A história política da expansão territorial de latifundiários brasileiros no Paraguai não ocorre apenas a partir do alto escalão. Prefeitos, do lado brasileiro, e intendentes, do lado paraguaio, participam diretamente desse processo. Seja pelo estímulo ao protagonismo de brasileiros no campo, no caso dos intendentes, seja por serem, eles mesmos, latifundiários.
É o caso de Romildo Maia, primeiro brasileiro a ser eleito prefeito de uma cidade paraguaia. Nascido no Paraná, migrou ainda criança junto aos pais em busca de terras baratas no Paraguai. O ano era 1968 e, como muitas outras, a família Maia cruzou a fronteira na esteira da abertura promovida pelo ditador Alfredo Stroessner à entrada de fazendeiros brasileiros. E prosperou.
Dos 17 hectares onde o pai plantava mate e café, Romildo Antonio de Souza Maia construiu uma fortuna, a maior da pequena cidade de San Alberto, apelidada de “capital do agro”. Localizada a 90 quilômetros de Foz do Iguaçu (PR), San Alberto poderia se chamar Santo Alberto: mais de 80% dos 15 mil habitantes são brasileiros ou descendentes. Em qualquer estabelecimento fala-se português.
O eleitorado brasiguaio explica a ascensão política de Maia, que ganhou o apelido de “dono da cidade”. Isso porque, além dos 5 mil hectares de soja – o equivalente a 5% da área do distrito -, ele foi dono do maior silo de grãos, da única rádio, do único posto de gasolina e do único clube de San Alberto, conforme relatou o jornalista Fábio Campana.
Eleito pela primeira vez em 1996, Romildo comandou a política local pelos 14 anos seguintes. Dada a proibição de reeleição pela lei paraguaia, elegeu sua sobrinha Luciana Valaites Maia em 2001 e venceu novamente o pleito em 2006. Chegou a ser escolhido pelo Itamaraty como titular no Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior.
Corrupção Made in Brasil
Durante esse período, a pacata San Alberto viu crescer a tensão entre latifundiários brasileiros e camponeses paraguaios. Em 1999, trabalhadores sem-terra bloquearam os acessos da cidade após acusações de corrupção contra o prefeito brasileiro.
Em 2008, Fernando Lugo assumiu a Presidência do Paraguai, rompendo um domínio de sessenta anos do Partido Colorado, mesma sigla de Maia. Dois meses depois, em outubro, o líder sem-terra Bienvenido Melgarejo foi assassinado durante ação policial de reintegração de posse na fazenda do brasileiro Oscar Fader.
A ocupação coordenada pela Asociación de Agricultores del Alto Paraná reivindicava parte dos 1.010 hectares de Fader, na divisa com o distrito de Mbaracayú. A exemplo de San Alberto, o distrito também elegeu, em 2006, um prefeito brasiguaio.
O assassinato em San Alberto foi o primeiro de muitos conflitos agrários ocorridos durante o governo Lugo, determinantes para o processo que culminou no golpe parlamentar de 2012.
Romildo Maia tampouco escapou das acusações. Em 2014, foi condenado a seete anos de prisão pelo desvio de 5 bilhões de guaranis (o equivalente a R$ 3 milhões) entre 2009 e 2010. Desde então, o “dono da cidade” está foragido.
Paraíso dos prefeitos
Ao longo do eixo A Política, temos acompanhado histórias de brasileiros que se valem de suas amizades políticas para fortalecer o domínio econômico e territorial no Paraguai. Mas existe um outro lado da moeda: o de políticos brasileiros – em particular os prefeitos – que se tornam latifundiários do outro lado da fronteira.
Descrevemos alguns casos. Nelson Cintra, ex-prefeito de Porto Murtinho – citado em delação da JBS – é dono de 55 mil hectares nas duas margens do rio Paraguai. Eurico Mariano, de Coronel Sapucaia, preso por assassinato, era acusado de desmatamento em Canindeyú e teve o nome associado ao narcotráfico. Flávio Queiroz, que foi vice-prefeito de Porto Murtinho, erigiu fortuna no Chaco.
No caso do pecuarista Euclides Antônio Fabris, a expansão no Paraguai ficou a cargo de suas filhas. Ele se tornou prefeito de Naviraí (MS) em 2000 pelo PFL (hoje DEM), após ter sido diretor-presidente da Cooperativa de Cana-de-Açúcar de Naviraí, dona de uma das maiores usinas do Mato Grosso do Sul, com 25 mil hectares de cana.
Fabris possuía três madeireiras, uma empresa exportadora, o Frigorífico Amambai S/A e o Frigorífico Naviraí Ltda. Os dois foram incorporados pelo Grupo Torlim e estiveram entre as empresas investigadas na Operação Garrote, da Polícia Federal, em 2013. Ele e sua mulher foram arrolados como testemunhas no caso. Mais sobre o Grupo Torlim e seus tentáculos no Paraguai na reportagem: “Amigo de Horacio Cartes, dono de frigorífico teve fazenda na TI Arroyo Korá, no MS”.
De bois a aviões
Euclides Fabris faleceu em 2004, no último ano de seu mandato. Naquele mesmo ano seu nome passou a batizar a principal praça de Naviraí. Mas as homenagens não evitaram que parte do patrimônio fosse vendido, incluindo a Coopernavi. As fazendas – tanto no Brasil quanto no Paraguai – ficaram com as filhas Beatriz e Elizabete Tormena Fabris.
Beatriz se casou com um pecuarista de Naviraí, Cássio Roberto Gradela. É o nome de Cássio que aparece como proprietário de 1.637 hectares em Ypehú, no departamento de Canindeyú. A propriedade, no entanto, é arrendada da mãe de Beatriz, Iolanda Tormenan Fabris. Elizabete, por sua vez, é casada com outro personagem importante de nossa série, o também pecuarista José Otílio Motta Albuquerque.
Junto à mulher, ele é dono da Estancia Ñu Vera, localizada a apenas 500 metros da fronteira com o Brasil, em Capitán Bado, Amambay. Ali, o casal possui 3.800 cabeças de gado e 4.066 hectares em terras. No Chaco, são donos da Ganadera San José del Chaco S.A., empresa citada em escândalo que envolveu um avião do Partido Colorado e o narcotraficante Chicharõ. Contamos essa história em: “Última fronteira, Chaco tem desmatamento e ataque a índios isolados“.
No Mato Grosso do Sul, José Otílio e Elizabete criam touros zebu na Fazenda Eldorado da Formosa, em Corumbá. Também possuem fazendas em Sete Quedas e Naviraí. Mais ao norte, no Mato Grosso, o casal foi multado em 2011 por infração ambiental na Fazenda Campo Júlia, em Cotriguaçu. Foi assinado um termo de ajustamento de conduta onde os dois comprometiam-se a doar ao órgão ambiental uma área de 126 hectares em unidade de conservação.
A veia política de Euclides Fabris permanece na família. Nas eleições de 2014, o genro José Otílio – que em 2004 foi candidato a vereador em Naviraí pelo DEM, mesmo partido do sogro – declarou apoio da família a Reinaldo Azambuja (PSDB) e Henrique Mandetta (DEM), então candidatos a deputado federal e governador. Ambos foram eleitos.
Edição: Diego Sartorato