No dia dos ataques, a dirigente Maria Raimunda afirmou ao Brasil de Fato que, ao recorrer à Deca, a resposta foi de que “havia ordem de comando superior de que não poderiam agir, mesmo que houvesse uma carnificina".
A integrante do acampamento continua relatando o ataque às famílias: “colocaram a gente no chão e começaram a atirar nos nossos pés. Botaram a gente para correr e começaram a colocar fogo nos carros, nas motos, nas barracas, jogaram cachorros vivos no fogo. Quando nós estávamos indo embora pela estrada eles passaram atirando”.
Outro integrante do MST do estado, presente durante o atentado, destaca o caráter terrorista do ataque: “Crianças, idosos, mulheres e homens tiveram que sair em fila com as mãos na cabeça. Essa noite, as famílias não dormiram, muitas crianças ficaram em pânico e não conseguiram dormir com medo de eles voltarem”. Segundo ele, algumas crianças também sofreram agressões físicas.
Uma parte das famílias se refugiou em um assentamento próximo, onde se mantém até hoje. Mas, a intimidação e o terror não pararam. “Eles ficam abordando, perguntando se tem vinculação com as famílias acampadas. Se não tem, eles liberam, mas se tem eles humilham ou batem. Você tem que circular até as seis da tarde, se passar disso qualquer movimentação é considerada suspeita”, denuncia o integrante do MST.
Justiça nula
A impunidade em relação às denúncias não é um fato isolado. No dia 15 de julho de 2017, o acampamento sofreu um incêndio criminoso que destruiu aproximadamente uma tonelada de alimentos. “Arroz, feijão, macaxeira, abóbora, milho, tudo o que tínhamos plantado e inclusive alguns alimentos que já tinham sido colhidos foram queimados”, conta outra integrante do acampamento.
“Foi feito um boletim de ocorrência, mas não houve apuração nenhuma do Estado para investigar o caso, ficou por isso mesmo”. A esperança de justiça dos acampados em relação ao atentado do dia 28 de julho é escassa: “Foi feito um boletim de ocorrência, com a participação dos advogados da CPT, que deu início a um processo da corregedoria da polícia pra identificar quem foram os autores, mas não temos muita expectativa”.
Família Saldanha
A área onde foi levantado o acampamento, em 8 de junho de 2014, é onde está a fazenda Santa Tereza, suposta propriedade do fazendeiro Rafael Saldanha. Tanto o MST quanto a Comissão Pastoral da Terra (CPT) questionam a propriedade da área.
“A titularização da área foi feita recentemente, mas é uma documentação forjada, criada. As denúncias dos ataques e a resistência das famílias, levaram a ele [Rafael Saldanha] fazer a documentação, mas antes ele não tinha nenhum documento”.
A família Saldanha possui um histórico de diversos crimes. O irmão de Rafael, Osvaldo Saldanha, foi condenado pela Justiça do Trabalho do Pará e Amapá a pagar R$ 60 mil de indenização, por crime de utilização de trabalho escravo na Fazenda Bandeirante, em Parauapebas (PA). Em 2006, a família Saldanha também foi investigada por envolvimento em sonegação de impostos, concorrência desleal, falsidade ideológica e formação de quadrilha.
“A polícia e o tribunal de justiça não veem esses crimes, não investigam. Eles preferem botar as famílias que querem conquistar um pedaço de terra pra fora e não investigar quem está atacando as famílias à luz do dia. Não há justiça para as famílias sem-terra, mas para o fazendeiro sim”, conclui o integrante do MST.
Edição: Cecília Figueiredo