Vivemos dias intensos de luta e aprendizado. Uma luta que não cessa, um aprendizado que segue, ambos para além do alcance de nosso olhar. O cenário que nos envolve e funda as condições deste tempo é nebuloso e opressivo, não faltando elementos que nos conduzam ao abraço claustrofóbico da ansiedade, da desesperança, do tombo entre o nada e o nada.
Dia a dia tentam rasgar nossos sonhos e criminalizar nossa luta. Em meio a estes ataques cruéis somos desafiados a seguir sorridentes, altivos, esperançosos, certos de uma vitória que ainda não está ao alcance de nossas mãos, mas reside esplêndida em cada instante do nosso caminhar.
Galeano, citando Birri, nos ensinou o sentido da Utopia. Essa mania tão bonita que nós, que seguimos pelo lado canhoto da história, respiramos como se fosse o próprio ar, consumimos sem moderação como se fosse o alimento mais vital. Caminhamos, sonhamos, lutamos por uma utopia que está sempre posta no horizonte. Cada passo em sua direção, um passo ela também se distancia. E se não a podemos tocar com as mãos, de que nos serve? Gracias, Galeano, por nos ensinar esse sentido, ela serve para nos fazer caminhar.
Sete camaradas de sonho passaram 26 dias em um ato extremo, onde colocaram a própria vida como instrumento de luta. Greve de fome, por justiça no STF! Ou, como convencionamos dizer, “fome contra a fome”.
Vislumbraram objetivos coletivos, lançaram perspectivas de justiça e liberdade, firmaram punhos cerrados e renegaram o alimento do corpo para fortalecer a certeza da causa: não é justo que uns lambuzem-se de fartura e opulência enquanto muitos outros subsistam a partir do quase nada, ou até mesmo perecem, carentes do alimento e do sentido de ser. Não faltarão, com toda certeza, as aves de rapina de plantão para tentar desdizer suas verdades. Nós, porém, que caminhamos ao seu lado nestes dias tão intensos, somos testemunhas de vitórias que se construíram a cada dia e se solidificaram passo a passo no lado correto da história.
Nestes dias, nos reafirmamos como cidadãos e cidadãs com consciência de classe na cara da corte, enfrentamos o ódio irracional dos toscos com a força da fraternidade de quem sabe que o SER sempre há de ser mais forte que o TER. Firmamos uma narrativa a partir do campo popular, ajudamos a escrever a história de nossa gente e fizemos o Judiciário – até então um poder inacessível aos mais simples – olhar para o povo e envergonhar-se de sua covardia cerimonial.
Encontramos eco em sonhos outros que se multiplicaram a partir dos sete guerreiros iniciais e chegaram às dezenas seguintes e, rapidamente, se fizeram centenas, milhares, milhões… E ao arrematar, se torna impossível não relembrar o Che, em resposta a um questionamento de como seria se fosse abatido em combate. Olhar altivo o comandante profetizou a própria queda, enunciando que a morte seria bem vinda desde que seu grito fosse ouvido e outras mãos disponíveis se propusessem a empunhar suas armas na continuidade do combate.
Vencemos, camaradas. Ainda não a guerra, é verdade, mas especificamente nessa batalha, temos muitas vitórias a serem saudadas. As vitórias simbólicas são tão relevantes quanto aquelas que empreendemos no campo concreto. Algumas vezes até mais. A vitória maior se construirá a partir de muitas conquistas como estas. Fizemos nossa pequena parte no grande embate que nos cobra posição, dedicação, consciência e espírito de sacrifício.
Vencemos, porque nosso grito foi ouvido e muitas mãos se propuseram a empunhar nossas “armas” para seguir o bom combate.
Muita gente que se mantinha em silêncio manifestou a voz. Muitos irmãos e irmãs que se julgavam sufocados pela opressão dos mais fortes voltaram a encontrar confiança para cerrar os punhos e erguer a voz. Bem vindo seja o tombo que nos derruba no instante, mas fortalece a linha dorsal do nosso corpo para seguir adiante. Estamos em pé, fortes e convictos, prontos para dar um passo a mais.
Obrigado Rafaela, Zonália, Gegê, Leonardo, Vilmar, Jaime e Sérgio, por nos fazerem olhar adiante e reencontrar no horizonte a utopia que nos faz caminhar e no instante compartilhado a certeza de que, sim, é preciso seguir adiante.
Um passo de cada vez, até a vitória, sempre!
*Jornalista e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Edição: Cecília Figueiredo