Por Marcio Zonta
Para quem observa a história da mineração na África do Sul, do passado aos dias que se correm, deve se perguntar: por que a riqueza exaurida secularmente do seu subsolo não modificou o modo de vida no país de uma forma com que todos e todas pudessem usufruir de seus benefícios?
Com uma riqueza mineral vasta - incluindo grandes reservas mundiais de cromo, vanádio, manganês, carvão, petróleo, ouro e diamante -, só em 2017, a mineração teve um valor total da indústria de US$ 33,17 bilhões e representou cerca de 60% das exportações do país.
Mesmo assim, camuflada pelo desenvolvimento econômico, o legado de um país minerado por tantos anos tem sido a pobreza econômica de seu povo, sobretudo para os negros.
Com uma população de cerca de 55 milhões de habitantes, o nível de desemprego atual no país é bastante significativo. “No início dos anos de 1990, o desemprego na África do Sul era de 50%. Hoje, se somarmos os desempregados oficiais aos que não procuram mais emprego, e portanto, não contabilizados pelo governo, atingimos a 35%”, explica o economista do Centro de Desenvolvimento e Informação Alternativa, Brian Ashley.
Todavia, o governo criou uma categoria de emprego do lar que exclui das estatísticas de desemprego mais de dois milhões de pessoas, em sua grande maioria mulheres. “Essa divisão empregada não é válida. Somando mais isso, o índice de desemprego no país chega novamente perto dos 50% ”, lamenta o economista.
Se o desemprego e a informalidade assolam a economia sul-africana, a má distribuição de renda e os baixos salários são outros fatores preocupantes.
“A média salarial está estagnada, pois 54% de toda riqueza produzida no país em 1996 era distribuída em forma de salários aos trabalhadores da África do Sul. Hoje, menos de 40% é distribuída”, aponta Ashley.
Dentre a população das favelas, com mais de 25 milhões de habitantes, os negros são maioria, sendo 600 vezes mais pobres do que a minoria de 1% de brancos miseráveis existentes no país, conforme estimativas da pesquisadora de identidades sociais, Christi Kruger, da Universidade de Witwatersrand.
A mineração acentua ainda mais essa pobreza ao transferir renda nacional ao capital internacional. O estudo de Brian Ashley demonstra que os trabalhadores da mineração ficam com menos de 36% de toda renda produzida pelas mineradoras na África do Sul.
“Uma economia meramente extrativista baseada na mineração como a nossa não foi capaz de diversificar e criar uma base industrial. Por isso estamos nessa situação calamitosa de desemprego e pobreza da população”, desabafa.
Mão de obra e capital estrangeiro
Tendo a mineração como carro chefe da economia, a África do Sul chamou a atenção do capital estrangeiro. Empresas como Anglo American, AngloGold Ashanti, Impala Platinum e BHP Billiton fizeram da África do Sul seu canteiro de obras.
Desde o início do seu desenvolvimento, no século XIX, a força motriz do trabalho no setor, foi a mão de obra da população negra, que foi submetida a condições precárias de trabalho. (Leia mais no próximo capítulo deste especial).
A mineração na África do Sul
Uma das maiores empresas de mineração do mundo, a britânica Anglo American, tem operações em várias commodities no território e emprega mais de 100 mil pessoas, sendo maior empregador do setor privado no país.
Completados seus 100 anos em 2017, a empresa é uma chave importante para compreender o período segregacionista sul-africano, o apartheid, adotado de 1948 a 1994. Isso, porque o domínio do capital estrangeiro, ou seja, de brancos sobre a exploração das minas, é encarado pela maioria negra como um legado do apartheid.
O interesse das mineradoras, como a Anglo American, era, então, poder colocar o negro, a força motriz do trabalho da mineração, ainda mais em condições precárias de trabalho e altamente lucrativa para a elite branca que comanda o sistema minerador do país.
“Nada mais lucrativo para esse capital das mineradoras que acentuar a exploração da natureza com uma força de trabalho superexplorada, pois acumula ainda mais pelas duas vertentes possíveis na mineração: com a renda extraordinária da natureza e com a mais valia dos trabalhadores negros”, expõe o historiador sul-africano Ralfh Mupalang.
“As mineradoras precisam de grande número de trabalhadores nas minas. Negros são descartáveis porque os brancos só ocupam, até hoje, cargos de chefia”, indigna-se Ralfh. Procurada pelo Brasil de Fato a Anglo American afirmou, em nota, que não reconhecem nenhuma das acusações e que, segundo a empresa, são dados infundados e que não condizem com a realidade.
Destas grandes empresas de mineração de carvão, a BHP Billiton é um dos maiores fornecedores da Eskom e um dos maiores fornecedores para o mercado de carvão de energia marítima. O negócio de carvão da Anglo American possui e opera nove minas, e atualmente está trabalhando em vários projetos para aumentar a produção para 90 milhões de toneladas por ano, enquanto das cinco maiores mineradoras de carvão, a Xstrata Coal é a terceira maior exportadora de carvão da África do Sul.
A África do Sul é o maior produtor mundial de cromo (14.000 Mt), metais do grupo da platina (193 t), manganês (4.7 milhões Mt) e vermiculita (210.000 t). A África do Sul é o segundo maior produtor mundial de ilmenita (1,17 Mt), rutilo (130 000 t) e zircônio (370 000 t).
Cerca de 40% das reservas totais de ouro do mundo são encontradas na área de Witwatersrand. O minério de ferro é extraído em Sishen e Thabazimbi, e mais de 80% da produção da África do Sul vem dessas áreas. A parte noroeste da África do Sul é famosa pela mineração de platina e diamantes. Esta área é responsável por mais de 90% da produção de platina da África do Sul. Cinco das maiores minas produtoras de platina estão localizadas na área de Rustenburgo.
Os diamantes são extraídos principalmente em Koster, Lichtenburg, Bloemhof e Christiana. Os principais campos de carvão são encontrados nas regiões Highveld e Lowveld da África do Sul, sendo a Witbank e Ermelo os principais centros de mineração. A África do Sul é o principal fornecedor mundial de vanádio e produz quase 10 000 toneladas de óxido de vanádio, 9 000 toneladas de ferrovanádio e 70 000 toneladas de escória contendo vanádio. O Complexo Bushveld, ao norte da capital Pretoria, contém alguns dos maiores depósitos conhecidos de minério de magnetita vanadiferous no mundo. E enquanto os ricos depósitos minerais da África do Sul têm sido o foco da capitalização sustentada da mineração em larga escala por mais de 100 anos, a grande quantidade desses corpos ainda oferece uma abundância de oportunidades de mineração lucrativas e diversificadas: as reservas dos grupos de metais raros do país, por exemplo, são esperados para durar mais 335 anos, e suas reservas de carvão de 256 anos.
Coordenação de Jornalismo: Nina Fideles Coordenação de Multimídia: José Bruno Lima Texto: Marcio Zonta Edição: Simone Freire e Daniela Stefano Artes: Fernando Bertolo e José Bruno Lima
Parceria: Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)
Em memória de Adalberto Franklin, jornalista e historiador do Maranhão.