“Um sem-terra não é sepultado é plantado”. Foram as palavras do padre Paulo Joanil da Silva, mais conhecido como padre Paulinho, coordenador da Comissão Pastoral da Terra no Pará, em ato ecumênico na quarta-feira (15), durante o velório do líder histórico do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Ulisses Manaças. Ele faleceu na terça-feira (14), em Belém, depois de dois anos de luta contra o câncer.
Manaças morreu aos 45 anos. Menino de família pobre da comunidade de Jabatiteua, periferia do bairro do Marco da capital paraense, iniciou sua militância nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e grupos de jovens da igreja católica onde encontrou sua vocação: lutar por justiça social.
O anúncio de sua morte chocou lideranças de movimentos populares, pastorais, políticos, pesquisadores, indígenas, quilombolas e diversas pessoas com as quais Manaças tinha contato.
“Ulisses, carne e osso do meu povo, que desafiou por vezes a morte em silêncio, foi por ela silenciado. Sério? Os bravos são eternos dona morte. Nem bala, nem câncer podem matar o amanhã. Olhem para as ruas de Brasília. Vejam Luara e os meninos do Hugo Chaves. Lá nada termina. Lá, no front das lutas nas trevas contemporâneas, nascem as próximas gerações” – Jorge Neri, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)
Articulado, engraçado, afetuoso e humano quando explanava seus ideais tinha a altivez de um comandante cabano, assim reconhecido pelos companheiros que celebraram sua passagem como relata Divina Lopes, da coordenação estadual do MST Maranhão.
“O Ulisses é a nossa poesia de fuzil na mão. É essa pessoa plena de humanidade. E falar de humanidade mesmo, dessa pessoa que se mistura. É gente. Se mistura com gente. Foi um grande formador popular, que fazia formação porque acreditava mesmo na construção de um projeto popular, fazia junto com o povo, para o povo e com povo”.
Inspiração
Carlinhos Luz, da comunicação do MST no Pará, conheceu o amigo quando ambos ainda eram adolescentes no Marco. Aos 15 anos eles entraram no movimento da igreja católica, Juventude Opção, Cristo Única Solução. Seguiram outros caminhos. Manaças entrou para o PT e depois voltaram a se reencontrar na JOC – Juventude Operária Católica. Na década de 90 Ulisses inicia sua militância no MST e Carlinhos começa a atuar na rádio Resistência FM do bairro.
“O Ulisses teve um papel fundamental na construção da rádio Resistência FM. Foi nesse meio tempo da construção da rádio, final de 2004, que eu entrei no MST. Muito levado por ele, mas foi através do rádio que eu entrei no MST no setor de comunicação, onde estou até hoje, ou seja, ele tem uma parcela de culpa nessa história da minha militância dentro do movimento a partir da comunicação”, fala saudoso.
“Nessa época a gente era muito pobre na comunidade de Jabatiteua. Ele tinha vários livros, eu lembro que ele adorava o livro As veias Abertas da América Latina, sempre estava lendo, era muito autodidata. Ele tinha um pé na CEBs e um pé na JOC” – Aldebaran Moura, da FASE Amazônia.
Manaças era uma liderança que inspirava crianças e jovens sem-terra do movimento. Antônio Agnor lembra do coordenador nacional quando ainda tinha 8 anos. Era 1999 e o MST ocupava um latifúndio na ilha de Mosqueiro, atualmente assentamento Mártires de Abril. A família de Agnor foi cadastrada por Manaças e o menino que viu o homem de corpo franzino subir no trator para discursar transformou a vida dele. Atualmente Agnor faz parte da coordenação estadual do MST.
“Eu era sem-terrinha e via ele subir num trator velho com vários outros dirigentes fazendo discurso da organicidade do acampamento, do projeto político do MST, e eu olhava dizia naquele momento de criança que quando eu crescesse eu queria ser militante que nem o Ulisses e diversos outros companheiros militantes que estavam contribuindo no acampamento naquele momento”, recorda.
Lênin cabano
Simone Silvia é do MST do Maranhão e lembra que Manaças “era muito fiel a teoria política revolucionaria”. Ela atua no setor de formação do movimento e ao planejar o currículo dos cursos o grupo se perguntava: ” quem é o cara que motiva essa juventude a se manter na mística revolucionária? E o Ulisses dava essa injeção de ânimo pra gente”.
“O Ulisses é o nosso Lênin da região Amazônica, que nos ajuda a pensar as estratégias, a organizar e sistematizar os nossos pensamentos mais aguerridos, mais revolucionário, que nos anima. Então pra gente, ao mesmo tempo que é uma perda também é um orgulho imenso, nós enquanto região Amazônica termos produzido um militante, um ser humano como o Ulisses” – Divina Lopes, MST Maranhão
No dia no seu falecimento, o MST realizava uma grande marcha histórica em defesa do registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Carlinhos, que estava na marcha, conta que no encontro das três colunas em Brasília soube que o amigo partia. “A delegação do Pará continuou na marcha, cada um era um Ulisses naquele momento porque ele queria estar na marcha”.
Lorena Campos, 24 anos, é a primeira filha de Manaças. Das muitas lembranças do pai ela fala que começou a entender o mundo dele quando ia para os assentamentos e congressos nacionais do MST, foram nessas ocasiões que começou a “compreender sobre o que ele falava, sobre o que ele lutava e sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” e completa.
“Quando eu era pequena conheci o Ulisses do afeto, do amor, era tudo o que ele queria mostrar pra gente. Depois que fui crescendo fui vendo o Ulisses forte, lutador. Acho que a frase mais sincera que ele pode ter dito na vida é: nunca tive tempo pra ter medo. Porque eu realmente, em todos esses anos, eu nunca vi medo no olhar dele”.
Manaças foi enterrado nesta quinta-feira (16), estendida em seu caixão as bandeiras do time do coração, Paysandu, e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Edição: Tayguara Ribeiro