Qual a relação existente entre a medicina e a luta política? Para o médico Ronald Wolff, um dos que acompanham os sete militantes de movimentos populares em greve de fome em Brasília (DF), o vínculo entre as duas é estreito e marcado por uma interação permanente.
Engajado no movimento pela universalização do direito à saúde, Wolff é integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMMP) e tem forte envolvimento com a luta por direitos sociais. Um laço que não se desfaz há décadas, desde os primórdios da discussão sobre a reforma agrária no âmbito da Pastoral da Terra, ligada à Igreja Católica, na década de 1970.
A partir daí, vieram, por exemplo, as Romarias da Terra, a filiação ao Partido dos Trabalhadores (PT) e uma compreensão cada dia mais fortalecida de que a garantia da saúde pública é pauta central na luta por direitos.
Interesse social
Assim, o engajamento do médico em greves de fome surge como um “processo natural”, segundo ele, de se somar aos trabalhadores nas mais diferentes batalhas. Ao todo, Wolff acompanhou quatro greves de militantes em protestos políticos – a experiência, inclusive, deverá ser contada em um livro, que será produzido por ele em breve.
O último protesto dessa natureza que ele acompanhou foi em dezembro de 2017, quando representantes de diferentes movimentos populares se uniram em greve de fome contra a reforma da Previdência.
O acompanhamento aos grevistas era diário, durante 24 horas. Na época, o profissional utilizou o tempo de férias no trabalho para garantir a dedicação integral ao protesto.
Na greve dos sete militantes que pedem, entre outras coisas, a soltura do ex-presidente Lula (PT), o procedimento segue o mesmo ritmo. O médico dorme, inclusive, no mesmo local onde os grevistas estão alojados.
Para Wolff, o engajamento na greve é um chamado à medicina pautada nos interesses sociais.
“Eu não me dou o direito de tirar 30 dias de férias na beira da praia. Não me dou o direito de não participar”, afirma.
Sem se preocupar com o cansaço que o trabalho traz, o médico ressalta que a convivência com os grevistas e os demais militantes é também um momento de “vivências inesquecíveis”.
“Eu venho pra cá e reencontro companheiros e companheiras de luta de muito tempo. É um momento em que parece que estou num retiro espiritual. Isso é uma coisa que me mantém com satisfação”, conta.
Classe trabalhadora
Criado numa família de seis irmãos na periferia de Porto Alegre (RS), Ronald Wolff é filho de um carpinteiro e de uma dona de casa que estudou até a terceira série primária.
Ele tem orgulho de mencionar a própria origem e conta que isso é um estímulo ao exercício da medicina engajada, voltada aos interesses populares.
“Minha categoria tem pessoas muito boas, mas tem pessoas que são filhas da classe dominante, aí eles perguntam ‘o que tu faz vivendo no meio dessa gente?’ Eu sou essa gente. Só isso”, afirma.
É desse entendimento que brotam outras questões relacionadas à atuação do médico nas greves de fome. Para Wolff, o trabalho junto aos militantes está relacionado ao reconhecimento da figura do médico como parte da classe trabalhadora.
“Se a gente para de ser voluntário, de ser militante das causas nas quais a gente acredita e está inserido, a gente não estagna. A gente retrocede”, diz.
Ronald, que já lecionou no curso de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atende no Sistema Único de Saúde (SUS) na capital gaúcha e desenvolve ações educativas de saúde junto a assentamentos de reforma agrária.
Edição: Cecília Figueiredo