Moradores em situação de rua, integrantes do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e apoiadores realizaram uma manifestação na tarde desta terça-feira (21) em Porto Alegre (RS). Com um megafone, os manifestantes dialogaram com a população do centro da cidade, denunciando as remoções promovidas pela prefeitura na região. Além disso, ato foi em alusão ao Dia de Luta e de Luto da Pop Rua, que acontece em diversas cidades brasileiras, rememorando os 14 anos de impunidade do massacre da Praça da Sé.
O massacre da Praça da Sé tem relação com o início do MNPR na região Sudeste, antes de se espalhar pelo Brasil, explica Veridiana Machado, que é trabalhadora, militante e apoiadora do movimento. “A gente veio dialogar com a população e fazer essa alusão, trazendo a memória dos que já foram, da luta que continua, das remoções que estão sendo feitas, do extermínio da população de rua que continua sendo tratada por todo mundo como drogada, como a gente vê na mídia, na grande mídia”, relata.
“Porque o cara é morador de rua, as pessoas acham que o cara é ladrão, é um monte de coisa. Mesma coisa é a polícia que vem revistar o cara né”, denuncia Alexandre Português, que vive nas ruas da capital e faz parte do MNPR. Ele era um dos que carregavam cartazes com fotos e nomes de companheiros que morreram. “Morreu vários morador de rua já, e não fizeram nada né. E agora esse governo que vai entrar aí diz que vai fazer alguma coisa, quero ver então o que ele falou que ia fazer,” protesta indignado.
O integrante do MNPR Edison Beiço relata que a situação hoje em Porto Alegre está crítica para os moradores em situação de rua. “Nós tamo aí na luta querendo retificar né, pelas remoções que tão tendo, as agressões dos brigadianos que tão abusando demais, batendo na gente. A gente quer mostrar pra eles que a gente também é controlado, a gente sabe se unir, mas é como a gente disse né, não vai ser de uma hora pra outra, que na rua também tem as suas dificuldades e tem os seus problemas”, afirma.
Higienização social no centro de Porto Alegre
A remoção referida aconteceu no dia 1º de agosto, no centro de Porto Alegre, e não teve o acompanhamento de equipes de assistência social ou da Secretaria Municipal da Saúde. O viaduto da Borges abrigava dezenas de pessoas e famílias sem um teto para viver. A remoção dessas pessoas foi realizada pela Brigada Militar, que é a polícia militar do Rio Grande do Sul, e pelo Departamento de Mobilidade e Limpeza Urbana (DMLU).
Em declarações à imprensa, o comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar, Tenente Coronel Rodrigo Mohr Picon, disse que a ação teria sido motivada pelo aumento no número de assaltos a pedestres na região e porque o local estaria se tornando “uma cracolândia”. Agora, aos sábados e domingos, a prefeitura cedeu o local para food trucks, em ação piloto com o objetivo de “criar áreas de convivência para os porto-alegrenses, incentivando a gastronomia itinerante e o empreendedorismo produtivo da cidade por meio da ocupação dos espaços públicos”.
Na higienização do viaduto, muitos perderam documentos, fotos e pertences pessoais. “A brigada chegou agredindo todo mundo e tirou todo mundo dali, falaram que se pegassem ali eles iam ‘cagar a pau’, por isso que todo mundo não tá ali mais né. Porque de noite, quando o mundo dorme, a gente acaba sofrendo mais ainda, porque a gente é escondido e a gente já sofre, e a gente apanha mais ainda”, denuncia Beiço.
Trabalhadores da assistência social denunciam falta de estrutura e perseguição
Segundo alguns trabalhadores da assistência social do município de Porto Alegre, que estiveram no ato e preferiram não se identificar por receio de repressão, o momento é de aumento da demanda e de diminuição de equipe. “A gente não tem nenhum serviço de retaguarda pra dar conta da superação da situação de rua. A gestão não vê as pessoas que, enfim, elas estão nessa situação porque a gente não tem outras políticas. Daí a ideia, a estratégia, é higienizar. Só que essa não é a lógica do serviço, por isso que a gente também tá aqui hoje”, relatam.
Com um contexto econômico precarizado e o aumento da demanda, segundo o grupo de trabalhadores, a prefeitura passa a ideia de que a assistência social não está trabalhando direito. “Eles jogam com a opinião pública com coisas tipo ‘nós temos o aluguel social, oferecemos isso, isso e isso’. Só que eles não dizem se isso de fato está funcionando, eles só anunciam. Se não funciona, então é a assistência social que não tá trabalhando”, denunciam.
Movimento busca diálogo e visibilidade
O MNPR tem participado de diversos espaços, procurando dar voz a quem vive nas ruas. A exemplo disso está a participação do movimento na reunião no Conselho Estadual de Assistência Social, a presença na mídia alternativa e o diálogo com a população. “Se as remoções haviam parado por um tempo foi fruto desse diálogo que o movimento tem feito, trazendo uma parte da população que repudia essas remoções que são feitas sem oferecer nada em troca”, conta Veridiana.
“A gente sabe que tem parte da população que apoia as remoções, muitas vezes até por não ter um entendimento, uma proximidade com essa realidade. Tem gente que apoia porque realmente tem um viés fascista, o que não dá pra negar. E tem muita gente que não apoia e que, inclusive, apoia a luta do movimento. Então a gente tá na rua hoje pra isso, pra poder reforçar essa luta, reunindo trabalhadores, professores, municipários em greve, trabalhadores da assistência, jornal Boca de Rua, movimento da população de rua e, inclusive, alguns serviços da abordagem”, conclui.
Veja o álbum de fotos da manifestação
Edição: Katia Marco