Atendimento médico é sinônimo de curta duração, atraso e impessoalidade, certo? Errado. Para os sete militantes de movimentos populares que estão em greve de fome em Brasília (DF) há 22 dias, o acompanhamento dos profissionais da área é sinal de presença constante, afeto e pontualidade.
Por meio de uma parceria com a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMMP), as diferentes organizações que realizam o protesto têm contado com o apoio de profissionais que acompanham os grevistas de forma permanente.
Ao todo, quatro médicos da Rede se desdobram, de forma voluntária, para administrar os cuidados com a saúde dos militantes.
O acompanhamento diário envolve, por exemplo, monitoramento da pressão arterial, peso e temperatura, a coleta de exames, entre outras ações permanentes.
Com experiência em greves de fome, o frei Sérgio Görgen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), já participou de outros quatro protestos dessa natureza. O último deles foi contra a reforma da Previdência, no final de 2017, quando a Rede atuou como parceira pela primeira vez.
O religioso destaca a dedicação dos médicos populares aos grevistas e o engajamento deles nas questões sociopolíticas relacionadas ao protesto. Criada em 2015, a Rede tem como pauta central a defesa do direito universal à saúde.
Atualmente, o movimento se articula em 13 estados e reúne cerca de 250 médicos, com o propósito de lutar contra o avanço conservador no país e garantir a defesa pela universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Essa atividade aqui é mais um compromisso dos médicos com um novo Brasil, com as classes trabalhadoras, pobres, com as classes populares. Isso faz parte de uma luta por um outro Brasil, onde a medicina também tem que ser outra, a forma de tratar o povo tem que ser outra”, afirma frei Sérgio.
Para Bruno Pilon, da direção nacional do MPA, o trabalho demonstrado pelos médicos da RNMMP durante o protesto demonstra a importância da luta por uma medicina voltada aos interesses populares.
“Nessa greve, a gente está notando como a Rede de Médicos conseguiu resgatar a função social e militante da saúde, que, historicamente, no Brasil, é elitizada, para as minorias mais abastadas”, afirma.
Atenção integral
No cotidiano, dois médicos populares se dedicam aos grevistas em tempo integral, dormindo no mesmo local onde o grupo está alojado. A rotina é puxada, mas o cansaço não apaga o brio da experiência.
Quem garante isso é a médica Maria da Paz Feitosa, que resolveu investir o período de férias no mestrado para se dedicar exclusivamente aos cuidados com os militantes.
“É até um privilégio, no sentido de poder estar cuidando de pessoas que estão entregando a sua vida por uma causa”, considera.
A atenção permanente com o grupo fortalece os vínculos, o que, para frei Sérgio, atesta o compromisso dos médicos populares com as pessoas atendidas.
“Aqui eles estão demonstrando que a militância deles não é apenas com o estetoscópio no pescoço, e sim com a mente, o coração e a alma do povo”, observa.
O médico Ronald Wolff, que também atua em tempo integral, já acompanhou trabalhadores em outras três greves de fome. Ele tirou férias do trabalho durante o período do atual protesto para acompanhar os militantes.
Wolff afirma que o engajamento pessoal no protesto vem da necessidade de se somar ao conjunto dos manifestantes para batalhar pelos direitos coletivos. O médico defende a atuação dos profissionais da área junto às causas sociais.
“Se a gente para de ser voluntário, de ser militante das causas nas quais a gente acredita e está inserido, a gente estagna. A gente retrocede”, afirma.
Edição: Cecília Figueiredo